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Falcão escreve carta sobre a queda de 1982: 'Ser lembrado sem ter ganhado'

05/07/2022 16h55


A convite do LANCE!, o ex-atleta e treinador Paulo Roberto Falcão revelou os seus sentimentos sobre a histórica campanha da Seleção Brasileira de 1982. O elenco de Telê Santana, que é elogiado por Pep Guardiola e serviu de inspiração para diversos apaixonados por futebol pelo mundo, foi recordado por Falcão. Este conteúdo foi publicado inicialmente em 11/04/2020.

Ídolo de Internacional e Roma lembrou a marcante derrota para a Itália, por 3 a 2, jogo que eliminou o Brasil e aquela inesquecível geração no Mundial, na Espanha, em 1982. Leia, na íntegra, as palavras do ex-camisa 15 sobre a partida histórica, o grupo e a comoção com a queda no texto exclusivo "1982: 'Não tenho como ficar triste'".

"O esporte precisa causar emoção. O torcedor tem de se sentar numa poltrona ou numa arquibancada e sentir-se tocado com o que vê em campo ou em quadra. Por isso, os times devem ter performance e jogar bem.

Muitas equipes que vencem não emocionam a torcida. Independentemente se ganha ou não, um time entra para a história quando se torna marcante. Mil novecentos e oitenta e dois é isso: uma Seleção que emocionou.

A reprise dos jogos da Copa da Espanha só está acontecendo no 'SporTV' (em 2020) por esse motivo: aquele time mexeu com as pessoas. É importante construir um time que ganhe, mas que entre para a história por ter jogado bem. Do contrário, torna-se apenas um dado estatístico.

Não me lembro de outra Seleção Brasileira que tenha perdido e ainda assim seja tão reverenciada como a de 1982. Penso que foi o destino. Entramos classificados contra a Itália. Eles fizeram um gol no início do jogo e nós empatamos em seguida.

Ninguém errava naquele time; valorizávamos o coletivo. Quando Cerezo recebeu do Waldir Peres, a bola passou rápida por mim e acabou mais próxima do Júnior e do Rossi. Era o 2 a 1 da Itália. Não falamos nada; não vimos erro do Cerezo. Aquilo foi uma dividida, e Paolo Rossi teve mais sorte.


Com três gols de Paolo Rossi, Itália elimina o Brasil na Copa do Mundo, em 1982 (Foto: Reprodução)

Quando empatei, já no segundo tempo, foi uma emoção indescritível. Na pior das hipóteses, o jogo terminaria 2 a 2 e nós estaríamos na semifinal. Meu gol era o da classificação. Tão marcante quanto aquele gol foi nossa vibração.

Quando o Júnior me deu a bola, dominei e pensei em tocar para o Cerezo, que passava. Três jogadores da Itália foram atrás dele. A jogada se transformou num drible e eu chutei. Nunca tive aquela força com a canhota. Brinco dizendo que o Brasil chutou comigo aquela bola.

Ao contrário do que muita gente ainda pensa, tínhamos, sim, poder de marcação. Em cinco jogos, marcamos 15 gols e levamos cinco. Estávamos sempre próximos um do outro; o time era compacto.

Nas laterais, contávamos com dois craques que poderiam jogar no meio-campo, tamanha a técnica que possuíam. Quando o time atacava, Oscar e Luizinho ficavam. Se eu, Zico e Sócrates estivéssemos marcados, Júnior e Leandro avançavam, com muita qualidade. Todos jogavam, tocavam de primeira e apertavam.

O ambiente também era ótimo, de muita responsabilidade. O time treinava demais. O som do vestiário era a música do Júnior, o 'Voa, Canarinho, voa', que virou sucesso e se transformou no nosso hino.

Das sete partidas daquela Copa, disputamos cinco; paramos na semi. Ainda assim, elegeram-me o segundo melhor jogador da competição; ganhei a Bola de Prata. Penso que o justo, mesmo, era a Seleção Brasileira ter ganho a Bola de Ouro. Afinal, há times que marcam mais pelo que fazem do que pelo que conquistam. Assim foi conosco.

Evidentemente, a derrota foi pesada. A entrevista do dia seguinte foi difícil. Tínhamos uma ótima relação com a imprensa. Lembro que alguns jornalistas choravam.

Para mim, todo esse reconhecimento mundial, até hoje, é uma grande vitória. Não tenho outra explicação para isso que não seja a emoção que causamos. Se vale mais que um título não sei, mas é gratificante sermos lembrados com tanto carinho e respeito mesmo sem termos sido campeões.

Ser lembrado sem ter ganhado. É como ter dirigido um filme há 50 anos e esse mesmo filme ainda hoje comover as pessoas. O diretor deve se sentir feliz com isso.

A Seleção Brasileira de 1982 levou alegria ao mundo e emoção à torcida. Por isso, apesar da derrota, não tenho como ficar triste. Fomos campeões. Campeões do encantamento".