Topo

Quase meio milhão em dívidas depois, Joanna Maranhão volta a nadar

Fábio Aleixo

Do UOL, em São Paulo

13/12/2014 06h00

Em janeiro, a nadadora Joanna Maranhão se aposentou. O anúncio foi surpreendente. Com apenas 26 anos, ela era dona dos melhores resultados femininos brasileiros da modalidade em Olimpíadas. O sucesso, porém, esbarrava nos problemas que ser atleta representavam.

Para custear a carreira, por exemplo, as dívidas chegaram a um patamar assustador: quando deu adeus às piscinas, devia quase meio milhão de reais (o número rondava a casa dos R$ 420 mil). Some isso ao desgosto pela política esportiva do país e ela achou que se daria melhor focando na carreira acadêmica e dedicando mais tempo para a ONG Infância Livre, entidade que criou para combater a pedofilia, da qual foi vítima.

Depois de onze meses, porém, Joanna já retomou os treinamentos e não consegue esconder a felicidade por fazer o que mais ama: nadar. O retorno às grandes competições se dará na próxima semana, no Rio de Janeiro. Joanna participará do Troféu Open. Seus objetivos são os Jogos Pan-Americanos de Toronto (CAN) e o Mundial de Kazan (RUS), em 2015. Depois, vai pensar na Olimpíada do Rio de Janeiro, em 2016. E o problema financeiro que a obrigou a dar uma pausa na carreira está resolvido. Com sacrifícios.


“A situação está estabilizada. Você se adapta. Peguei empréstimos em bancos, vendi meu apartamento e meu carro. Passei a dividir um carro com meu irmão caçula. Mas tudo tem um lado positivo, para você ver que é possível viver com menos”, disse Joanna.

Não que as dívidas superadas tenham sido frutos de um modo de vida extravagante. Por anos, ela bancou do próprio bolso os gastos para participar de competições, incluindo manutenção da equipe técnica, passagens aéreas e estadia. Outros atletas tinham ajuda da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Ela não: segundo a pernambucana, sofria perseguição por sua postura crítica à gestão da natação por aqui.

“Por conta do meu posicionamento político, sofria boicotes. Já tive bastante estresse por conta disso, tudo que tinha de ser falado, já foi dito. Não tenho mais o que falar”, afirmou a nadadora. Entre outras coisas, criticou o longo tempo que Coaracy Nunes está no cargo de presidente da CBDA (desde 1988), a falta de investimento na natação feminina e a má distribuição da verba recebida pela entidade.

O tempo sem competir serviu para Joanna concluir sua monografia. Hoje, está formada em Educação Física e pretende iniciar a pós-graduação em Gestão Pública.  O que aprendeu nos bancos universitários deve ser colocado em prática, mas só no futuro. A mudança de ideia veio ainda quando era estudante: no fim de outubro, disputou os JUBs (Jogos Universitários Brasileiros) com tempos melhores do que quando treinava.

“Fiz os 400m medley em 4min44s00, que seria índice para a seleção brasileira e teria me dado o ouro se tivesse competido nos Jogos Sul-Americanos. Nadei para 1min00s38 nos 100m borboleta, o melhor tempo da minha vida. Estes resultados foram muito melhores do que eu imaginava e isso foi me motivando ainda mais. Vi que quando a cabeça está tranquila, as coisas funcionam muito melhor. O tempo em que estive parada foi muito mais um descanso para a mente do que um destreino para o corpo”.

Não é surpresa que, depois disso, seu foco é treinamento. Atualmente, nada no Nikita/Sesi, clube tradicional no Recife, sob a orientação de Keycy Florêncio – a técnica foi a primeira comunicada sobre seu retorno. Em 2015, porém, ela vai para o eixo Rio-São Paulo. Joanna afirmou à reportagem que tem tudo praticamente fechado para defender um grande clube, mas só confirma o nome até que o contrato esteja assinado. Ela também negocia com alguns patrocinadores para aumentar suas fontes de renda. Atualmente, ela vive do Bolsa Atleta do Governo de Pernambuco e de um salário do Exército: ela é terceiro sargento. Por ter anunciado a aposentadoria, perdeu o auxílio da Bolsa Atleta do Governo Federal e qualquer tipo de apoio da CBDA.

“Não tive contato com a CBDA nem quando me afastei, nem quando voltei. Este vínculo só será retomado quando eu voltar para a seleção. Nas demais questões, deixo meu clube me representar. Evita um desgaste. Quando você está em um clube pequeno, precisa tomar a dianteira”, afirmou Joanna.

No Troféu Open, que já valerá índices para o Pan e para o Mundial, ela nadará quatro provas: os 200m medley, 400m medley e 200m borboleta, que são suas especialidades, e os 100m costas.

“Estou muito bem fisicamente, diminuí o percentual de gordura do meu corpo. Me sinto melhor do que estava quando competi nos Jogos Olímpicos de Londres”, disse Joanna, que não conseguiu participar de nenhuma final naquela olimpíada. Foi 26ª nos 200m medley, 17ª nos 400m medley e  16ª nos 200m borboleta.

ONG seguirá em atividade
Apesar de retomar a carreira profissional, Joanna não deixará de lado suas atividades na ONG Infância Livre. Nos próximos dias, passará a elaborar o planejamento de atividades para 2015.

“Tem muitas empresas querendo palestras, então devo me dedicar muito a isso em vários fins de semana de 2015. Conto também com a ajuda de outros 14 voluntários que trabalham comigo. Também temos outra frente que é o recebimento de denúncias para darmos inícios a processos na Justiça. Mas é algo mais delicado, exige um sigilo”, explicou Joanna.