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Silvio Luiz critica excesso de gritos de narradores e relembra 'viagem perdida' em 66

"Até em cobrança de lateral eles gritam, pô!", disse o narrador - UOL
"Até em cobrança de lateral eles gritam, pô!", disse o narrador Imagem: UOL

18/09/2020 07h50

As transformações na maneira como a televisão brasileira retrata o esporte continuam a ser acompanhadas de perto por Silvio Luiz. Autoproclamado "legendador de imagens", o narrador de 86 anos tem sua trajetória marcada por coberturas memoráveis, bordões que seguem no inconsciente coletivo de várias gerações e, "pelo amor dos meus filhinhos", muita história para contar.

"A gente fazia jogo no início com duas câmeras, agora cada partida tem 24. É outra história, bem mais fácil, pô!, diz o narrador, que está afastado das transmissões da Rede TV! e confinado em sua casa desde março, quando aconteceu a escalada da pandemia do novo coronavírus no Brasil.

Olho no LANCE!, pois nesta sexta-feira, dia no qual a televisão brasileira completa 70 anos, é a vez de que Silvio Luiz dizer "confira comigo no replay" ao detalhar as suas lembranças e "mandar o sapato" sobre o que acha dos novos rumos da transmissão esportiva.

LANCE!: Sua relação com a televisão brasileira não começou no esporte. Você chegou a trabalhar como ator na Record. Como foi seu caminho nos primórdios da TV?

Silvio Luiz: Sempre fui muito curioso. Como era um veículo novo, queria saber como funcionavam as coisas lá na televisão, aprendi de tudo ali. Atualmente, tem o videoteipe, que permite que a pessoa corrigir se errou. Lá não, era tudo ao vivo. Tínhamos de ensaiar, decorar e pronto. Minha primeira novela foi a "Éramos Seis" (na qual interpretou Julinho, filho mais novo da protagonista dona Lola) e depois fiz uma outra (chamada "Cela da Morte") . Isso me ajudou muito a conhecer como funcionavam os bastidores da TV, porque a gente fazia tudo.

L!: Sua primeira incursão no esporte aconteceu como repórter...

Foi, na TV Paulista, a convite do Moacyr Pacheco Torres (narrador) e do Leônidas da Silva, que era comentarista. Lembro que fizeram um microfone especial para que eu ficasse no campo. Mas era uma loucura! Porque eu falava na beira do campo e não sabia se era ouvido. O som alternava entre a cabine e eu.

L!: Como você encarou a transição da reportagem para a narração?

Na verdade, aconteceu quando eu estava na Record, onde eu cheguei a ser repórter de campo por um tempo. Depois, o Paulo Machado de Carvalho pediu para o Hélio (Ansaldo, jornalista e apresentador) e eu revezarmos. Em um jogo ele narrava e eu comentava, no outro era eu quem fazia narração para ele ficar como comentarista. Aí um dia o Hélio disse pro Paulo: "Paulinho, o Silvio leva muito jeito para a narração. Vamos fazer uma coisa? Deixa só ele narrando e eu fico nos comentários". Aí, não parei mais... Teve uma época na Record que, além de narrar, ainda fui coordenador de esportes.

L!: E a partir daí passou pelas muitas transformações na rotina de narrador...

Pô... Jogo só com duas câmeras, jogo sem videoteipe, problema de transmissão direto. Teve uma vez que faltou a pessoa que ia fazer a edição das câmeras da partida enquanto eu narrasse. Aí não quis nem saber. Fui para o switcher e enquanto eu narrava, ficava operando as câmeras ao mesmo tempo. Por mais que não fosse um expert, o fato de eu acompanhar os bastidores me ajudou. É o que o Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, ex-executivo da Rede Globo) falou em uma entrevista no "Roda Viva" (programa de entrevistas da TV Cultura): se você sabe das ferramentas, não tem segredo nenhum. Agora as transmissões têm 24 câmeras, por exemplo.

L!: Anteriormente, havia as dificuldades para transmitir jogos de fora do país...

Lembro que compraram passagens para a gente cobrir a Copa de 1966 pela Record, para registrar alguma coisa de lá. Só que quando o navio chegou em Londres, o Brasil já tinha sido eliminado (risos). Restou à gente ficar lá na porta do estádio e tentar se desfazer dos ingressos... Aí o pessoal passava e eu ficava: "Tickets, tickets"! Depois veio pelo período que a emissora embicava uns torneios aqui e ali na América do Sul, que o sinal tinha de chegar via Embratel. Testava com um dia de antecedência, era um sufoco...

L!: Você foi árbitro de futebol em um período da sua vida, trabalhou em jogos de várzea e também de competições profissionais. Isto ajudou você a saber como é desafiadora a missão de um árbitro?

Exatamente. Aliás, todo jornalista esportivo devia fazer um cursinho de arbitragem e também curso de treinador para falar com mais conhecimento sobre estas duas áreas.

L!: Sua forma de narrar se tornou muito peculiar. Você, inclusive, se define como um "legendador de imagens". Quando optou pelo caminho de não gritar "gol", por exemplo?

Olha, se na imagem já está aparecendo um gol, por que eu vou ficar me esgoelando gritando "gol"? O espectador não é burro! Sou o cara que tenho que acompanhar a imagem. Não é como no rádio. Aí uso o tempo da TV e vou informando qual time marcou, quem fez o gol, o número da camisa do cara e quanto tempo tem de jogo. E claro, procuro passar a emoção para o torcedor.

