Zagueiro do Palmeiras 'vendia ar' e gastou primeiro salário em pastel

Pilar do sistema defensivo do Palmeiras, que encara o Corinthians neste domingo (16) no primeiro jogo da final do Paulistão, às 18h30, Murilo estava destinado a se tornar jogador de futebol. Com cinco anos, o garotinho já não desgrudava a bola dos pés e estava quase sempre no campinho de terra, que ficava atrás de sua casa, no bairro Murilo Leite, na cidade de São Gonçalo dos Campos, localizada a 108 km da capital Salvador (BA).

O sonho estava traçado, e não tinha nada que fizesse Murilo mudar de ideia, nem as chamadas do seu pai, Juraci, para trabalhar na simples oficina de bicicleta que sua família tinha em meio aos 'nãos' que recebia em peneiras de futebol.

Ele começou a me colocar para fazer algumas coisas na bike, mas só que eu nunca quis. Eu sempre estava empenhado no futebol, eu comecei na escolinha com 5 anos de idade. Era algo que já estava bem estabelecido para mim, eu já sabia o que eu queria desde pequeno, sabia que eu queria jogar futebol, era ali que eu poderia ajudar a minha família, por tudo que eu já tinha visto também de pobreza financeira. Falei: 'é isso que eu quero e vou lutar até o final', mas em meio aos testes que eu não fui passando, algo que eu não fui concretizando no futebol, ele tentava me trazer para a oficina.
Murilo, em entrevista ao UOL.

A convivência fez Murilo herdar a maior característica de 'seu velho': o lado empreendedor. Ainda criança, o zagueiro colocou uma condição para que topasse ajudar na oficina, o irrisório pagamento de R$ 1 por dia trabalhado. Seu pai, de tanto o pequeno insistir, aceitou.

Eu falei para ele: 'eu só trabalho com o senhor se você me der uma garantia aqui de um dinheiro, não vou trabalhar com o senhor de graça'. Depois de um tempo, ele me enrolando, eu disse: 'o senhor vai ter que me dar algum dinheiro, eu quero R$ 1 por dia'. Meu pai sempre foi do ramo de empreender, de conquistar algo para família, sempre lutou. Então, a partir do momento que ele me colocou para trabalhar ali dentro, eu estava querendo fazer o meu pé de meia também desde pequeno, mesmo sem entender, mas eu queria algo em troca, eu não queria ficar ali só por ficar.

Não demorou muito para o 'salário' ser cortado. Murilo, então, partiu para outra tática para ganhar uns trocados que acabou gerando um apelido curioso para o zagueiro: "25 centavos". O pequeno começou a 'vender ar' e cobrar para encher os pneus da oficina.

Ele aceitou, mas depois de um tempo já cortou. Aí eu vi que isso não ia dar muito certo, eu peguei e fui para outro lado. Lá tinha um compressor que enchia o pneu de bicicleta e de moto. Então eu disse: 'já que o senhor não vai me dar o dinheiro, eu quero R$ 0,25 em cima de cada pneu que eu vou encher aqui'. Aí alguns até me apelidaram de 25 centavos, porque eu estava cobrando em cima de cada pneu. Eu lembro até hoje que eu juntava as moedinhas que eu ganhava por dia. Graças a Deus foi um período que meu pai evoluiu, cresceu muito como um comerciante, onde ele pôde dar esse auxílio.

Noites no papelão

Murilo teve um início de carreira complicado, como a maioria das crianças, que desde cedo, sonha em ser jogador. A bola era um refúgio para as dificuldades financeiras que sua família passava. Foi então que uma iniciativa de Juraci e dona Raimunda mudou os planos da família, que se mudou para o centro de São Gonçalo em busca de mais oportunidades.

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"Eu comecei bem na roça mesmo, em São Gonçalo dos Campos, onde meu pai e minha mãe moravam, era interior do interior, e a gente tinha muita dificuldade de morar lá. Depois o meu pai teve a iniciativa de morar mais no centro de São Gonçalo, onde o bairro é Murilo Leite. Mudamos, mas foi com muita dificuldade. A gente não tinha nada, não tinha móvel, não tinha estrutura de casa, e a gente simplesmente se mudou na coragem e na força".

