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Fenômeno aos 23 anos, Mayra foi moldada por treinos com bicampeão mundial

Bruno Doro

Do UOL, em São Paulo

29/08/2014 12h10

Mayra Aguiar está há tanto tempo levando o Brasil ao topo do mundo no judô que muita gente esquece como ela é jovem. Aos 23 anos, ela é medalhista olímpica e, desde as 10h desta sexta-feira (29), campeã mundial. Um verdadeiro fenômeno do esporte nacional, que já supera os limites de sua modalidade.

“Minha preparação para o Mundial foi bastante boa, bastante forte. Apesar de só ter competido uma vez no ano, no Grand Slam de Tyumen, consegui ser campeã. Isso mostra que estou no caminho certo para buscar essa medalha de ouro”, disse Mayra.

Para explicar sua importância, é preciso ampliar o foco. Olhar não só para resultados, mas para a evolução que ela personifica, a mudança de mentalidade que ela comandou e as dificuldades que teve de superar para chegar a esse patamar.

Pódio em Mundial já aos 15 anos

Primeiro, vamos ao lado mais fácil: os resultados. No Mundial de Chelyabinsk, Mayra conquistou sua quarta medalha em cinco participações na competição. Ela só não foi ao pódio uma vez, no Mundial de 2007, no Rio de Janeiro. Sabe quantos anos ela tinha por lá? 16.

Naquela época, porém, ela já mostrava que era diferente. Era medalhista mundial sub-20 (o bronze foi conquistado aos 15 anos...) e vice-campeã dos Jogos Pan-Americanos, com um agravante: a medalha de prata foi conquistada em casa, nos Jogos do Rio de Janeiro, com imensa pressão sobre os atletas brasileiros. Mesmo assim, a garota só perdeu uma luta, para a norte-americana Ronda Rousey (sim, a mesma Ronda que hoje é campeã do UFC).

Quatro anos depois, ela foi campeã mundial júnior, em Agadir, no Marrocos. Ao estourar a idade para a competição sub-20, somava quatro medalhas em quatro mundiais disputados. Mas o torneio já parecia ser pequeno para ela, uma estrela da seleção brasileira adulta. "Eu brinco que eu tenho um pódio inteiro no júnior: dois bronzes, uma prata e um ouro. No sênior eu tinha dois bronzes, uma prata e faltava o ouro. Eu não ia sair daqui sem esse ouro. Não ia ficar satisfeita com menos", fala.

Em 2008, ela tinha estreado em Jogos Olímpicos, em Pequim, na China. Um mês antes da conquista em Agadir, já era vice-campeã mundial adulta, em Tóquio – em sua primeira derrota marcante para outra norte-americana, Kayla Harrison.

No Mundial da Rússia, ela completou sua coleção de conquistas em Mundiais: o ouro, agora, ficará ao lado da prata de 2010 e de duas medalhas de bronze, de Paris-2011 e Rio de Janeiro-2013. É um recorde para judocas do Brasil. Campeões olímpicos, Aurélio Miguel e Sarah Menezes foram superados na lista de medalhistas brasileiros. Cada um tinha três pódios.

Treinamento com bicampeão mundial

Essa precocidade pode ser creditada a dois homens. João Derly e seu técnico, Antonio Carlos Pereira, o Kico. Derly é o único brasileiro bicampeão mundial de judô. Conhecido por sua força e estilo do leste europeu, ele foi ouro nos Mundiais de 2005 e 2007. E Mayra começou a treinar com ele justamente nesse período.

Na Sogipa, clube de Porto Alegre, Mayra rapidamente superou em força e técnica as outras meninas. Passou a treinar com os homens, incluindo Derly, a estrela da companhia. Quando chegou a hora de enfrentar rivais de sua idade em campeonatos mundiais, não estranhava a força das europeias ou a técnica das orientais.

