Topo

Mercado milionário dos cavalos ameaça seleção do hipismo para 2016

Alan Crowhurst/Getty Images
Imagem: Alan Crowhurst/Getty Images

Dê Rana

Do UOL, de São Paulo

23/09/2014 06h00

No futebol, todos já sabem: quando um time é campeão, chovem propostas de árabes e europeus pelos melhores jogadores e começa o risco de desmanche. O mesmo problema vive o hipismo. Numa seleção de seis atletas brasileiros, três perderam seus animais nos últimos dias. O caso mais curioso envolve Marlon Zanotelli, um maranhense que deu duro para chegar onde chegou, e cujo cavalo agora será montado pela mulher de Doda, a bilionária grega Athina Onassis.

“Se ninguém se mexer, o Brasil corre o risco de ficar sem nenhum cavalo para a Olimpíada de 2016. Pode colocar aí que foi o Nelson Pessoa quem disse isso”. Neco, como é conhecido o pai de Rodrigo Pessoa, faz o alerta duas semanas depois de o Brasil conseguir um expressivo quinto lugar por equipes nos saltos nos Jogos Equestres da Normandia, na França, perdendo a medalha por detalhes (0s23). O bom resultado, que era para ser uma ótima notícia, vai se tornando uma péssima.
 
Neco compartilha de uma opinião geral de que o Brasil, com Doda, Rodrigo, Marlon (cavaleiros tops), Pedro, Yuri e Bernardo (completam bem o time) tem uma das melhores equipes de todos os tempos. Mas avisa: ninguém disputa medalha olímpica sem um quinteto de animais que custe menos que 15 milhões de euros.
 
A dois anos dos Jogos do Rio, o mercado de animais vive seu ápice, com cavaleiros e empresários, principalmente árabes, buscando cavalos capazes de dar-lhes uma medalha olímpica. O bom desempenho do Brasil no Mundial fez com que as montarias utilizadas na Normandia virassem uma oferta interessa para o mercado. 
 
O primeiro cavalo perdido foi AD Clouwni – o “AD” significa que ele pertence a Álvaro Affonso de Miranda Neto, o Doda, e Athina Onassis, a bilionária grega com quem ele é casado. Até um ano atrás, o animal era só Clouwni, de propriedade da fazenda belga Carroll Farm, para a qual trabalha o maranhense Marlon Zanotelli. Os bons resultados do conjunto fizeram as primeiras ofertas chegarem aos Carroll, que vivem desse comércio e têm em Marlon um funcionário.
 
Foi aí que Doda mostrou seu altruísmo. Adquiriu inicialmente 50% de Clouwni (depois, a outra metade) e garantiu a montaria para Marlon até o Mundial. A atitude foi noticiada na imprensa especializada e elogiada em fóruns sobre a modalidade.
 
“Quando um cavalo começa a conquistar bons resultados logo aparece um comprador. O Clouwni e o Marlon têm uma boa sintonia e eu sabia que algumas pessoas já estavam de olho no animal. Para evitar a venda e dar a chance do Marlon disputar o Mundial comprei o Clouwni e deixei com ele até o Mundial”, conta Doda.
Cavaleiro brasileiro Doda durante torneio de hipismo - Getty Images - Getty Images
Cavaleiro brasileiro Doda durante torneio de hipismo
Imagem: Getty Images
 
Marlon/AD Cluwni foi o melhor conjunto brasileiro na prova por equipes do Mundial, zerando os dois percursos possíveis. Doda, montando AD Bogeno, um herdeiro de Baloubet du Rouet, literalmente caiu do cavalo na primeira pista, sendo eliminado da disputa individual. Athina, que não está entre as amazonas top, terminou na 66.ª colocação.
 
Ao UOL Esporte, Doda revelou que, agora, é Athina quem vai montar o AD Clouwi e que Marlon tem que seguir a vida. “O AD Clouwni agora fica nas cocheiras A&D e será montado pela Athina. Quanto ao Marlon, que é um excelente cavaleiro e tem suporte próprio de proprietários, segue sua vida normal.”
 
