Era 13 de fevereiro de 2025, e o Santos ainda vivia os primeiros efeitos de uma manobra bombástica que repatriou Neymar, maior nome do clube após Pelé.
O craque havia feito na noite anterior seu primeiro clássico, contra o Corinthians. Mas, dentre os torcedores, no perfil "Santos da Opressão" no X, era o pai quem ganhava os holofotes:
"Ele aceitou o pedido do filho de vir para o Santos. Conseguiu sozinho convencer os árabes a rescindir o contrato do Ney. Vai reformar a Vila. Vai reformar o CT. Talvez trazer a SAF árabe para o Santos. The GOAT [sigla em inglês para 'o maior de todos os tempos']: NEYMAR PAI".
Exageros de torcedor à parte, não foram poucos os feitos de Neymar da Silva Santos, o pai, para chegar até ali.
Figura quase tão controversa e midiática quanto o filho, Neymar pai encerrou uma carreira inexpressiva como jogador em 1997.
Mas, uma década depois, construiu fortuna bilionária explorando o talento, os dribles e principalmente a imagem de Juninho —apelido de Neymar na família.
Essa transformação é contada pela primeira vez em "Neymar", novo podcast original UOL Prime, que estreia nesta terça-feira no UOL e nas plataformas de podcast.
Com acesso a cinco mil páginas de documentos e 15 horas de entrevistas inéditas, os jornalistas Juca Kfouri e Pedro Lopes narram como Neymar pai fechou contratos, negociou transferências e transformou um menino da Baixada Santista em ídolo mundial do futebol.
Em paralelo, relembram também como Neymar Jr. emocionou torcidas, colecionou títulos e transformou um ex-mecânico em um empresário implacável.
"[Neymar pai] Devia ter um Nobel, porque em tudo o que ele fez, ele ganhou muito dinheiro. Ele fez tudo com o nome do filho. Multiplicou", diz Wagner Ribeiro, primeiro empresário de Neymar e amigo da família.
"Vi logo que era uma pessoa muito astuta e com uma visão empresarial muito potente. Sabia que tinha no seu filho um diamante, e que, em termos de negócios, podia aproveitar muito", endossa Jordi Mestre, vice-presidente do Barcelona entre 2015 e 2019, em depoimento exclusivo ao podcast.
Com Neymar Jr. de volta a um Santos egresso da Série B, com problemas financeiros e de infraestrutura, diretores, torcedores e mercado enxergam na capacidade de fazer negócios de Neymar pai uma esperança de renascimento.
Para a família Neymar, a aposta é outra: Juninho precisa recuperar seu futebol para ir à Copa do Mundo, enquanto o pai tenta ampliar o faturamento.
Parece uma aposta de alto risco, mas foi nesses termos que a família fechou o seu primeiro negócio milionário.

Arriscando contra a banca
Desde jovem Neymar pai viu no futebol um meio para mudar de vida. Em 1985, foi aprovado na Portuguesa Santista. Passou pelo Jabaquara, também de Santos, e chegou ao União Mogi, de Mogi das Cruzes.
O futuro parecia promissor, mas um acidente de carro em 1992 o afastou dos campos por um ano. Ele nunca se recuperou 100%. Neymar Jr., com quatro meses, estava no carro e sofreu um corte pequeno na testa.
O declínio físico havia chegado, mas a cabeça de Neymar pai dava sinais do que faria pela carreira do filho - ele aconselhava os companheiros, que elogiavam seu profissionalismo.
Neymar pai encerrou a carreira ajudando o Operário a conquistar o Campeonato Mato-Grossense, em 1997.
Trabalhou em oficina mecânica e na Companhia de Engenharia de Tráfego de SP (a CET), mas pensou que talvez o esporte desse a Juninho o que não havia dado a ele. O filho, então com cinco anos, vivia com a bola desde os três.
Em menos de 10 anos, Neymar Jr. já era uma promessa mundial. A carreira era conduzida por Wagner Ribeiro, mesmo empresário de Robinho, que levou pai e filho para um período de testes no Real Madrid.
O que nunca foi dito é que o Real tinha planos também para Neymar pai, e eles passavam longe de transformá-lo em empresário e gestor de imagem do filho.
"(O Real Madrid) arranjaria um emprego pro pai dele na Audi. O pai dele trabalhava,com carro, entendia de carro. A mãe dele e a irmã dele também teriam uma escola. O clube ia arranjar um apartamento pra eles", conta Wagner.
Neymar Jr. foi aprovado em todos os testes, mas deu sinais de que não se adaptaria à Espanha tão cedo e quis voltar ao Brasil. Neymar pai atendeu, mas o retorno ao Santos teve um preço.
"Eu falei 'Marcelo (Teixeira, então presidente do Santos), eu tenho proposta de um milhão de euros'. Eram 2 milhões e meio de reais. Ele falou 'eu pago'. Falei 'o salário aqui é 10 mil euros', ele falou pra mim 'eu pago, 25 mil reais por mês'. O Santos pagou tudo", conta Wagner.
Foi o primeiro contato de Neymar pai com cifras desse patamar.
A grande aposta, entretanto, veio em 2009. Ribeiro apresentou a Neymar pai o empresário Delcir Sonda, chefe da DIS, braço do grupo Sonda Supermercados que investia em futebol.
Neymar pai decidiu vender ao grupo 40% dos direitos econômicos do filho —a DIS receberia parcela equivalente da então provável venda de Neymar Jr. à Europa.
Em troca, Neymar pai recebeu R$ 5 milhões. Se o filho não vingasse, ele teria que devolver o valor corrigido. Se houvesse uma transferência sem autorização da DIS, o grupo teria que ser indenizado em R$ 10 milhões.
Mesmo assim, Neymar pai bancou a aposta. A essa altura, ele tinha certeza de que o talento do filho era o futuro da família.
Com o dinheiro, saiu da CET e passou a cuidar exclusivamente da carreira de Juninho.

