! Grêmio, campeão do mundo à beira da falência - 11/07/2005 - Pelé.Net - Revista
UOL EsporteUOL Esporte
UOL BUSCA


  11/07/2005 - 12h59
Grêmio, campeão do mundo à beira da falência

Vinicius Simas, do Pelé.Net

PORTO ALEGRE - No ano em que completa 102 anos de história - foi fundado em 15 de setembro de 1903 -, o Grêmio preocupa e tira o sono de sua torcida com a hipótese de fechar as portas. A ameaça tem sua origem na crise financeira sem precedentes e está no ar desde janeiro, quando o presidente Paulo Odone, recém começando sua gestão, afirmou que se o clube não subisse da segunda para a primeira divisão do Campeonato Brasileiro, iria parar com suas atividades.

Pois neste momento, passadas 12 rodadas da primeira fase da Série B, o Grêmio ocupa uma preocupante 8ª posição, faltando apenas nove jogos para encerrar a etapa. Desses, cinco serão fora de casa, o que torna a situação ainda mais tensa. Caso não se classifique, o clube encerrará suas atividades oficiais no dia 10 de setembro, impondo de vez o caos no Estádio Olímpico. Nesse caso, Odone terá ainda maiores argumentos para cumprir a ameaça de "fechar as portas".

Com uma dívida que já passa dos R$ 100 milhões, o clube não encontra fórmulas para obter dinheiro. A campanha feita neste primeiro semestre de 2005, para arrecadar novos sócios, não alcançou, nem de perto, o sucesso esperado. Apenas cerca de seis mil torcedores aderiram, número muito abaixo dos 30 mil que a direção esperava contabilizar até o final do ano.

As dívidas de curto e médio prazo do Tricolor, aquelas que mais assustam, totalizam R$ 46 milhões. Foram elas que fizeram o vice-presidente de finanças, Túlio Macedo, declarar: "Estamos em uma situação praticamente falimentar". O dinheiro que o clube arrecada, seja de direitos televisivos ou da negociação de algum atleta, nem chega aos cofres, pois o Banco Central o retém, devido a um amontoado de dívidas trabalhistas.

Uma alternativa encontrada por Paulo Odone para ao menos amenizar a crise foi negociar o jovem e talentoso meia-atacante Anderson, de apenas 17 anos, para o futebol português. Mas o clube parece viver um inferno astral interminável e a negociação não se concretiza. O Porto, clube que contratou o jogador, teme que a FIFA não autorize sua inscrição, por ser ainda um menor de idade, e afirma que só pagará os R$ 16 milhões após estar tudo regulamentado.

O presidente do Grêmio, que afirmara ter sido a venda de Anderson a salvação da lavoura - "eu não teria como levar o clube até o final do ano" - chegou a passar uma semana em Portugal, tentando agilizar a transferência e garantir o recebimento do dinheiro sem que a justiça faça o bloqueio. Não obteve sucesso.

Como se não bastasse, a imagem do "Imortal Tricolor", como a ele se referem os torcedores, também está manchada, pois virou até caso de polícia. Ex-dirigentes estão respondendo, junto ao Ministério Público, o desaparecimento de US$ 310 mil enviados pela empresa falida e antiga parceira, ISL. O inquérito surgiu a partir de ação da 2ª delegacia policial de Porto Alegre, localizada no bairro Menino Deus, apenas algumas centenas de metros longe do Olímpico.

Mudanças na administração

No início do mês de junho, o engenheiro civil Claus Süffert, diretor do Programa Gaúcho da Qualidade e da Produtividade, foi contratado pelo clube para realizar uma reforma administrativa visando salvar as finanças do Grêmio. A redução de custos dentro do estádio Olímpico passou a ser feita com algumas atitudes indispensáveis, como a reorganização de alguns setores, e outras nada simpáticas, como a demissão de funcionários.

