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Lutador de MMA encara combate em SP um dia após morte do filho: "sem chão"

André Mustang é nocauteado por Wanderley Mexicano horas depois de morte do filho após parto - SFT/Reprodução
André Mustang é nocauteado por Wanderley Mexicano horas depois de morte do filho após parto Imagem: SFT/Reprodução

Bruno Freitas

Colaboração para o UOL, em São Paulo

22/01/2019 04h00

André Rodrigues tinha o sonho de lutar em São Paulo em nome do filho que estava para chegar no começo de 2019. O lutador de MMA de 23 anos veio de Rondônia para a metrópole com um retrospecto considerado bastante promissor. Na última semana, no entanto, o mundo do jovem atleta desabou com a morte do bebê bem na véspera de um importante combate longe de casa.

Heitor era o primeiro filho da união do atleta rondoniense com Amanda e morreu na última sexta-feira, na cidade de Cacoal, horas depois do parto - e um dia antes de o pai enfrentar Wanderley Mexicano no SFT (Standout Fighting Tournament). Contrariando recomendações da organização, André "Mustang" decidiu ir ao octógono mesmo com o abalo pela tragédia e acabou derrotado no primeiro round. 

Mustang estava escalado no card principal do SFT 9, marcado para a noite do último sábado, no Clube Habraica, em São Paulo. A programação foi mantida a pedido de André, mas as 48 horas anteriores ao evento viraram a vida do lutador de cabeça para baixo.

"Lute pelo sonho da família"
André Mustang enfrentou Wanderley Mexicano no último sábado em São Paulo - Reprodução/SFT - Reprodução/SFT
Imagem: Reprodução/SFT

Na última quinta-feira, o lutador soube que a esposa Amanda fora internada na cidade Cacoal, em Rondônia, logo após um exame de rotina na fase final de gravidez. O filho do casal sobrevivera ao parto não programado e nasceu de forma prematura, mas correndo risco de vida. Naquele momento, a milhares de quilômetros dali, André decidiu conciliar a dureza da notícia com a missão do momento: perder peso para poder lutar em São Paulo.

No dia seguinte tudo iria piorar. Mustang soube ainda na madrugada de sexta-feira que o bebê não resistiu. Heitor morreu em decorrência de problemas respiratórios. 

"Ele ficou na minha casa. Quando soube da morte do bebê ele estava no quarto da minha filha", contou Rodrigo Pamplona, técnico de André em São Paulo. "Ele soube que iria ser pai na pesagem do SFT 6, ficou muito feliz. Aquele filho era a vida dele", acrescentou.

Então, às 4h30 o estafe do lutador entrou em contato com Magno Wilson, "matchmaker" do evento, responsável pela programação de lutas. A organização assegurou que pagaria a bolsa mesmo com o cancelamento do combate: André não precisava lutar. Mas o pai que acabara de perder o filho preferiu manter o combinado.

Foi da esposa que André escutou a recomendação para não cancelar o combate. "Lute pelo sonho da família" foram as palavras de Amanda, de acordo com pessoas que acompanharam os momentos de drama do casal antes do evento. Assim, decidido a não abandonar a missão esportiva em São Paulo, Mustang enviou um vídeo ao organizador Magno Wilson pedindo para lutar.

Horas depois, ainda na sexta-feira, o lutador de Rondônia apareceu para a pesagem. André bateu o peso para o combate, mas se apresentou muito cabisbaixo e sem encarar o adversário Wanderley Mexicano. À noite, ficou sozinho no alojamento, não quis acompanhar os companheiros de academia no jantar. Neste dia o pai de Heitor ainda publicou um texto em homenagem ao filho no Facebook:   