O Projeto Neymar
Em 2010, a aposta se mostrava acertada —Neymar Jr. era o craque do Santos, e o Chelsea, da Inglaterra, queria pagar a multa rescisória de 35 milhões de euros para contratá-lo.
Neymar pai acionou o Santos e fez exigências para o filho ficar no clube.
"Um diretor ligou pra mim e falou 'preciso que você entenda melhor essa história com o pai do Neymar, sobre o que a gente pode fazer", conta Eduardo Musa ao podcast do UOL.
Musa era do departamento de marketing santista em 2010. Depois, virou braço direito de Neymar pai na gestão da carreira do atacante.
Foi quando o Santos apresentou o Projeto Neymar. Com detalhes revelados pela primeira vez no podcast, a proposta consistia no clube remunerar o jogador com salário europeu a partir de receitas de publicidade, além de transferir a Neymar pai o controle dessas receitas.
O projeto foi desenhado pelo executivo Armênio Neto e previa a criação de uma equipe focada na captação de parceiros para Neymar —Musa era um dos integrantes.
A divisão desses contratos ficou assim: 30% seria do Santos e 70% da NR Sports, empresa de Neymar pai.
O sucesso foi imediato. Esse caminho se consolidou em 2011, quando o Santos ganhou a Libertadores e renovou o contrato de Neymar com alguns ajustes nos termos.
Havia uma nova divisão de receitas no Projeto Neymar: agora 90% cabiam a Neymar pai, e 10% ao Santos. A negociação, porém, foi muito além disso:
- Neymar Jr. tinha direito de viajar com seu pai para os jogos, separado do resto do elenco;
- Neymar pai e sua equipe ganharam um camarote na Vila Belmiro, passagens de classe executiva e hospedagem em hotéis cinco estrelas nos jogos fora de casa;
- O Santos não tinha mais a palavra final na escolha dos parceiros e ações comerciais.
Ciente do poder da imagem do filho, Neymar pai deixou o Santos de lado e fez acordos com empresas relevantes na época, como a 9ine, de Ronaldo Fenômeno, a IMX, de Eike Batista, e a Traffic, então gerida por J. Hawilla.
O salário do atacante girava em torno de R$ 200 mil por mês. Em 2012 e 2013, o pai faturava entre R$ 30 millhões e R$ 40 milhões por ano com a exploração da imagem do filho.

Manobra de 40 milhões
Ainda naquele segundo semestre de 2011, a disputa entre Real Madrid e Barcelona pelo atacante ficou mais acirrada.
O Barcelona chegou a acertar com o Santos por 50 milhões de euros. O Real atravessou e ofereceu 5 milhões a mais. O Peixe tentou um leilão, mas os catalães saíram de cena.
Mas ainda havia divergências sobre a divisão de valores, e Neymar pai viu nesse impasse uma oportunidade.
"Neymar pai nos procurou e fez uma proposta: o Neymar ficaria no Santos até 2014 e sairia livre", conta André Cury, que representava o Barcelona no Brasil.
O pai assinou, em novembro de 2011, um acordo com o Barcelona. Recebeu 10 milhões de euros no ato e receberia o triplo em 2014, quando Neymar se apresentasse na Catalunha.
O Santos teria o atacante por mais três anos, mas não lucraria com a venda.
O clube paulista, inclusive, só descobriu anos depois que, quando enfrentou o Barça no Mundial de Clubes, Neymar Jr. já havia acertado com o adversário.
"É muito doloroso. O Neymar é o maior ídolo do Santos depois da era Pelé. A gente vai pra uma final, 48 anos depois da última, e descobre que, na partida decisiva, esse teu melhor jogador já tinha sido comprometido com o adversário", diz Pedro Conceição, diretor de futebol do Santos em 2011 e membro do Comitê de Gestão do clube até 2013.
Mas os catalães quiseram antecipar a chegada ainda em 2013. Como o atacante tinha um ano de contrato com o Santos, foi necessário pagar 17,1 milhões de euros pela liberação.
Em email enviado aos envolvidos em 1º de maio de 2013, o diretor esportivo do Barcelona Raul Sanllehí celebrava o acerto próximo. A escolha de foco chamou a atenção:
Olá, amigos! Enfim o pai vai ser completamente feliz!!!
A manobra de Neymar pai levou a uma batalha jurídica de 13 anos e em dois países.
Santos (55% dos direitos de Neymar), DIS (40%) e o fundo Teísa (5%) queriam incluir na conta os 40 milhões de euros pagos a Neymar pai.
Em 2016, os procuradores de Madri interrogaram Neymar Jr. sobre os acordos fechados pelo pai.
Por mais de uma hora, ele repetiu, dezenas de vezes:
"Assinei porque meu pai mandou."
"Tudo que meu pai manda assinar, eu assino sem ler."
O procurador perguntou se ele havia participado da negociação.
"Não participei e ele não me explicou. Eu assino porque ele falou para assinar, é meu pai, eu confio nele."
Nas palavras do ex-diretor do Barcelona Raul Sanllehí na mesma audiência, "Neymar tem uma fé cega no pai, à prova de bombas".
Apenas a DIS continua com a ação na Justiça espanhola.

