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Médico compara doping de Anderson ao de Daiane dos Santos: "poderia usar"

Médico compara caso de Anderson Silva ao de Daiane dos Santos e defende lutador - Joel Silva/Folhapress
Médico compara caso de Anderson Silva ao de Daiane dos Santos e defende lutador Imagem: Joel Silva/Folhapress

Gustavo Franceschini

Do UOL, em São Paulo

25/02/2015 06h00

Sabino Vieira Loguercio é médico gastroenterologista e endoscopista. No âmbito esportivo, é um notável crítico do sistema de controle de doping atual, que segundo ele expõe os atletas e toma, de maneira equivocada, exames laboratoriais como prova. Autor de “Doping e as Muitas Faces da Injustiça”, ele diz que o caso de Anderson Silva é semelhante ao de Daiane dos Santos. E que, como a ginasta, o lutador poderia ter usado a substância pela qual foi punido.

“A drostanolona [substância com a qual Anderson Silva foi pego] é usada para fortalecer a musculatura. Uma pessoa que sofreu uma fratura como a dele precisa fortalecer a musculatura”, diz Loguercio, em entrevista ao UOL Esporte.

Para quem não se lembra, Daiane dos Santos foi pega em uma exame-surpresa em 2009, quando estava parada se tratando de uma lesão. Sem competições previstas no calendário, usou a substância furosemida em um procedimento estético, aconselhada por um médico. Ainda assim, foi suspensa por cinco meses e teve sua carreira colocada à prova pela repercussão do exame positivo (relembre aqui).

“No caso de Daiane, a violência contra sua reputação alcança um tom ridículo e absurdo, porquanto a atleta, além de estar alijada do menor vislumbre de disputa atlética, convalescia de uma intervenção cirúrgica. Por evidente imposição profissional, seus médicos assistentes estavam liberados para prescrever qualquer droga que visasse a recompor o estado de higidez da nossa laureada menina”, escreveu Loguercio na Folha de S. Paulo, em 2009, defendendo a ginasta.

Hoje, ele faz o mesmo ao ver a repercussão do caso de Anderson Silva. Na última terça, publicou um texto explicando parte de sua teoria no blog do Juca Kfouri. Agora, fala com detalhes à reportagem sobre o caso do lutador.

UOL Esporte: Por que o senhor defende que o atual sistema de combate ao doping é incorreto?
Sabino:
Cada ser humano é um universo único. Você não pode estabelecer um número x que possa prevalecer para todos. O mesmo raciocínio pode ser usado para o trânsito, na Lei Seca. Só 3% do álcool que a pessoa ingere vai para o corpo. No bafômetro, o que se verifica é o álcool que está no pulmão. Não se pode estabelecer um valor x para dizer quem está em condições ou não de dirigir. Tem questões de metabolismo e genética.

A pessoa pode ingerir um litro de uísque e ficar inteira ou tomar uma latinha de cerveja e ficar bêbado. O exame correto é o neurológico, em que se pode apreciar os reflexos, o raciocínio. O bafômetro serve para que o neurologista saiba que ele ingeriu álcool, mas não que ele está impedido de dirigir. No esporte é igual. As pessoas usam exames laboratoriais como prova e não avaliam as particularidades do atleta. No meu texto no blog do Juca eu cito o caso da argentina Sandra Torres, que usava um remédio permitido e conseguiu provar que seu corpo promoveu uma alteração metabólica na substância que foi apontada como doping. Mas o efeito que a divulgação tem na reputação do atleta é devastador.

UOL Esporte: O senhor defende, então, que a presunção da inocência deve prevalecer. Qual seria, então, o sistema de combate adequado?
Sabino:
O que eu preconizo é que o antidoping tem de ser preventivo. Há uma competição em outubro? Então a partir de março ele faz os exames surpresas. Vamos supor que se encontre um esteroide anabólico. Ele é advertido. Em maio continua com o esteroide, e aí ele é levado a parar com o uso dele, a não ser que justifique com outra razão. É o caso do Anderson Silva, que usou [a drostanolona] por causa da fratura.

N.R.: Anderson Silva nunca disse, textualmente, que usou a substância proibida no processo de recuperação, embora seu advogado tenha levantado uma tese similar em entrevista ao UOL Esporte.

UOL Esporte: Só que ele recuperou-se ao longo de 2014 e foi pego no antidoping a 20 dias da luta. Os especialistas dizem que essa substância fica em torno de uma semana no organismo. Isso não indicaria que ele não a usou apenas para se recuperar, como o senhor defende?
Sabino:
Há pessoas que eliminam a substância em uma semana, outras eliminam após um ano. No meu livro mesmo tem um exemplo de exame no Brasil em que apareceram três corticoides. Nos exames feitos nos EUA não apareceu nenhum. Você não pode usar um exame bioquímico como prova jamais.

UOL Esporte: Então o senhor crê que a drostanolona pode ter sido usada como um remédio, para a recuperação física do atleta?
Sabino:
Sim, ela é usada para fortalecer a musculatura. Uma pessoa que sofre uma fratura como a dele precisa fortalecer a musculatura. É o mesmo caso da Daiane, que tinha sofrido uma lesão também.

UOL Esporte: O Anderson Silva fez três exames de urina. O primeiro, em 9 de janeiro, deu positivo para drostanolona. O segundo, em 19 de janeiro, não. E um terceiro, feito após a luta, também deu positivo. Esse negativo no meio dos dois testes indica um possível erro do laboratório ou o fato de que o lutador voltou a administrar a substância às vésperas da luta?
Sabino:
Pode ser as duas coisas. Ou é má intenção ou é uma questão fortuita, um erro laboratorial. Os laboratórios todos estão enviando os resultados ao juízo crítico dos médicos. Existem condições analíticas que podem tornar um teste inválido ou falso. Em princípio, o exame laboratorial nunca é prova. E do dia 19 para o dia 1 [dia da luta], por mais que ele tomasse o anabólico, como você sugere, ele não ia aumentar o rendimento dele às vésperas da luta. Se o indivíduo está usando droga, então não participe da competição. Mas não pode deixar e o expor.

UOL Esporte: Por que o senhor defende tão duramente o direito à privacidade dos atletas nesses casos?
Sabino:
Muito pior que o caso do Anderson Silva foi a divulgação do adversário dele [Nick Diaz], que usou maconha. A pessoa que utiliza maconha ou cocaína é um doente, não tem ganho de performance. Eu queria que os jornalistas defendessem que o antidoping punitivo não é correto. É muito mais importante o ser humano que o fair play. Gostariam que discutissem isso aí. Que não partisse do pressuposto de que o atleta dopado é desonesto.