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Rorion Gracie: Hélio Gracie, meu pai, nunca foi militante integralista

Rorion Gracie foi o criador do UFC e um dos principais difusores do jiu-jitsu brasileiro - Arquivo Pessoal
Rorion Gracie foi o criador do UFC e um dos principais difusores do jiu-jitsu brasileiro Imagem: Arquivo Pessoal

Rorion Gracie

De Los Angeles (EUA)

13/08/2020 14h22

Há poucos dias, tivemos a oportunidade de ler uma matéria que apresentava meu falecido pai, Grande Mestre Hélio Gracie, ícone e representante da tradição do jiu-jítsu brasileiro, como tendo sido militante do movimento integralista, nos anos 1930.

Entristece essa interpretação, não só descontextualizada, como pejorativa do fato. Tenta manchar, de maneira desmerecida, a imagem de um mito. Um dos grandes brasileiros da história.

Desde que devidamente contextualizado e despolitizado, não haveria problema algum no referido artigo. Devemos considerar que movimentos de matiz nacionalista ou, como se prefere, dentro de uma ótica maniqueísta, "fascistas", eram relativamente comuns na época em questão e não tinham a conotação negativa que o termo carrega consigo hoje.

O movimento integralista, em um Brasil com, aproximadamente, 40 milhões de habitantes, possuía cerca de 3 milhões de filiados.

(Nota da edição: de acordo com os historiadores Leandro Pereira Gonçalves e Odilon Caldeira Neto, em "O fascismo em camisas verdes: do integralismo ao neointegralismo", os filiados à Ação Integralista Brasileira "nunca passaram de 200 mil".)

Entre estes, personalidades como, por exemplo, Vinicius de Moraes e Miguel Reale. Era fruto de uma época em que o Brasil de Vargas tentava sair do modelo que concentrava o poder nas oligarquias do "café com leite" e ensaiava sua industrialização e construção de uma identidade. Não tinha uma conotação racista, nem calcada na grandeza de um passado imperial. Buscava construir uma identidade nacional partindo do brasileiro de Freyre, tendo como ponto de amálgama o cristianismo de seu principal ideólogo, o jornalista Plínio Salgado. Como todo movimento com base religiosa, tinha um viés conservador.

Hélio Gracie - Divulgação - Divulgação
Hélio Gracie, um dos criadores do jiu-jítsu brasileiro
Imagem: Divulgação

Contextualizado o integralismo, vamos aos fatos. Hélio Gracie, na época com seus vinte e poucos anos, foi um dos primeiros heróis do esporte brasileiro. Estava passando, porém, por um momento inusitado: teve prisão decretada, devido ao envolvimento em uma briga com outro lutador conhecido da época.

Foi quando uma senhora, chamada Rosalina Coelho Lisboa, aluna de Hélio Gracie e amiga pessoal do já citado Plínio Salgado e de Getúlio Vargas começou a colher assinaturas, buscando orientar um abaixo-assinado, solicitando que o presidente Vargas concedesse um indulto ao afamado atleta.

Indulto concedido, pouco se ouviu falar, até anos recentes, do envolvimento de Hélio Gracie com política. Salvo uma candidatura a deputado pelo PSD, ele quase não se envolvia com política, tendo ministrado aulas para alunos de todo o espectro político, entre os quais poderíamos citar Oscar Niemeyer, Carlos Lacerda, Samuel Wainer e o ex-presidente João Baptista Figueiredo.

Surge então a informação, pinçada de um periódico integralista da época, - e de uma "relação de votantes" feita pela "Polícia Política e Social", datada de 1937, já no Estado Novo, quando Vargas havia proibido todos os contrapontos políticos e sociais - mostrando o jovem Hélio Gracie, como já citado, nos seus vinte e poucos anos, vestindo a camisa-verde com o sigma, dos integralistas. O contexto era claro na própria matéria, onde se divulgava a participação do grande mito do esporte nacional em uma competição esportiva, promovida pelo movimento integralista.

O autor da matéria do UOL reconhece e escreve que Hélio Gracie, se um dia tivesse sido militante atuante, não mais seguiu:

"O pesquisador não encontrou registros da participação de Hélio Gracie no movimento no pós-guerra."

Claramente, o Grande Mestre Hélio Gracie usava a vestimenta e a insígnia como um atleta dos dias atuais utiliza um boné de seu patrocinador. Era comum que movimentos nacionalistas usassem conhecidos atletas como propaganda política do seu regime.

Desta forma, Hélio Gracie nunca foi ideólogo e militante no movimento integralista como se tenta fazer parecer. Qualquer leitor mais atento que se disponha a visitar a base de dados digital da Biblioteca Nacional, buscando pelo termo Hélio Gracie, em mais 5 mil respostas nos jornais da época não encontrará nenhum artigo que ligue Hélio Gracie ao movimento integralista. Os documentos existem, mas a dificuldade de achá-los pelos pesquisadores não é obra do acaso, mas apenas reflexo da falta de importância que o fato teve na vida deste grande lutador e professor.

Como estamos falando da época de Getúlio, não posso deixar de mencionar, que meu pai, além de prestígio e reconhecimento nacional, tinha reputação ilibada, foi certa vez convidado pela primeira-dama Darcy Vargas, ao Palácio do Catete, onde ela o recebeu para pedir: "Professor Hélio Gracie, salve a juventude do Brasil."

O Grande Mestre Hélio Gracie teve, sim, sua ideologia política, mas esta atendia pelo nome de jiu-jítsu. Uma forma, como ele dizia, de dar chances ao fraco de se defender do forte, de educar e incorporar valores pelo esforço pessoal e de devolver ou conferir autoconfiança àqueles que mais precisam.

Ao invés de diminuir o nome de Hélio Gracie, seria mais interessante que seu legado fosse exaltado e que seu exemplo fosse seguido. Em uma época com tão poucos paradigmas, o que menos precisamos é desconstruir os que ainda temos.

Meus agradecimentos ao Grupo de Estudos Goshinjutsukan, pela contribuição.