As primeiras noites foram ainda mais difíceis para a família Paim. Sem nada, os pais do jogador tiveram que recorrer a um montante de papelões, que foram improvisados como camas para os filhos provisoriamente. A perseverança e força de vontade da família foi transformando aos poucos a situação, dando um pouco mais de conforto.

"Logo no começo quando a gente se mudou, não tínhamos nem cama para dormir. Conseguimos colocar uns papelões e a gente dormia ali em cima deles. Aquilo foi algo que veio nos fortalecendo como família para conseguir gradativamente algo para colocarmos dentro de casa, como uma cama, uma TV, foi aos poucos".

"Depois de tudo isso, meu pai construiu um bar em frente à nossa casa, só que estava dando muita dor de cabeça para o meu coroa. Meu pai é muito estressado. Muitas pessoas queriam ficar ali e ele queria fechar. Foi aí que pensamos em outra coisa e veio a oficina de bicicleta. Foi muito importante que a gente conseguiu ali se estruturar financeiramente muito bem. Depois de um bom tempo, com uma caída muito grande de demanda, a gente teve que dar um auxílio para uma oficina de moto também".

Nessa mesma época, porém, um comunicado de que a prefeitura da cidade deixaria de apoiar a única escolinha de futebol do município, causou desespero em seus pais. O caminho encontrado foi começar a levá-lo para treinar em Feira de Santana, a 20 km de São Gonçalo dos Campos. A tarefa de acompanhar o garotinho era dividida entre o pai, a mãe e o irmão mais velho, Gil.

Isso até Murilo completar oito anos e começar a fazer, sozinho, o trajeto de 40 km de ônibus e 7 km a pé, incluindo ida e volta. O dinheiro suado do pai para bancar as viagens de Murilo fez o zagueiro valorizar ainda mais o esforço e não desistir.

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Murilo, do Palmeiras, ao lado do seu pai, Juraci
Murilo, do Palmeiras, ao lado do seu pai, Juraci Imagem: Reprodução/Instagram

"Ele agregou muito para minha ida aos treinamentos em Feira de Santana. Eu tinha que pegar um transporte de terça, quinta e sábado, ida e volta. Na minha época dava R$ 2,50 por passagem, meu pai tirava isso e era muito difícil no momento, porque era tudo calculado, tudo certinho, e como eu era muito novo, tinha que tirar para mim e para o meu irmão ou minha irmã, que me levavam. Aí tinha momentos que não conseguiam me levar e eu tinha que ir sozinho. Foram períodos que eu trago muito para me fortalecer, para eu não perder nunca as minhas raízes".

O colo de mãe

Na escolinha em Feira de Santana, Murilo se destacava como meia e começou a fazer diversos testes. Aos 10 anos, recebeu o tão aguardado sim de um grande clube, o Vasco. A passagem pelo clube carioca, porém, durou apenas dois meses, pois, ainda menino, chorava todos os dias com muita saudade da família.

Enquanto isso, em São Gonçalo, na Bahia, a mãe também sofria e o garoto resolveu voltar para casa. Hoje, Murilo vê como necessária a experiência 'traumática' que passou ainda criança.

"Foi um período muito difícil para mim. Eu saí sozinho de São Gonçalo para ficar um ano fora. Eu tinha ido para Sergipe e foram apenas 15 dias que eu fiquei longe, já estava na minha mente que eu ia, mas voltava após 15 dias, tranquilo. Quando eu soube que eu iria para o Vasco e na sequência tem essa notícia que eu só voltaria um ano depois, eu não estava ainda maduro e não caiu a ficha no começo".

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Murilo, do Palmeiras, ao lado da mãe, Raimunda
Murilo, do Palmeiras, ao lado da mãe, Raimunda Imagem: Reprodução/Instagram

'Nãos' que quase mudaram os rumos

Com isso, Murilo retomou o caminho em busca do sonho e fez testes no Internacional, Grêmio e Vitória, mas não passou. No Bahia, foi aprovado, mas não pôde ficar pela falta de alojamento para garotos da sua idade. Já no Colorado, não se preparou o suficiente e sofreu com a própria falta de empenho.

"Teve dois anos aí batendo de clube em clube. Vitória, Inter, Grêmio, Bahia. Foram os times que eu passei durante esses dois anos, dos 10 aos 12, que com 13 fui para o Cruzeiro. Nesse período eu não passei nesses testes. No Inter eu fiquei uma semana e realmente eu não estava bem fisicamente, estava um pouco fora de forma e não estava fluindo tecnicamente e fisicamente".