Personificação da revolução feminina

O sucesso da gaúcha, porém, coincidiu com o surgimento de outros talentos femininos no judô brasileiro. Sarah Menezes também brilhou em mundiais menores, assim Como Rafaela Silva. Érika Miranda, que também subiu ao pódio em Chelyabinsk,  era jovem e já mostrava resultados no fim da última década. Some isso à insistência da técnica Rosicléia Campos em criar um calendário independente para a seleção feminina e você tem um ambiente muito propício para que as mulheres deixassem a sombra dos homens, que até então tinham muito mais resultados.

Aos poucos, as garotas de Rose foram conquistando seu espaço, ganhando seus campeonatos. Há alguns anos, a seleção feminina, e não a masculina, é o carro chefe do judô nacional. A medalha de ouro de Sarah Menezes nas Olimpíadas de Londres, em 2012, e o título mundial de Rafaela Silva, no Rio de Janeiro, em 2013, eram prova disso. Mayra, mesmo sem ter chegado ao topo, como as duas parceiras, tinha parte nas conquistas. Já era a mais experiente do grupo. Mesmo sendo a mais nova da seleção, como aconteceu no Mundial da Rússia.

“É uma equipe muito jovem, mas que está na estrada há bastante tempo. Eu, a Sarah e a Rafaela, a gente entrou na seleção muito nova. Com 14 anos eu já estava viajando, pegando em quimono gringo pelo mundo afora. A gente já está calejada, apesar de sermos novinhas. Na hora da competição a gente vê isso. Eu tenho muito orgulho dessa equipe. Tudo o que a gente trabalhou. CBJ, clubes, a Sogipa. Esse tipo de vitória não se conquista sozinha, é muita gente por trás. Foi uma conquista de todos. Estou muito feliz de dar essa conquista para essas pessoas", falou a nova campeã mundial.

Guerra contra o próprio corpo

E essa posição de liderança era assumida não só pela experiência dentro do tatame. Fora ela também é uma guerreira. O número de obstáculos que ela superou para seguir em alto nível ao longo dos últimos anos é impressionante. Entre 2008 e 2009, ela ficou dez meses afastada dos treinos por uma lesão grave no joelho direito. Depois da lesão, subiu de categoria: antes médio, lutava com 70 quilos. Agora, é meio-pesado, categoria com atletas de até 78kg.

Mesmo em adaptação ao novo peso, em sua primeira competição internacional depois da lesão veio um título, o Mundial júnior de Paris. Em seguida, ela se estabeleceu como uma das melhores do mundo, ganhou medalhas em mundiais, se tornou a primeira brasileira a liderar o ranking mundial e subiu ao pódio em Olimpíadas, nos Jogos de Londres, em 2012.

Mais uma vez, um problema: após as Olimpíadas, ela operou o ombro direito. Ficou mais oito meses longe das competições. Mas, no primeiro Mundial que disputou depois, veio a medalha de bronze no Rio de Janeiro. O ombro, porém, não aguentou. Ela teve de operar o local novamente. No período, porém, acabou machucando também o joelho. Para se recuperar das duas lesões, precisou de mais dez meses. Voltou apenas no Grand Slam de Tyumen, na Rússia, no mês passado. Venceu.

O desempenho serviu para que ela chegasse em boa forma ao Mundial. "Estou na minha forma fisicamente. E a parte técnica também não foi tão ruim assim", conta a judoca. "Não trabalhei [no Mundial] tudo o que podia trabalhar. Depois da cirurgia, teve o processo de recuperação. Competi no grand Slam e fiquei pouco tempo parada. O objetivo era ganhar as lutas o mais rápido possível, mas foi o contrário, me esfreguei o dia inteiro no tatame", completou.

Com o título, ela agora passa a mirar seu próximo grande objetivo: "Quero ganhar minha medalha de ouro nas Olimpíadas. A caminhada vai ser dura, mas tem tudo para dar certo. Sonho quando a gente sonha fica muito distante. Isso para mim é um objetivo, quero conquistar essa medalha. E vou fazer de tudo para deixá-la no Brasil".