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20/05/2007 - 19h45

Romário: um artilheiro nato da favela para o mundo

Vinícius Barreto Souto
No Rio de Janeiro
Apesar das confusões e polêmicas que criou ao longo da carreira, o atacante Romário teve uma trajetória meteórica de sucessos até chegar ao "milésimo" gol. Por sinal, sua história é muito parecida com a da maioria dos craques brasileiros.

AS ARTILHARIAS DE ROMÁRIO
1986 - Vasco - Campeonato Estadual do Rio, com 20 gols
1987 - Vasco - Campeonato Estadual do Rio, com 16 gols
1988 - Brasil - Torneio Olímpico de Futebol, com 7 gols
1989 - PSV Eindhoven - Campeonato Holandês, com 19 gols
1990 - PSV Eindhoven - Campeonato Holandês, com 23 gols
1990 - PSV Eindhoven - Liga dos Campeões da Europa, com 6 gols
1991 - PSV Eindhoven - Campeonato Holandês, com 25 gols
1993 - Barcelona - Liga dos Campeões da Europa, com 7 gols
1994 - Barcelona - Campeonato Espanhol, com 30 gols
1996 - Flamengo - Campeonato Estadual do Rio, com 26 gols
1997 - Flamengo - Campeonato Estadual do Rio, com 18 gols
1997 - Flamengo - Torneio Rio-São Paulo, com 7 gols
1997 - Brasil - Copa das Confederações, com 7 gols
1998 - Flamengo - Campeonato Estadual do Rio, com 10 gols
1998 - Flamengo - Copa do Brasil, com 7 gols
1999 - Flamengo - Campeonato Estadual do Rio, com 16 gols
1999 - Flamengo - Copa do Brasil, com 8 gols
1999 - Flamengo - Copa Mercosul, com 8 gols
2000 - Vasco - Campeonato Estadual do Rio, com 19 gols
2000 - Vasco - Copa Mercosul, com 11 gols
2000 - Vasco - Campeonato Brasileiro (Copa João Havelange), com 20 gols
2000 - Vasco - Torneio Rio-São Paulo, com 12 gols
2001 - Vasco - Campeonato Brasileiro, com 21 gols
2005 - Vasco - Campeonato Estadual do Rio, com 7 gols
2005 - Vasco - Campeonato Brasileiro, com 22 gols
2006 - Miami FC - USL Soccer, com 19 gols
CONFIRA ESPECIAL DO GOL MIL
Garoto pobre, nascido na favela do Jacarezinho, no subúrbio do Rio de Janeiro, ele ascendeu na vida por meio do futebol e se tornou um dos jogadores mais famosos e bem pagos do mundo. E desde o início da carreira, sempre mostrou que é um artilheiro nato, apesar das dificuldades.

"Nasci na favela. Todo mundo chama de comunidade, mas eu acho que favela é um nome mais bonito e mais original. Sou favelado de origem e tenho muito orgulho disso", afirmou Romário, que ainda tem parentes residentes no Jacarezinho, em entrevista à TV Globo.

"Quando ele nasceu, o pai dele montou uma rede com bambu para fazer um balanço porque ele chorava muito, a gente passava a noite acordado. Um dia, o pai dele pendurou uma bola naquele balanço e ele começou a jogar ali. Jogava os pés para cima, batia na bola e se achava importante. Ele se acostumou a brincar assim. Acho que isso ajudou um pouco", contou "dona" Lita, mãe do artilheiro.

"Ele não queria saber de outro brinquedo que não fosse bola. Nem bola de gude, nem pipa, nada. Botava a bola debaixo do braço e ia para o campo. Quando não dava, jogava na rua mesmo. Às vezes a bola caía na casa do vizinho, que achava ruim. Aí eu brigava com o vizinho, mas depois passava e eu comprava outra bola. Foi muito divertida essa época", continuou.