Um dos primeiros a sentir na pele a mudança foi o diretor de futebol Mário Sérgio, que ganhava cerca de R$ 40 mil mensais. Após conseguir a façanha de montar um elenco de jogadores para disputar o Campeonato Gaúcho em cerca de um mês - no total, trouxe para o Olímpico 40 jogadores em um semestre -, acabou sendo demitido.

Mário foi um dos garotos-propaganda da campanha para arrecadar sócios em 2005. Ele, Hugo De León - técnico da equipe demitido no final de abril - e o presidente Paulo Odone, formaram o trio escolhido pela agência de propaganda que elaborou a campanha de sócios desta temporada. Eles conclamaram os torcedores em comerciais de rádio, apareceram em outdoors, tiveram seus rostos estampados em páginas e páginas de jornais e revistas. Um investimento alto, mas que deu em nada.

Hoje, De León - que foi o grande capitão do time que conquistou o Mundial Interclubes em 1983 - e Mário Sérgio são profissionais desempregados e apenas Odone segue à postos nesta nau à deriva que se tornou o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. A torcida, por sua vez, não atendeu ao chamado e a campanha não alcançou o seu objetivo.

Preocupação com dívidas a curto prazo

A dívida de curto e médio prazo, de cerca de R$ 46 milhões, refere-se a valores devidos a jogadores e outros clubes e à dívidas de médio e curto prazo. O volante Tinga, atualmente no Inter, venceu ação na Justiça do Trabalho estadual e aguarda o recebimento de R$ 2,6 mi. Fábio Baiano e Danreli, ambos do Atlético-MG, cobram R$ 1,17 mi e R$ 1,4 mi, respectivamente. O centroavante Renato Martins luta no Tribunal Superior do Trabalho por R$ 350 mil.

O veterano Zinho precisa receber R$ 2 mi de direito de imagem. O Tricolor tem, com o lateral Roger, um acordo judicial que totaliza R$ 2,45 milhões. O também lateral Anderson Lima, atualmente no São Caetano, está na mesma situação, e ganhará 20 parcelas mensais de R$ 27 mil.

A relação com alguns clubes também não é amena. O Palmeiras cobra R$ 2,3 milhões pela venda de Paulo Nunes, feita em 2000. Para o Corinthians, o Grêmio deve R$ 2,2 mi relativos à compra do zagueiro Nenê. O empresário Eltamar Salvadori aguarda por R$ 1 milhão por percentuais de passes de atletas - entre eles Ronaldinho Gaúcho.

O Banco Central já bloqueou, mais de uma vez, contas bancárias do clube, atendendo a determinação judicial devido ao não pagamento de dívidas.

Paulo Odone também lamenta o corte de metade da receita televisiva devido o rebaixamento para a Série B. Os R$ 1,3 milhão foram reduzidos à R$ 650 mil. Assim, acredita o presidente, a forma para conseguir saldar as contas é mesmo a venda de craques. E o clube só tem - ou tinha - um: Anderson.

Complicações na venda de Anderson

Anderson Luis Abreu de Oliveira é apontado, em Porto Alegre, como a maior revelação das categorias de base do Grêmio desde Ronaldinho Gaúcho. A esperança da direção do clube era conseguir cerca de 7,5 milhões de euros por parte dos direitos federativos do jovem de 17 anos.

Depois de especulações por parte dos italianos do Palermo e da Inter de Milão, quem acabou comprando o jogador foi o grupo de empresários portugueses Gestifute, que o levaram para o Porto. O valor não foi o desejado: 5,5 milhões de Euros - equivalentes à R$ 16,5 milhões - por 70% do passe. Odone, assim que fechou o negócio, admitiu estar triste por ter de abrir mão de jogador tão talentoso, mas justificou: "O Grêmio iria parar".