L!: Você ajudou a popularizar a narração também graças à série de bordões que criou. Como abriu espaço para eles?

Na verdade, foram surgindo aos poucos. Eu lançava um, via se era bom. Dependendo, se não funcionava, eu tirava... Aí, quando vi, fui acertando e deram mais de 30, se não me engano. Mas é claro que vou adaptando com o tempo (sua lista inclui as expressões "acerte o seu aí, que eu arredondo o meu aqui", "vai botar lá no pagode", "que é que eu vou dizer lá em casa?", "balançou o capim no fundo do gol", "queimou o filme", entre tantos outros).

L!: Você em alguns momentos recorre à irreverência para tornar um jogo mais atrativo. Isto também chama muita atenção...

Acho que é um bom caminho. Quando o jogo está chato, você lê uma receita de bolo, espera que a transmissão dê um close em alguma figura no estádio para fazer uma brincadeira... Aproveitar que a câmera mostrou um torcedor que está com cara de mau humor. Não vou dizer que o jogo está ruim. Vou encontrar a forma para tornar o jogo atrativo para o cara não mudar de canal.

L!: Este tom mais popular ganhou espaço ainda maior nas suas narrações na Bandeirantes. Como foi o período na emissora, no qual inclusive você estreitou a amizade com o (narrador) Luciano do Valle?

Enquanto estive na Band e o Luciano tinha força, fui muito bem tratado lá. Lembro que transmiti de tudo, inclusive Olimpíada e, se eu não tinha tanto conhecimento de algum esporte, dava a palavra para o comentarista explicar ao máximo. Agora, no finzinho da minha passagem, quando eu já estava na Band Sports, foi uma frustração só. Não só por causa da história da foto (Silvio Luiz publicou no seu perfil no Twitter uma foto na qual mostrava uma cadeira quebrada no estúdio da emissora) que me tirou da cobertura da Copa (de 2010, em situação que culminou no seu pedido de demissão). O negócio é que o pessoal que está agora lá não respeita ninguém.

L!: Você também tem passagem pelo SBT. Como foi a experiência lá?

Tive uma para a Copa de 1986, naquele "pool" da Record com o SBT, que era chamado de "Unidos Venceremos". Tinha também o Juca Kfouri, Jorge Kajuru, Osmar de Oliveira, Flávio Prado... Foi uma ideia das duas diretorias. Depois voltei para o SBT nos fim dos anos 1990 na equipe que tinha o China (o comentarista Juarez Soares) e o Luiz Ceará. A gente cobriu competições nacionais. O Silvio (Santos) chegou a ficar perto de conseguir os direitos de transmissão do Brasileirão (em 1997). Aí o Eurico (Miranda, então dirigente do Vasco) foi, estragou tudo e a transmissão ficou na Globo. Mas pude transmitir muitas coisas. Copa do Brasil, Rio-São Paulo e fomos também para a Copa do Mundo (de 1998). Lá na França foi bom, mas era bem puxado. A Globo tinha um monte de gente na cobertura e o SBT bem menos, né?!

L!: Mesmo assim, na final da Copa de 1998 você conseguiu dar uma notícia em primeira mão...

Foi, eu recebi a pré-lista da Seleção Brasileira e virei para o Juarez Soarez: "China, o Ronaldo não está no jogo!". O Téo (José) estava transmitindo uma competição de automobilismo e interrompi a programação dizendo: "Ronaldo está fora do jogo! Ele não vai enfrentar a França!". Só vi depois o Ricardo Teixeira (então presidente da CBF) correndo de um lado para o outro (posteriormente, surgiu uma nova escalação, na qual Ronaldo foi lançado como titular ao lado de Bebeto).

L!: Como tem sido o desafio de transmitir os jogos da Rede TV!?

É bem interessante. Campeonato Turco, Mexicano... A gente acaba vendo outros estilos de jogar, adapta a nossa forma de narrar. Tem muito desafio.

L!: E como é transmitir jogos pelo tubo (jargão jornalístico que significa fazer a narração assistindo à transmissão da televisão, sem estar ao vivo)?

Ah, está longe de ser a mesma coisa. Não tem o mesmo clima... Só que a gente tem de lidar com isso, né?!

L!: O que tem achado dos narradores atuais?

Bom, hoje tem aquele negócio de cada clube ter o seu canal de YouTube. Não gosto disso, alguns narram e nem falam o nome dos jogadores do time adversário. Agora, eu não estou aguentando tanto grito desses narradores novos que estão aparecendo na TV. É um tom muito acima do necessário. Não precisa disso. Até em cobrança de lateral eles gritam, pô! Aumenta a voz só em lance de perigo, gente... Dos que estão na ativa, gosto de poucos, como o Galvão (Bueno) e o Cléber Machado.

L!: Com tantos anos de estrada, ainda sente que falta algum esporte para você narrar?

Eu nunca narrei judô. É uma competição que eu gostaria muito.

L!: Nestes 70 anos de transmissões, no que a televisão tem a contribuir para quem gosta de esportes?

Na modernidade, na velocidade. Lá atrás eu nunca ia imaginar as 24 câmeras no futebol. Só mesmo o VAR que tem sido um desastre, mas pela maneira como é conduzido. A transmissão de vôlei também ganhou na parte técnica.