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Venezuelana conta como driblou boicote de Maduro e chegou à Olimpíada

Nadadora venezuelana Paola Perez - Reprodução/Instagram
Nadadora venezuelana Paola Perez Imagem: Reprodução/Instagram

07/07/2021 04h00

Apesar de todos os problemas financeiros vividos pela Venezuela, Paola Perez não podia reclamar do apoio oferecido pelo governo local à sua carreira de nadadora de alto rendimento. Costumava ter os projetos aprovados para fazer treinamento em altitude, disputar Copa do Mundo e se preparar para disputar uma Olimpíada nas águas abertas.

Mas tudo mudou depois da Rio-2016. Por quê? Ela não sabe responder. Paola precisou deixar o país por falta de locais para treinamento e encontrou refúgio em Santiago, no Chile. Fez vaquinha virtual para pagar a preparação e também o aluguel. Aos trancos e barrancos, conseguiu uma vaga para Tóquio-2020.

"Era difícil porque as piscinas não tinham a manutenção adequada, ficavam dois meses fechadas. A partir de 2015 foi quando a coisa ficou crítica. A Venezuela tem pelo menos uma piscina em cada estado, mas funcionando mesmo tem duas ou três, só em Caracas, e elas não ficam abertas o tempo todo porque não têm a manutenção adequada. Até existem clubes privados, mas eu não tinha dinheiro para as despesas, pagar aluguel, e nenhum clube paga salários", contou Paola ao Olhar Olímpico.

Vigésima colocada na maratona aquática nos Jogos do Rio, ela também se viu sem apoio do governo venezuelano, que é quem banca o esporte de alto rendimento do país. "Eu enviava os projetos para o Ministério do Esporte e eles sequer respondiam. Não saía dinheiro para nada, para nenhum projeto".

Sem alternativa, ela migrou para o Chile, onde encontrou trabalho como professora de uma escolinha de natação em um clube privado. Quando a pandemia começou, a piscina fechou e ela ficou sem trabalho. Para ter algum dinheiro, trabalhou empacotando os cotonetes que seriam usados em testes PCR.

Também ficou oito meses sem nadar. "Os atletas chilenos tinham permissão para nadar, mas como eu não sou chilena, tive que esperar os clubes reabrirem, o que levou oito meses. O clube em que eu trabalho arrenda uma lagoa, mas ela também ficou fechada", conta.

Hipotermia e vaga olímpica

A falta de apoio do governo venezuelano ficou clara durante os Jogos Pan-Americanos de Lima, disputados em uma lagoa geladíssima ao sul da capital do Peru. Medalhista de prata no Pan anterior, em Toronto, Paola enviou um projeto ao Ministério do Esporte pedindo, entre outras coisas, uma vestimenta específica para essa situação, de neoprene.

Todas as rivais tinham esse traje, menos ela, que também foi à competição sem técnico, médico, nada. Ainda assim, a venezuelana mergulhou na água a 18º C para disputar a prova. Paola até completou em 11º, cinco minutos depois de Ana Marcela Cunha, mas seu corpo estava a 30º C, com hipotermia. "Senti muitas emoções naquele dia. Frustração, raiva, decepção, tristeza... O que eu mais sonhava era repetir a medalha que eu ganhei em Toronto", lembra.

O caso gerou repercussão na comunidade da natação e na imprensa da Venezuela, mas não mudou o apoio nulo oferecido pelo governo venezuelano. Para se bancar no Chile e continuar treinando visando a Olimpíada, Paola diz que pensou várias vezes em vender fotos sensuais na internet, mas acabou optando pela velha tática de pedir doações. Abriu uma vaquinha que, até agora, arrecadou US$ 3,3 mil, principalmente de venezuelanos emigrados.

Mais perto da seletiva mundial realizada em Setúbal (Portugal) no mês passado, procurou a imprensa venezuelana para contar sua história. A pressão acabou sensibilizando o governo, que resolveu despachar os pedidos de apoio e bancou a ida dela à Europa. Com o dinheiro disponibilizado, ela comprou também os trajes necessários para competir. Aproveitando que Canadá, Argentina e Equador pegaram vagas diretas, Paola ficou com a vaga continental, classificada para Tóquio.

No mesmo dia, Maduro a parabenizou nas redes sociais. "Felicidades à nossa nadadora Paola Pérez. Ela é parte de uma geração de jovens desportistas que levam com orgulho as três cores do país. Conta com todo nosso apoio, campeã".

Não demorou e ela respondeu: "Espero que o apoio seja melhor que o que tive todo esse ciclo olímpico, em que só me deram promessas, como a casa que me prometeram por ter ido à Rio-2016. Confio que este ano será muito melhor", Paola escreveu. À coluna, ela evitou debates políticos. Disse que, como atleta, não tem opinião política e que prefere não se meter em discussões. Seus pais ainda moram em Táchira.