Entretanto esse dinheiro, que serviria ao menos para o abatimento de parte da dívida e permitiria a contratação de reforços para o grupo que luta para voltar à elite do futebol nacional, não tem data e nem há a certeza de que chegará aos cofres do Tricolor. Para driblar o empecilho, que é a idade de Anderson, a mãe do garoto, Doralice Oliveira, foi junto com ele para Portugal - a CBF só autorizou a viagem para a Europa com a presença de um responsável -, mas além disso ela terá de arrumar emprego para poder ficar no Velho Mundo.

O Porto, que já anda preocupado com a possível não liberação por parte da FIFA, está se esforçando para conseguir o trabalho para Doralice no país lusitano, mas teme que não consiga inscrever o seu reforço a tempo, para as competições da próxima temporada européia. Nesse caso, não pagaria ao Grêmio, embora Odone, insista que "não há a possibilidade da venda ser desfeita".

Ex-presidente na mira da polícia

Paralelo ao sufoco pelo qual passa Odone para administrar um clube praticamente falido, em março de 2005 foi aberto o inquérito para investigar o sumiço dos três cheques enviados em 2000 pela multinacional ISL - na época parceira do clube -. Eles foram endossados pelo Grêmio e acabaram nas mãos de doleiros de Santa Catarina e Brasília. O valor totalizava US$ 310 mil, e serviria para o pagamento de dívidas referentes às multas rescisórias dos jogadores Amato, Astrada e Paulo Nunes.

O delegado André Mocciaro, da 2ª Delegacia da Polícia Civil de Porto Alegre, encaminhou o caso para o Ministério Público. O promotor de Justiça Ivan Melgaré indiciou onze pessoas na 1ª Vara Cível. Entre os envolvidos estão José Alberto Guerreiro, ex-presidente do Tricolor e Martinho Faria, ex-vice de finanças. Todos os nomes citados são acusados de estelionato e formação de quadrilha.

Paulo Olímpio Gomes de Souza, advogado de Guerreiro, declara que seu cliente e o clube foram usados pela empresa Bahía Internacional, que intermediava as negociações. Já Faria acredita que seu nome foi citado no caso "por retaliação de gente da ISL e do próprio Grêmio". As dívidas das multas rescisórias, na verdade, nunca existiram.

Segundo semestre preocupa

O Tricolor entra na segunda metade de 2005 em meio à essa enorme crise financeira e institucional, e com perspectivas pouco otimistas, já que a campanha para arrecadar sócios não deu certo, a venda de Anderson ainda não teve desfecho, e o time não conseguiu passar muita confiança para o torcedor dentro de campo, deixando no ar um enorme dúvida sobre a possibilidade de ir adiante na Série B.

Faltando nove rodadas para o encerramento da primeira fase da Série B, a equipe ocupa a oitava colocação, com 18 pontos, e ainda está na zona de classificação, mas perdeu em casa para o Vitória por 2x1 no último domingo (10/07) dentro do estádio Olímpico, e agora fará dois jogos consecutivos fora, contra Sport e União Barbarense.

A única vez em que o Grêmio passou por um momento tão delicado como esse, foi na década de 40, no século passado. Os títulos não eram conquistados, os cofres também estavam raspados, e o fechamento das portas do Imortal Tricolor chegou a ser sugerido por alguns conselheiros.

Na época, o maior rival do Tricolor, o Inter, contava com uma equipe que foi apelidada de Rolo Compressor, devido a sua hegemonia no Rio Grande do Sul. Um grupo de empresários e o restante do Conselho resistiu e o clube seguiu seu rumo. Mais de meio século depois, a situação parece se repetir.

Enquanto o Grêmio disputa a Segundona, sem dinheiro para reforçar seu plantel de jogadores, o Colorado sobe na tabela da Série A e já é considerado um dos candidatos à conquista do Brasileirão. Uma perspectiva nada agradável para a Nação Tricolor, que há vinte e dois anos vibrava vendo seu time conquistar a América e o Mundo. Isso mesmo... o campeão do mundo está à beira da falência.


ÚLTIMAS NOTÍCIAS
03/09/2007
Mais Notícias