Com três anos de idade, Romário deixou a favela e se mudou com a família para a Vila da Penha, na zona norte do Rio. No novo bairro, com seis anos, no campo de terra batida da Praça Soldado José dos Anjos, o atacante deu seus primeiros passos no futebol no Estrelinha, time amador criado pelo seu pai, "seu" Edevair.

"Eu criei o Estrelinha para ele começar no futebol. Fiz a escolinha para os garotos bons de bola jogarem. Nunca cobrei nada para eles jogarem e ainda dava bicho. Pagava em dinheiro mesmo", recordou "seu" Edevair.

Naquela época, Romário já se destacava nas partidas do Estrelinha no campo de futebol society, mesmo entre garotos mais velhos, enquanto ajudava "dona" Lita no trabalho pesado da mãe.

"Meu pai batia laje e pintava, e a minha mãe lavava roupa. Eu e meu irmão mais novo entregávamos as roupas limpas. Minha família nunca chegou à miséria, mas era muito pobre. Sempre precisamos nos esforçar demais", contou o atacante, que ainda se emociona ao lembrar dessa época.

Barrado no Vasco por tamanho, Romário começa no Olaria
Ao perceber que seu filho levava jeito para o futebol, "seu" Edevair decidiu apostar na carreira de Romário. Como é de conhecimento geral, o atacante começou na categoria infantil do Olaria e somente seis anos depois profissionalizou-se no Vasco. No entanto, muitos não sabem que, por pouco, o clube cruzmaltino não perdeu a chance de ter o artilheiro.

"Ele já se destacava naquela época [do Estrelinha]. Por isso, levei para fazer um teste no Vasco, mas eles não aceitaram porque o achavam muito pequeno. Então, fomos para o Olaria. Só depois que ele se destacou no campeonato infantil de 1979 é que foi para o Vasco", contou "seu" Edevair.

Aprovado na "peneira" do Olaria com 13 anos, Romário começou a treinar na categoria infantil do clube junto com seu irmão um ano mais novo, Ronaldo. No entanto, muitas vezes, apenas um podia pegar o ônibus da Vila da Penha à Rua Bariri. "No dia que a gente não tinha dinheiro para mandar os dois, ia só ele [Romário] para o treino", recordou "dona" Lita.

Até certa época, Ronaldo também chegou a ir sozinho, enquanto Romário ficava em casa ajudando a mãe. "Um dia ia só eu, no outro só ele. A gente alternava. Eu era bom, mas ele gostava mais de futebol. Por isso, na maioria das vezes, ia ele", lembrou Ronaldo.

"Eu e o meu irmão íamos treinar, mas chegou um momento em que o dinheiro só dava para a condução de um. Eu segui e ele ficou", contou Romário. "Tem aquela história de 'ah, seu irmão era melhor que você'. Não é nada disso. Ele jogava bem, mas acabou por aí", brincou o artilheiro.

Chegada ao Vasco e profissionalização
Após destacar-se pelo Olaria no Campeonato Estadual Sub-13 de 1979 (que terminou em janeiro de 1980), com sete gols, Romário foi levado para São Januário. "Foi um recomeço. O Vasco abriu as portas para mim e eu vou ser eternamente grato por isso", comentou o atacante, mostrando que não guarda mágoas do clube por barrá-lo antes por causa da sua baixa estatura.

Na equipe cruzmaltina, Romário marcou 59 gols em quatro anos nas categorias de base (de 1981 a 1984). Com isso, foi convocado para a seleção brasileira de juniores que disputou o Campeonato Sul-Americano da categoria, em 1985.

"Quando ele começou a jogar nos juniores, falava para mim: mãe, se Deus quiser, um dia vou tirar vocês desse sacrifício. Eu lavava muita roupa para fora e ele chegou a ajudar a entregar as roupas passadas com o irmão", lembrou "dona" Lita.

