Israelense que teve pernas partidas por trem faz história na Paralimpíada
Quem conversa com Pascale Bercovitch vai da agonia de imaginar o capítulo mais dramático de sua vida às gargalhadas. No Rio de Janeiro para a disputa dos Jogos Paralímpicos na canoagem velocidade, a atleta de 49 anos tem os dons de motivar e fazer história.
As duas pernas da israelense, nascida em Angers (FRA), se foram na manhã de 13 de dezembro de 1984, na comuna francesa de Chambly. Quando embarcava no trem que a levaria à escola, por volta das 6h, Pascale, então aos 17, escorregou no gelo que cobria o piso da estação, e caiu no vão entre o vagão e a plataforma. As rodas passaram por suas coxas. Mas não tiraram suas forças.
A mulher que se orgulha de ser a primeira pessoa a disputar três edições dos Jogos em três esportes diferentes não dá margem a qualquer sentimento de pena. Antes com 1,67m de altura, Bercovitch passou a medir exatamente 1m.
Em Londres (ING), em 2012, ela se aventurou nas pistas de ciclismo, com dois sextos lugares e um sétimo. Em Pequim (CHN), em 2008, já havia competido no remo, quando terminou em oitavo. A mesma marca foi obtida na última quinta-feira, na Lagoa Rodrigo de Freitas, na categoria KL2, voltada a atletas que só usam tronco e braços na remada.
- Todos aqui podem ter um membro faltando, mas se sentem completos. Nossos corpos são uma bênção. Se você tem um braço, nade com um. Se não tem nenhum, nade sem. Se me perguntassem se eu gostaria de ter um terceiro braço, diria que ele seria muito mais útil do que duas pernas - declarou Bercovitch, que vive em Tel-Aviv, é casada e tem duas filhas.
Os treinos e competições são apenas uma parte do dia a dia de Pascale, que também faz palestras motivacionais. Formada em jornalismo, dirigiu filmes e o documentário "Três centésimos de segundos" (veja aqui o trailer em inglês), sobre a participação de Israel nos Jogos Paralímpicos de Sydney (AUS), em que sua história e as de outros esportistas do país são contadas. Ela calcula já ter praticado 30 esportes.
As mudanças deveram-se a diversos fatores. O acidente interrompeu uma carreira de ginasta. A natação deu lugar a novos desafios. Quando tentou ser remadora, esbarrou na falta de estrutura e de um treinador.
No ciclismo, não teve recursos para comprar uma nova bicicleta. Nada foi problema. Hoje, não deseja abandonar o caiaque.
- É claro que quero ir para Tóquio! Minhas chances de medalha aqui eram minúsculas, mas preciso buscá-la. Tenho condições para isto - diz a atleta, cheia de empolgação.
Israelense é fã de Zeca Baleiro e se comove com rival brasileira
Como toda boa jornalista, Bercovitch se interessa pelas histórias e pela cultura de cada lugar do mundo que visita. No Rio de Janeiro, não foi diferente. Antes das provas, ela aproveitou para conversar com Debora Benevides, sua rival na KL2, e ficou surpresa ao constatar que a atleta da casa, de apenas 20 anos, não conhecia referências da Música Popular Brasileira.
- Eu a achei muito fofa. Mas não acreditei que nunca ouviu Zeca Baleiro, Lenine e Daniela Mercury! A música brasileira é ótima - disse Pascale, com seu bom humor habitual.
Ao ser informada por um grupo de jornalistas sobre a história de Debora, conhecida como "Indiazinha" pelos colegas, a atleta ficou comovida. A brazuca nasceu com artrogripose, uma doença congênita rara que compromete os movimentos do joelho para baixo e dos pés. Sua mãe, Maria, temeu que a menina fosse sacrificada, já que este é um costume em sua tribo.
- Depois de saber disto, eu queria dar um abraço nela - afirmou Bercovitch, que era só elogios ao Rio:
- Vocês estão realizando uma competição maravilhosa. Mais do que isso, é realmente uma aventura. Em três participações em Jogos Paralímpicos, eu nunca havia sentido uma receptividade como aqui. Estive em Londres e Pequim, mas o Rio está no coração - disse.
BATE-BOLA
Pascale Bercovitch - Atleta da canoagem velocidade
'Sou idealista. Sempre quis morar em um lugar onde todos são livres'
LANCE!: Você nasceu na França, mas mudou-se para Israel após o acidente. O que motivou a decisão?
Pascale: Meu pai é judeu e minha mãe, cristã. Quando eu era criança, sempre queria conhecer Israel. É um país pequeno e muito interessante. Um lugar novo, onde tudo é próximo. Não é como o Brasil. É um país de 8 milhões de pessoas. Só o Rio deve ter isso (risos). Sempre gostei da ideia de viver em um lugar onde as pessoas possam ser livres, iguais. Sou idealista. Estou muito feliz de viver lá e defender a nação.
L!: Por que optou pelo jornalismo? Ainda trabalha na área?
P: Amo me deslocar o tempo todo, conhecer pessoas, conhecer lugares e as situações nas quais elas vivem. Sou uma pessoa muito curiosa. Sobre o mundo, sobre as pessoas, suas dificuldades e suas qualidades. Tudo para mim é interessante. Mas eu parei porque não pude combinar o jornalismo e com meus treinamentos.
L!: Pensa em escrever um livro?
P: Meu próximo projeto é exatamente este! Meu técnico me disse que terei até um mês e meio de descanso do caiaque. Conseguirei um tempo de organizar minha ideias para meu livro.
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