Murilo, do Palmeiras, em jogo beneficente
Murilo, do Palmeiras, em jogo beneficente Imagem: Reprodução/Instagram

As negativas atrás de negativas fizeram o zagueiro refletir. Será que esse seria o caminho certo a ser tomado? O sonho ainda estava de pé ou novamente voltaria a trabalhar com seu pai? Foi então que uma conversa com seu 'coroa' definiu que os 'nãos' seriam seu combustível para continuar tentando. Aos 13, foi recompensado: o tão aguardado 'sim' veio direto de Belo Horizonte, mais precisamente do Cruzeiro.

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O jovem chegou às categorias de base do Cruzeiro, inicialmente, como volante. Com apenas 13 anos e medindo 1,80 m, foi deslocado para zaga. No clube mineiro, passou por todas as divisões de base e foi chamando a atenção graças ao seu perfil físico e o potencial técnico, que, inclusive, o levaram a ser convocado, em diversas oportunidades, para as divisões inferiores da seleção brasileira.

Gastou todo o primeiro salário com pastel e caldo de cana

Murilo viveu uma infância e adolescência sem luxos. As prioridades vinham acima dos prazeres. Na base do Cruzeiro, se assustou ao cair a primeira ajuda de custo mensal e não pensou duas vezes no que 'torrar' a grana. Enquanto muitos companheiros foram ao shopping fazer compras, ele tinha outro alvo.

"Gastei com pastel e caldo de cana. Eu gosto muito. Mas, vê se você me entende. Eu estava há um bom tempo sem dinheiro, esperando o mês todo. Caiu R$ 110, te davam na mão. Eu saí doido, juntou um grupo de amigos. Alguns foram comprar umas roupinhas que davam, tênis. Já eu, que estava com muita fome, queria comer pastel e caldo de cana. Tinha um lugar lá pertinho da Toca e a gente foi lá. Pegamos muitos pastéis, foram uns três para cada. O dinheiro acabou em uma semana".

Foi então que seu Juraci entrou em cena. Mesmo de longe, o pai observava o caminhar do filho e suas decisões. A gastança em besteiras ligou um alerta para o defensor, que mudou de postura.

"Depois eu tive uma conversa com meu pai. Ele me perguntou quanto eu estava ganhando, eu falei que era R$ 110. 'E aí, está gastando com o quê?' Eu falei que tinha gastado tudo. Ele pegou e disse: 'É, meu patrão. Vai ter que dar uma ajustada aí, viu? Está com pouco, mas com esse pouco você faz com muito também'. Foi a partir dali que eu comecei a virar chave, meu empresário conversou muito comigo e depois desse momento que eu pude identificar que eu podia fazer muitas outras coisas. mesmo sendo pouco dinheiro, mudou minha vida".

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Metas definidas para 2025: título pelo Palmeiras e seleção brasileira

Murilo, do Palmeiras, vibra após lance na Supercopa do Brasil, contra o São Paulo
Murilo, do Palmeiras, vibra após lance na Supercopa do Brasil, contra o São Paulo Imagem: Pedro Vilela/Getty

Tudo que um jogador mais quer é conquistar títulos e atuar pela seleção do seu país, e com Murilo não é diferente. No 'caderninho' de anotações da sua cabeça, as metas para 2025 já foram traçadas pelo defensor: ganhar mais um título pelo Palmeiras e voltar a figurar na seleção brasileira.

A última temporada terminou de maneira frustrante para a equipe alviverde, que costuma almejar alto. A palavra definida por Murilo para essa temporada é: resiliência.

"Para ser bem objetivo, é a resiliência minha e da minha equipe. Eu acho que por tudo que a gente quer conquistar de títulos e de pessoal também, troféus, tendo essa resiliência, a gente consegue. Tem todo o processo para a gente buscar o título. O que eu priorizo nesse ano é a resiliência. Ter o meu foco, a minha disciplina, a minha dedicação, e a equipe tendo a identidade, o tempo todo lutando, trabalhando, se dedicando, tenho certeza que a gente pode buscar muita coisa boa esse ano".

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