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Autoridade de antidoping do Brasil rebate médico pró-Anderson Silva

Anderson Silva acabou flagrado em dois exames com drostanolona - Vinicius Castro/UOL
Anderson Silva acabou flagrado em dois exames com drostanolona Imagem: Vinicius Castro/UOL

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

27/02/2015 13h48

Há dois dias, o gastroenterologista Sabino Vieria Loguercio concedeu uma entrevista ao UOL Esporte defendendo Anderson Silva, punido provisoriamente por uso de uma substância proibida (drostanolona). Nesta sexta, a autoridade brasileira do controle de dopagem rebateu alguns argumentos do médico e suas críticas ao sistema de que combate ao uso de drogas, construindo um cenário cada vez mais complicado para o lutador brasileiro.

“Se um atleta necessitar, por razões de saúde, fazer um tratamento com uma substância que é proibida, ele tem esse direito. Há um padrão da Wada [Agência Mundial de Controle de Dopagem] de uso terapêutico. Você tem de pedir para utilizar essa substância. Se os critérios estiverem previstos ele pode utilizar. Só que anabolizante não tem a ver com uma fratura. Para consolidar uma fratura não necessita o uso de um anabolizante”, disse Luiz Horta, doutor em medicina com especialização na área esportiva, ex-presidente da Comissão de Laboratórios da Wada e hoje consultor da ABCD (Agência Brasileira de Controle de Dopagem).

A fala contraria a tese de Sabino Vieira Loguercio, que argumenta que Anderson poderia ter usado a droga para recuperar-se de uma fratura. O médico ainda criticou os métodos das agências de combate ao doping, que segundo ele são desumanos e ilegais.

“Para nós, dopagem é uma fraude ao esporte, fundamentalmente. A missão da ABCD de combater a dopagem é para proteger o atleta de entrar em competições que podem estar fraudadas por dopagem. Essa é a discordância”, disse Marco Aurélio Klein, secretário nacional de combate ao doping do Ministério do Esporte, responsável pela ABCD, órgão máximo do assunto no país.

A fala dos dois especialistas bate de frente com a de Sabino Loguercio, que embora não seja ligado à defesa de Anderson Silva, tomou partido do lutador enquanto crítico contumaz do sistema de combate ao doping. Veja, abaixo, algumas das frases do médico em um texto publico no blog do Juca Kfouri e em uma entrevista ao UOL Esporte:

“Eu queria que os jornalistas defendessem que o antidoping punitivo não é correto. É muito mais importante o ser humano que o fair play. Gostariam que discutissem isso aí. Que não partisse do pressuposto de que o atleta dopado é desonesto”

“Cada ser humano é um universo único. Você não pode estabelecer um número x que possa prevalecer para todos. O mesmo raciocínio pode ser usado para o trânsito, na Lei Seca. Só 3% do álcool que a pessoa ingere vai para o corpo. No bafômetro, o que se verifica é o álcool que está no pulmão. Não se pode estabelecer um valor x para dizer quem está em condições ou não de dirigir”

“O antidoping de caráter punitivo é antiético, anticientífico, inconstitucional e uma clamorosa agressão aos direitos humanos”

As opiniões e as analogias são rechaçadas por Klein e Horta, que atualmente trabalham para que o Brasil volte a ter um laboratório de controle de doping credenciado pela Wada. Para Klein, por exemplo, a imagem correta para exemplificar a necessidade do antidoping no formato atual não é com a lei Seca.

“É um controle que às vezes é invasivo. Você colhe amostras de sangue e urina, faz coleta de surpresa... Eu comparo com o controle de segurança nos aeroportos, sobretudo nos países que levam isso com extremo rigor, como EUA, Alemanha, Israel. É difícil. Você passa, mexem nas suas coisas, te revistam, usam o raio-x, mas é para proteger o seu voo”, disse ele.

Horta também explica que o debate sobre os limites do controle antidoping também já foram superados. “Essa questão dos direitos do homem é muito falada. Durante quatro anos eu fui presidente do Conselho da Europa. Eu organizei um evento na França, em 2003, quando convidamos diversos especialistas de direitos humanos. Gente do tribunal de Estrasburgo [Tribunal Europeu dos Direitos Humano]”, conta Horta, português de nascimento.

“No início houve muita discordância, mas a grande conclusão foi que os especialistas na luta contra dopagem conheciam melhor os direitos humanos do que os especialistas em direitos humanos conheciam a luta contra o doping. A grande conclusão foi: ‘Continuem com a luta contra a dopagem, porque ela é uma forma de defesa dos direitos humanos’”, disse Luis Horta.

Discordâncias sobre Anderson

Sabino falou ao UOL sobre o caso do lutador, flagrado em dois exames com drostanolona, um tipo de anabolizante. Segundo ele, a substância poderia ter sido usada por Anderson Silva como uma espécie de remédio em 2014, quando ele se recuperava da fratura na canela esquerda. Sabino sustenta que os resíduos podem ter demorado a sair do corpo do lutador, que foi flagrado com a substância em 9 de janeiro, cerca de 20 dias antes de sua luta contra Nick Diaz.

O médico brasileiro ainda comparou o caso de Anderson Silva ao de Daiane dos Santos, que em 2009 foi punida pelo uso de uma substância proibida quando estava lesionada, afastada das competições. Horta diz que uma substância anabólica não precisaria ser administrada na recuperação de uma fratura. Em outros casos, porém, o atleta poderia ter sido liberado com autorização de um órgão competente.

A questão é que Anderson nunca fez isso. Documentos obtidos pelo UOL Esporte mostram que o lutador brasileiro não sinalizou ao UFC ou à Comissão Atlética de Nevada o uso de nenhuma substância ilegal para efeito terapêutico. O ex-campeão dos médios, diga-se, nunca disse ter tomado nenhuma droga, nem nessas circunstâncias. Sua defesa, no entanto, chegou a levantar essa hipótese logo após a divulgação do doping.

Sabino ainda contestou a ordem dos exames. Anderson testou positivo em 9 de janeiro, negativo em 19 de janeiro e positivo novamente em 1º de fevereiro. “Ou é má intenção [do lutador] ou é uma questão fortuita, um erro laboratorial. Existem condições analíticas que podem tornar um teste inválido ou falso. Em princípio, o exame laboratorial nunca é prova. E do dia 19 para o dia 1º [dia da luta], por mais que ele tomasse o anabólico, como você sugere, ele não ia aumentar o rendimento dele às vésperas da luta”, disse o médico brasileiro.

Horta, novamente, discorda. “Isso também não corresponde à realidade. A utilização pode ser na fase de preparação, e aí não tinha lógica de ser a dez dias da competição. Mas os esteroides anabolizantes também podem ser utilizados como agentes facilitadores na hora da disputa, e aí teria toda lógica ele ter tomado tão perto da luta. Podem ser dois ciclos diferentes ou pode ser o resultado de aplicações de objetivos diferentes”, concluiu o especialista.