Com cinco gols no Campeonato Sul-Americano de Juniores, que terminou no fim de janeiro, Romário foi artilheiro do Brasil no torneio. Dessa forma, ele estreou como profissional na partida Vasco x Coritiba, em fevereiro de 1985, pelo Campeonato Brasileiro, promovido pelo técnico Antônio Lopes.

"Ele era reserva do Roberto Dinamite, mas o Silvinho sofreu uma lesão. Então, resolvi colocá-lo no lugar, porque o Romário já vinha bem e se destacava. Ele foi artilheiro absoluto nos juniores e com isso o coloquei no time de cima em 1985", lembrou Antônio Lopes.

Em 18 de agosto do mesmo ano, num amistoso contra o Nova Venécia-ES (6 a 0 para o Vasco), Romário fez seu primeiro (e também o segundo) gol como profissional após voltar de outra convocação para a seleção brasileira de juniores - que havia disputado o Torneio João Havelange, no qual o atacante fez seis gols.

No segundo semestre de 1985, Romário destacou-se no Campeonato Estadual. Vice-artilheiro do torneio com apenas 19 anos e um gol a menos do que Roberto Dinamite (12), o atacante, que ainda entrava no time aos poucos, começou a chamar a atenção dos torcedores e da crítica em geral.

"Ele ganhou o posto de titular e se firmou rapidamente", recordou Antônio Lopes, que também revelou uma curiosidade. "O Silvinho usava a camisa 11. Por isso, o Romário começou a jogar com esse número, que usa até hoje", contou o treinador.

Ao longo da carreira, Romário utilizou outros números, mas não por decisão sua. "Quando eu cheguei ao PSV, pedi para jogar com a 11. Mas eu ainda não era ninguém e eles disseram que a 9 estava de bom tamanho. Depois, fui pro Barcelona e pedi a 11. Mas o [Johan] Cruyff era o treinador na época e ele disse que os melhores, no time dele, jogavam com a 10. Foi uma coisa que me deixou orgulhoso e eu só voltei a usar a 11 depois", explicou.

Em 1986, Romário virou titular e formou a dupla de ataque principal do Vasco com Roberto Dinamite. Mesmo atuando ao lado de um jogador consagrado, o atacante fez mais gols do que o companheiro e se tornou artilheiro do Estadual, com 20 gols, um a mais que Dinamite.

"Quando eu estava começando, o Roberto estava começando a parar. Eu aprendi muita coisa com ele, principalmente sobre posicionamento. Eu sempre observava demais a colocação dele na área, que era muito boa. Procurei aprender muito com o Roberto. A única coisa que eu não consegui pegar com ele foi como bater faltas", contou Romário.

Estréia pela seleção principal
No ano seguinte, o atacante novamente foi artilheiro do Campeonato Estadual, com 16 gols. Ainda em 1987, no dia 23 de maio, ele estreou pela seleção brasileira principal em um amistoso contra a Irlanda. Cinco dias depois, marcou seu primeiro gol como profissional com a "amarelinha", num amistoso contra a Finlândia, ajudando o Brasil a vencer por 3 a 2.

Em 1988, o Baixinho ficou com a vice-artilharia do Campeonato Estadual, mas foi bicampeão pelo Vasco. No mesmo ano, fez 15 gols pela seleção brasileira olímpica, sendo sete no torneio de futebol das Olimpíadas de Seul, na Coréia do Sul. Com isso, foi o artilheiro do Brasil e ajudou o time a conquistar a medalha de prata - até hoje, melhor participação do país nos Jogos Olímpicos.

Transferência para a Europa
Romário então deixou de ser promessa para virar realidade. Ainda em 1988, com 22 anos, o atacante realizou o sonho de jogar na Europa. Contratado pelo PSV Eindhoven (Holanda), não decepcionou: foi três vezes artilheiro do Campeonato Holandês, em 1989, 1990 e 1991. De quebra, também foi artilheiro da Liga dos Campeões da Europa de 1990, com seis gols.