Influência e controle
Documentos e entrevistas obtidos pela reportagem mostram que Neymar pai tornou-se uma personalidade dominante nas relações com clubes, seleção brasileira e imprensa após a ida do filho para o futebol europeu.
A presença de Neymar Jr. em entrevistas coletivas precisava ser submetida a ele, mesmo sendo essa uma prerrogativa dos times ou da organização.
Foi assim em 2015, na final da Champions League, quando o clube espanhol precisou justificar a importância do evento para ter seu jogador na entrevista pré-decisão.
No mesmo ano, na Copa América, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) submeteu o planejamento de entrevistas e eventos da seleção durante a competição para análise de Neymar pai.
Na conversa com a CBF, mais um aviso ao estafe de Neymar pai: a seleção passaria a chamar o jogador de Neymar Jr. em seus materiais, e não mais apenas Neymar, como pedido pela equipe do pai.
Com a imprensa, em pelo menos duas ocasiões jornalistas da TV Globo enviaram reportagens para análise prévia de Neymar pai. Em uma delas, uma assessora acrescenta: "Diga se quer tirar, mudar ou colocar algo".
Em 2017, após Neymar Jr. anunciar que iria para o PSG, o Barça decidiu não pagar o bônus de 26 milhões previsto na renovação de contrato feita no ano anterior. Neymar pai acionou a Justiça.
Em Paris, sua influência aumentou. O clube francês precisou restringir o acesso aos treinos e outras dependências, que não comportavam o movimento provocado pelos Neymares.
Neymar pai também manteve trânsito na seleção: três fontes da CBF afirmam que, a pedido dele, a entidade passou a credenciar para eventos e competições o influenciador Eduardo Semblano, conhecido como Fui Clear.
Em 2018, o normalmente fechadíssimo local de concentração da seleção em Copas do Mundo foi violado —Neymar pai ficou hospedado no hotel da seleção durante o Mundial da Rússia.
No ano seguinte, quando o filho recém-acusado de estupro se machucou em amistoso antes da Copa América, Neymar pai teve acesso livre ao vestiário para consolá-lo.

Projeto Neymar 2.0
A transformação de Neymar da Silva Santos de pai que aposta na carreira do filho para empresário poderoso começou e pode terminar no Santos.
A imagem de Neymar sofreu nos últimos anos —foram duas acusações de estupro, lesões e flagras de traição à namorada Bruna Biancardi durante a gravidez dela.
Mas isso não impediu Neymar pai de gerar negócios com seu principal produto.
Marcas do Projeto Neymar de 2010, como Volkswagen, Ambev, Unilever, deram lugar à casa de apostas Blaze, à empresa de seguros Loovi e ao governo da Árabia Saudita. Daquela época, continuam a Konami e a Red Bull.
A Blaze, aliás, foi levada ao Santos por Neymar pai em 2023 —ele recebeu R$ 4,5 milhões por intermediar o patrocínio master de R$ 45 milhões.
No mesmo ano, a empresa pagava a Neymar pai US$ 15 milhões para usar a imagem de seu filho.
A volta da família ao Brasil passa por uma reedição do Projeto Neymar. Para remunerar o astro, o Santos mais uma vez se junta a seu pai para buscar contratos publicitários.
Hoje, a divisão é 75% para Neymar pai e 25% para o Santos, mas o salário fixo de Neymar Jr. é de 4,1 milhões.
O custo é alto, mas desde que chegou ao Brasil, Neymar pai fechou contratos com Mercado Livre, Cimed, Viva Sorte e Canção.
Ele lidera, com parcerias, processos de reforma na Vila Belmiro e no CT Rei Pelé —pessoas próximas dizem que ele sonha em viabilizar um estádio para o clube em outro local, preservando a Vila como patrimônio histórico.
No Santos, especula-se que Neymar pai esteja preparando, ao lado de investidores, a compra do futebol do clube para convertê-lo em SAF. Nem ele nem a diretoria confirmam.
De qualquer maneira, parece certo que o futuro do Santos passa por Neymar: dentro das quatro linhas, pelos pés do filho. Fora, pelas mãos do pai.
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