Há 30 anos, Internacional de Limeira era o Leicester brasileiro
O ônibus com os jogadores da Internacional de Limeira parou em um posto no meio da estrada, na madrugada de 4 de setembro de 1986.
- Caramba, sou campeão e estou comendo coxinha! - espantou-se o centroavante Kita.
O primeiro título paulista de um time do interior foi tão inesperado que a diretoria do clube não se preparou para isso. Mesmo quando chegou à final contra o Palmeiras, a cartolagem se recusou a acreditar.
- Não havia nada programado. Arrumaram um sítio às pressas para ter uma festa. Para todo mundo, chegar à final estava bom demais - afirma o ex-meia Gilberto Costa.
Para levantar a taça, a Inter teve a melhor campanha. Derrotou o Santos duas vezes nas semifinais. Na decisão, passou pelo Palmeiras, que vivia jejum de dez anos sem ser campeão de nada. Na vitória final por 2 a 1, o Morumbi recebeu 68.564 pessoas. Apenas 400 torciam pela equipe de Limeira.
- A cidade toda se envolveu. Nós estávamos preparados para derrotar o Palmeiras. Poucos acreditavam. Mas estávamos prontos - resume o ex-zagueiro Bolívar.
A descrença estava presente desde o início e rondava a cadeira da Presidência. Victório Marchesini disse a Pepe, escolhido para comandar o elenco, que temia a queda para a Segunda Divisão.
- Ele falou a mesma coisa para mim. Estava com medo de cair - concorda Gilberto Costa.
Por um dos caprichos do futebol, 1986 não era para ser o ano da Internacional. Este deveria ter sido 1985. Com apoio da Prefeitura e de citricultores locais, o clube investiu em reforços. Chegou a contratar Éder Aleixo, titular da Seleção Brasileira na Copa de 1982. Deu errado e o dinheiro acabou.
Precisando fazer caixa, a pré-temporada antes do Paulista de 86 foi feita com amistosos na África. Para chamar a atenção, a delegação contou com a presença de Jairzinho, o Furacão da Copa de 70.
O desânimo foi às alturas quando, dias antes da estreia, o zagueiro Figueroa sofreu ataque cardíaco durante o treino e morreu. O carro com a família do defensor capotou no caminho para o velório, matando todos os passageiros.
- Entre eles, morreu a mulher do Figueroa. Acho que os jogadores se uniram após isso. Quiseram jogar pelo Figueroa - analisa o jornalista de Limeira, Edmar Costa, autor de livro sobre a conquista. Ele é filho de Edmundo Silva, narrador de rádio que foi a voz do título da Inter.
A estreia foi com derrota. Ironicamente, contra o Palmeiras. Aos poucos, o time se acertou. Teve o artilheiro do Estadual (Kita, 24 gols) e a melhor defesa (33 sofridos).
- Quando começou o segundo turno, era possível notar que havia algo diferente. Lógico que ninguém falava em título. Mas tinha algo especial ali - afirma Pepe, que assumiu uma base montada pelo treinador anterior, José Carlos Fescina.
Se a campanha do Leicester na Inglaterra hoje desenterra a lembrança de 1986, na época a comparação era outra. A Inter era a "Dinamarca caipira", referência à seleção que brilhou no Mundial do México.
Por causa da renda, a Federação Paulista marcou os dois jogos da final para o Morumbi. A festa estava montada para o Palmeiras ser campeão pela primeira vez desde 1976.
O primeiro jogo terminou em 0 a 0. Preso no trânsito, o ônibus da equipe chegou ao estádio 20 minutos antes do apito inicial.
A delegação estava em um hotel no Morumbi. Na manhã da segunda final, o prefeito de Limeira à época, Jurandir da Paixão de Campos Freire, disse a vários jogadores que chegar a final "já estava bom demais".
Não estava, não.
- Tinha gente que não acreditava muito. Mas a gente, sim. Era o bastante - conclui Gilberto Costa.
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O PÓS-TÍTULO
?Após o título, parte do time campeão debandou. Quem mais tirou proveito foi justamente o Palmeiras derrotado na final. O atacante Tato (autor do segundo gol na final), o zagueiro Juarez e o lateral João Luís (este se transferiu em 1992) passaram pelo Palestra Itália.
A queda era inevitável. A Inter jogou na Primeira Divisão do Brasileiro, mas foi vítima dos mesmos problemas de outros clubes do interior. Padeceu com a dificuldade para manter jovens promessas e a proliferação dos empresários de futebol. Em 2016, disputou a Série A3 do Paulista. Escapou do rebaixamento para a 4 Divisão nas últimas rodadas.
O título de 1986 é uma lembrança que pode ser vista apenas em quadros e pinturas no Estádio Major José Levy Sobrinho.
- Como treinador, foi meu momento mais especial. Ser campeão pelo Santos, pelo São Paulo, é uma coisa. Ser campeão pela Internacional de Limeira é algo completamente diferente. São aqueles momentos em que você faz história. Tenho carinho por Limeira - conclui Pepe, que seria também campeão brasileiro de 1986 pelo São Paulo.
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