A extinção de organizadas de Santa Cruz e Sport se mostrou uma medida ineficaz no Recife (PE). Mesmo com tal decreto, elas "driblaram" a Justiça nos anos seguintes e continuaram agindo livremente pelas ruas de Pernambuco, algo que culminou com a violência e selvageria do último sábado (1º) antes do clássico no Arruda pelo Campeonato Estadual.
O que aconteceu
A decisão judicial aconteceu em 2020 e extinguiu a Torcida Jovem do Sport; a Inferno Coral, do Santa Cruz; e a Fanáutico, do Náutico. Com o decreto, elas tiveram seus CNPJ's cancelados e foram obrigadas a fechar suas sedes.
Anteriormente, em 2014, elas já haviam sido punidas de forma um pouco mais branda, sendo proibidas de estar nos jogos. A medida foi resultado da morte de um torcedor atingido por um vaso sanitário na cabeça, no estádio do Arruda, em jogo entre Santa Cruz e Paraná, quando organizadas do Sport estavam no local junto com os paranaenses.
Porém, a proibição e posterior extinção não foram suficientes para coibir a violência. Desta vez descaracterizados e "invisíveis" aos olhos da lei, eles seguiram colecionando episódios de briga nas ruas de Pernambuco.
Classificação e jogos
Na sequência, para burlar a Justiça, as organizadas criaram novos CNPJ's. A Torcida Jovem do Sport transformou-se em "Torcida Jovem do Leão". Já a Inferno Coral virou "Explosão Inferno Coral".

O UOL teve acesso a um relatório feito pela Polícia Civil na véspera do clássico deste sábado onde ambas são citadas. Trecho do documento diz: "Integrantes das duas torcidas organizadas Explosão Coral - TOEIC (antiga Inferno Coral) e Jovem do Leão - TJL (antiga Jovem do Sport) estão utilizando plataformas de redes sociais para disseminar o ódio e a rivalidade entre os envolvidos".
O relatório também ressalta que as duas organizadas estavam marcando os locais das brigas para sábado (1). E que elas se preparavam com bombas e porretes com pregos: "O monitoramento dessas agremiações foi realizado e vimos que os envolvidos se preparam para possíveis confrontos no dia 1º/2/2025. Como também conseguimos informes que os integrantes preparam bombas caseiras e barrotes com pregos para lesionar o rival com o maior dano possível, bem como danificar patrimônio privados e públicos no deslocamento até o estádio".
O UOL procurou o Ministério Público de Pernambuco. A reportagem questionou se o órgão pretende tomar novas medidas após extinguir a Torcida Jovem do Sport e a Inferno Coral e elas terem criado novos CNPJ's. O MP-PE, porém, não respondeu até o fechamento da reportagem. Caso se manifeste, a matéria será atualizada.
No saldo das brigas, 14 pessoas foram detidas e 12 ficaram feridas e encaminhadas ao Hospital da Restauração. Quatro delas ainda se encontram internadas e os quadros de saúde são estáveis.
'Fatos fugiram do padrão esperado', diz secretaria

A Explosão Inferno Coral acusou a Polícia Militar de "falha operacional da escolta policial". A organizada também afirma que "as rotas planejadas foram modificadas unilateralmente pelas autoridades competentes".
Em seu Instagram, ela postou um documento protocolado pela Polícia Militar sobre a logística de deslocamento para o Arruda. Nele consta o bairro Torre como um dos que estariam no trajeto. O local acabou sendo um dos que virou praça de guerra entre tricolores e rubro-negros.
O UOL entrou em contato com a secretaria de Defesa Social de Pernambuco questionando as acusações da organizada e a ação policial no roteiro. O órgão afirmou que os "fatos fugiram do padrão esperado". E que "o efetivo atuou para evitar mortes e minimizar danos às pessoas e ao patrimônio".
Pertencem a alianças rivais
A Explosão Inferno Coral (ex-Inferno Coral) e a Jovem do Leão (ex-Torcida Jovem do Sport) integram redes de alianças rivais que abrangem praticamente todo o Brasil.
Os tricolores pertencem à "Dedo Pro Alto", que conta, entre outras, com a Mancha Verde (Palmeiras), Força Jovem do Vasco, Galoucura (Atlético-MG), Torcida Jovem do Botafogo e Bamor (Bahia).
Já os rubro-negros são da "Punho Cruzado", que têm como aliados, entre outros, a Torcida Jovem do Flamengo, a Independente (São Paulo) e a Pavilhão Independente (Cruzeiro).
Há ainda uma subdivisão exclusiva na região Nordeste. Ela é dividida entre os chamados "Lado A" e "Lado B". Porém, a Jovem do Leão não faz parte de nenhum dos dois grupos já que possui rivais em ambas as alianças.
Pertencem ao Lado A organizadas de: Santa Cruz, Bahia, Fortaleza, CSA, América-RN, Confiança, entre outras.
Integram o Lado B torcidas de: Ceará, Náutico, CRB, ABC, Botafogo-PB, Sampaio Corrêa, entre outras.

Portões fechados e torcida única
Autoridades já tomaram medidas após a violência do último sábado. O Ministério Público de Pernambuco determinou portões fechados nos jogos de Santa Cruz e Sport nas próximas cinco partidas. Já a federação decretou torcida única nos clássicos até o fim do Estadual.
O Sport, por sua vez, informou que irá recorrer da decisão dos portões fechados. Já o Santa Cruz ainda não se manifestou especificamente sobre estes temas, informando apenas que "se coloca à disposição das autoridades e demais clubes para encontrar soluções e banir de vez a violência do futebol em Pernambuco".
30 mortes oriundas de violência física de torcidas em 2023

O Observatório Social do Futebol divulgou um relatório sobre os números da violência entre as torcidas em 2023. Segundo o levantamento, 30 mortes ocorreram na ocasião, o que corresponde a 18,9% dos casos de violência física. Destes óbitos, 12 foram oriundos de armas de fogo. Ainda de acordo com o documento, o segundo conflito que mais ocorreu foi entre torcidas e forças de segurança.
O Observatório ainda destaca que quase 40% dos casos de violência aconteceram nos arredores dos estádios, num raio de até 5 km. Mais de 30% foram longe do local da partida e somente pouco mais de 20% aconteceram dentro da praça esportiva.
Há ainda um mapa que aponta as regiões dos episódios. Ele ressalta que estados que adotaram o modelo de torcida única estão entre os que tiveram mais casos de violência.
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