"Hoje meu coração está em pedaços, nosso filho veio como um anjo de luz... meu filho você me trouxe as maiores emoções do mundo, a maior alegria eu descobri com você quando te vi pela primeira vez naquele ultrassom. Depois a cada chute que dava no papai enquanto passava 'olinho' na mamãe, cada vez que ia para um lado só da barriga da mamãe (...) Ontem a mamãe foi fazer uma consulta de rotina e veio uma dorzinha no pé da barriga, mal sabíamos que era você querendo vir ao mundo, e você veio aos 7 meses já sem vida, mas como você veio lutador igual o papai lutou por nós e reviveu, viveu por quase 10 horas, lutando, como você foi forte. E nos trouxe esperança. Mas os planos de Deus são diferentes dos nossos, pela madrugada você teve mais duas paradas cardíacas, a luta foi dura, mas por insuficiência respiratória você se foi para o lado do papai do céu dar alegria lá, deixando um buraco enorme em meu coração. Estou sem chão e sem rumo agora, meu filho. Nosso pequeno grande lutador."

Camiseta com o nome do filho no octógono
André Mustang foi derrotado por Wanderley Mexicano no SFT 9, em São Paulo - Reprodução/SFT - Reprodução/SFT
Imagem: Reprodução/SFT

O bebê Heitor foi a inspiração para André Mustang suportar a programação de sábado, com todo o protocolo habitual de luta, incluindo as horas de preparação. O lutador escreveu o nome do filho em uma camiseta usada para entrar na arena do Clube Harmonia. Mas a consternação parecia ser difícil de administrar.

"Foi muito difícil. Parecia outro atleta, ele estava muito abalado", relatou Magno Wilson, um dos organizadores do evento.  

Então com cartel de sete vitórias e três derrotas, Mustang partiu para enfrentar Wanderley Mexicano, adversário de Diadema, em combate válido pelos pesos galo (até 61 kg). Logo que entrou no octógono o lutador de Rondônia se ajoelhou e pareceu fazer uma prece por alguns segundos, encerrando o ritual com um sinal da cruz. André decidiu lutar mesmo com o drama familiar, mas a superação em nome do filho não iria durar muito. Foi apenas um minuto e meio de combate.

A luta acabou logo no primeiro round, quando Mexicano encaixou uma série de socos e levou André ao solo. Dominado no chão, o atleta de Rondônia foi castigado por mais alguns golpes até que o árbitro interrompesse a disputa e decretasse a vitória do oponente.

Ainda no octógono, Mustang assistiu ao anúncio oficial da vitória de Wanderley, sem disfarçar a frustração. Depois, segundo relato de organizadores, finalmente desabou no vestiário após a luta, chorando muito. A cena comoveu algumas pessoas que trabalhavam no evento: "a choradeira foi geral".

"Ele foi muito forte, muito guerreiro de lidar com a pressão. Estava bem focado no vestiário, falando que iria ganhar. Mas depois da luta ele falou: 'esse cara não sou eu, muito golpe no vazio, não consegui lutar pela minha família'", descreveu o treinador Pamplona. 

Ganhou passagem para casa e uma nova chance
André Mustang foi ao octógono em São Paulo apenas um dia após tragédia familiar - Reprodução/SFT - Reprodução/SFT
Imagem: Reprodução/SFT

Horas depois das emoções intensas da noite de sábado, André Mustang voltou para casa no começo do domingo, com uma passagem bancada por David Hudson, presidente do SFT. Então encarou uma pequena maratona até chegar em casa e ver a esposa: avião até Cuiabá e depois ônibus até sua cidade em Rondônia.  

O lutador também deixou o evento em São Paulo com a promessa de que receberá uma nova oportunidade. A expectativa é de que o atleta de Rondônia seja encaixado em alguma das próximas edições, em março ou abril. 

"Ele é um menino muito talentoso, acredito muito no André que a gente viu anteriormente. Menos pelo lado negócio, até mais pelo lado humano, ele merece lutar. É o tipo de lutador que o público quer ver", afirmou o 'matchmaker' Magno Wilson.

Graduado em faixa marrom de jiu-jítsu, grau preto de muay thai, André Mustang vinha treinando desde 2018 na academia Round By Round, em São Paulo, sob orientação do técnico Rodrigo Pamplona.

"Ele vai voltar mais forte, o nome André Mustang ainda vai correr o mundo", afirmou o treinador de lutador em São Paulo.