Um grande cavaleiro/amazonas e um bom animal, porém, não necessariamente formam um grande conjunto. "Tem toda uma sintonia, que é difícil", explica Neco. Além disso, os melhores cavalos do mundo já têm dono - e preço. Com menos de dois anos para a Olimpíada, será tarefa árdua preparar um animal para chegar ao nível de Clouwi. Precisa-se combinar pedigree, sucesso nos treinamentos e uma dose de sorte. Voltando à analogia com o futebol, é como perder o craque do time e contratar um destaque do interior. Pode dar certo, pode não dar. 
 
Hoje, o Brasil tem dois conjuntos prontos para 2016. Um deles é de Pedro Veniss, quarto nome do Brasil na Normandia. Ele é casado com uma espanhola de posses, sua sogra adquiriu Quabri De L’Isle e garante que o animal fica com ele até a Olimpíada. Já Doda diz não acreditar que Bogeno chegue até a Olimpíada, pela idade, mas não se preocupa: “Tenho alguns outros cavalos com os quais tenho conquistado bons resultados”.
 
Bernardo Alves, também contemplado pelo Plano Brasil Medalha, não foi ao Mundial porque não tem um cavalo de alto nível. Na semana passada, venceu um evento na Alemanha e voltou de lá a pé – Starling 7 pertencia a um empresário local e foi vendido. Reserva na Normandia, Yuri Mansur (que não é do lado famoso da família) não conseguiu recusar as propostas árabes e se desfez de First Devision depois do Mundial. É mais um a pé.
 
Nelson Pessoa avisa que não há como garantir que o mesmo caminho não tire Status da fazenda da família na Bélgica. “Hoje eu só tenho um animal, de cinco anos, que eu não vendo de jeito nenhum. Mas a gente não tem dinheiro para recusar uma proposta de três, quatro, cinco milhões (de euros)”, explica. Status, diz ele, é a única montaria de nível olímpico da família.
 
O lado do COB e do Ministério do Esporte 
 
Em março do ano passado, Ministério do Esporte, BNDES e Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) anunciaram com pompas um convênio de até R$ 2.187.643 para a equipe de saltos, beneficiando cinco cavaleiros: Doda, Marlon, Pedro Veniss, Bernardo Alves e Rodrigo Pessoa. O problema é que até agora ninguém viu um centavo deste dinheiro.
 
O convênio faz parte do Plano Brasil Medalhas, garantindo Bolsa Pódio (R$ 15 mil mensais) aos atletas. Mas as demandas do hipismo são diferentes de outras modalidades e, tão importante quanto um fisioterapeuta ou preparador físico, os conjuntos precisam de estábulo, ração e serragem. Por isso o modelo de apoio do BNDES à CBH foi um convênio, cujo dinheiro ainda não chegou.
 
Antes do Mundial, os treinos da seleção foram na fazenda de Doda, que não cobrou nada por ceder espaço, funcionários, comida, etc. Na Normandia, cada atleta teve que pagar a ração do seu animal, pelo que conta Nelson Pessoa. E por isso ele cobra uma ação do governo: “Quando um país organizador de uma Olimpíada tem realmente um interesse de ir bem e ganhar mais medalhas, ele faz os esforços. O que é para um país (Brasil) alguns milhões de euros? Para um particular é muito. Não são todos que têm a fortuna da Athina. Ela também não vai comprar cavalo para todo mundo. Compra pra ela e para o marido dela.”
 
O COB diz que não tem nada a ver com isso (“Esse processo é uma relação entre o cavaleiro e o proprietário do animal”). A CBH diz que até tentou, sem sucesso, emplacar projetos como o “aluguel” dos animais até 2016. Atualmente, afirma que o convênio vai ajudar a cobrir parte dos custos das montarias, mas que cada atleta tem que se virar para arranjar um bom cavalo para 2016.