Àquela altura, Romário já gozava de prestígio internacional. Em 1989, ajudou a seleção brasileira a conquistar a Copa América após 40 anos de jejum ao marcar o gol do título na decisão contra o Uruguai. Além disso, também ajudou o país a se classificar para a Copa do Mundo de 1990.

Na Europa, o PSV Eindhoven serviu de vitrine para a transferência de Romário para um dos gigantes do continente. Em 1993, o destino do atacante foi o Barcelona. Mais uma vez, o Baixinho justificou a fama: foi o artilheiro da Liga dos Campeões da Europa do mesmo ano, com sete gols, e do Campeonato Espanhol de 1994, com 30.

Por sinal, foi em 1994 que Romário atingiu a consagração máxima. Também foi artilheiro (com cinco gols) e peça fundamental da seleção brasileira que conquistou o tetracampeonato mundial na Copa dos Estados Unidos. No mesmo ano, ainda foi eleito pela Fifa o melhor jogador do mundo. "Aquele foi meu ano", resumiu.

Volta ao Brasil
No auge da carreira, Romário voltou ao Brasil para jogar pelo Flamengo em 1995. Com o apoio de um pool de empresas que investiram no retorno de marketing da passagem do melhor jogador do mundo pelo time de maior torcida do país, no ano do centenário do clube, os rubro-negros conseguiram viabilizar a contratação do astro por US$ 5 milhões.

Apesar da grande expectativa por títulos no ano, Romário só conquistou a Taça Guanabara pelo Flamengo em 1995. Entre 1996 (quando foi campeão estadual invicto pelo time rubro-negro) e 1998, o atacante teve duas curtas passagens pelo Valencia (Espanha), sempre voltando à equipe da Gávea, pela qual foi tetra artilheiro do Campeonato Estadual - de 1996 a 1999.

Depois de três passagens pelo maior rival do Vasco, Romário retornou ao clube cruzmaltino em 1999. Em 2000, foi penta artilheiro do Campeonato Estadual e pela primeira vez do Campeonato Brasileiro. No ano seguinte, foi goleador da Série A pela segunda vez consecutiva.

A segunda passagem de Romário pelo Vasco durou até 2002, quando o atacante acertou sua transferência para outro rival carioca: o Fluminense.

Aventuras no Qatar, EUA e Austrália
Pelo time tricolor, Romário também teve mais de uma passagem. Depois da primeira, que terminou em fevereiro de 2003, ele se aventurou no futebol do Qatar, mas não teve sucesso. Não fez nenhum gol pelo Al-Saad (único time pelo qual não marcou na carreira) e em junho voltou para o Fluminense.

Romário defendeu o clube das Laranjeiras até 2004. No ano seguinte, voltou para o Vasco, onde foi artilheiro do Campeonato Brasileiro pela terceira vez, com quase 40 anos de idade - marcou 22 gols.

Em busca do milésimo gol na carreira, o atacante deixou o Vasco em 2006 e se aventurou nos Estados Unidos, onde defendeu o Miami-FC e também foi artilheiro (da USL, com 19 gols). No mesmo ano, o atacante foi para a Austrália e atuou pelo Adelaide United, mas só fez um gol pela equipe.

"Eu pensei que ia chegar lá e fazer um caminhão de gols. Achei que ia ver um monte de canguru na minha frente e ia me aproveitar disso, mas o futebol da Austrália me surpreendeu", comentou o jogador.

"Eles são tecnicamente fracos, mas têm muita organização tática e muita força física. Além disso, o futebol deles vem da escola inglesa. Quando o time está perdendo, com 20 minutos de jogo o técnico tira o zagueiro e bota de centroavante. São muitas bolas cruzadas", contou Romário.

No início de 2007, o atacante conseguiu a liberação da Fifa para atuar pelo terceiro time no período de um ano - contrariando o regulamento da entidade - e retornou outra vez para o Vasco, clube que defende desde fevereiro.

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