Padre, ele é árbitro oficial de futebol e celebra missas: 'Rotina insana'

O padre Gabriel Balan Leme, 31, de Ribeirão Preto (SP), personifica uma inusitada intersecção entre a fé e o esporte mais popular do Brasil. Ordenado sacerdote em 2018 e árbitro em 2024, ele concilia a batina e o apito como integrante do quadro de árbitros da Federação Paulista de Futebol (FPF), atuando em jogos oficiais das categorias de base.

Sacerdócio veio primeiro

Se o torcedor mais exaltado se pergunta qual das duas vocações surgiu primeiro na vida do padre Gabriel, a resposta é categórica: a Igreja.

"Do ponto de vista vocacional, eu sempre, desde muito jovem, tive a minha associação à Igreja. Fui para o seminário. Então a ordem é essa: primeiro a Igreja, primeiro o sacerdócio", afirma o padre.

A arbitragem, por sua vez, nasceu de forma inesperada, já após a ordenação, a partir de uma necessidade prática. Durante as "peladas" entre amigos, onde as brigas e discussões eram constantes, ele decidiu intervir. "Foi dali que nasceu, então, a vocação, podemos dizer, também para a arbitragem, porque toda profissão que é bem feita e bem executada também é uma vocação."

Ele enxerga na arbitragem uma forma de conectar valores:

Eu consegui fazer uma relação. Pensei: 'Como é que eu posso talvez levar os valores do Evangelho -- o respeito, a justiça, a caridade -- para dentro de um lugar que move a cultura brasileira de maneira muito especial e que, muitas vezes, é também um espaço de hostilidade, de conflito, de rivalidade?
Padre Gabriel Balan Leme

Rotina "insana" e o apoio da Igreja

Conciliar as duas atividades exige disciplina rigorosa. Além de padre e árbitro, Gabriel Balan também leciona filosofia e sociologia no ensino médio, que ele descreve como uma "rotina insana".

Tento tirar uma parte do meu dia para me dedicar aos treinos, por causa dos testes e das avaliações físicas. E, claro, cuido da alma: é preciso preparar bem as coisas da paróquia, da administração, da parte pastoral.

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A chave, segundo ele, é a organização: "Os dias de jogos são definidos com antecedência, então a gente consegue organizar bem para que uma coisa não prejudique a outra."

Padre Gabriel sonha em apitar grandes jogos
Padre Gabriel sonha em apitar grandes jogos Imagem: Arquivo Pessoal/ Gabriel Balan Leme

Em relação à postura da Igreja, padre Gabriel conta que recebeu apoio da Cúria. Ele destaca a visão moderna da instituição: "Todo o meu processo de formação como árbitro sempre teve a autorização do bispo; ele nunca se colocou contra."

Sua única preocupação, segundo ele, é pessoal: "Não deixar que o futebol atrapalhe demasiadamente a minha rotina na paróquia. O meu termômetro para equilibrar uma coisa e outra é esse."

Do altar ao apito: humor e respeito em campo

A dupla identidade do padre Gabriel Balan frequentemente gera surpresa, curiosidade e, inevitavelmente, provocações em campo.

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Ele confirma que o impacto é grande quando as pessoas descobrem sua identidade religiosa. "O primeiro momento é de curiosidade, de certo estranhamento. Ficam bem surpresos."

Apesar do respeito que diz receber de jogadores e comissões técnicas em competições oficiais, o padre já ouviu frases irônicas das arquibancadas. Mas conta que procura se blindar:

"Eu tento trabalhar com muita indiferença essa questão da provocação. Ela fica com a torcida, e eu tento permitir ao máximo me blindar disso, para que esse aspecto externo não atrapalhe o meu rendimento.

Questionado sobre a expectativa de "infalibilidade" por ser um sacerdote, ele faz um contraponto ao estigma da arbitragem no Brasil:

Essa ideia da infalibilidade (qualidade de não errar) é um pouco utópica. Pelo contrário, a gente é ser humano como qualquer outro, estamos passíveis de equívocos. Ninguém vai pra lá comprado, vendido, mal-intencionado. São discursos populares, principalmente de quem às vezes perde uma partida.

Para ele, a missão é única: a maior relação entre a Igreja e o campo é a prática da justiça. "Procurar estar apto o suficiente para que o jogo aconteça e nós, como árbitros, possamos apenas fazer o que é a nossa função: validar aquilo que os jogadores desempenharam na partida de maneira justa e honesta."

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Olhando para o futuro, padre Gabriel sonha em apitar grandes jogos e decisões, sempre mantendo o foco no discernimento pessoal.
"Enquanto puder conciliar as duas coisas, fazer jogos profissionais e não permitir que o futebol atrapalhe a Igreja, assim eu espero."

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