No mundo da presidente do Palmeiras, Leila Pereira, tudo acontece no tempo dela. Pressioná-la ou fazê-la perder tempo é dar tiro no pé. Os principais dirigentes do futebol brasileiro já aprenderam isso.
Numa reunião de cartolas em fevereiro deste ano, entrou em pauta a ideia de vender parte dos direitos de transmissão dos jogos no Campeonato Brasileiro a um investidor, em troca de dinheiro rápido
Leila Pereira, que até então só observava, tomou a palavra.
"Não existe a menor possibilidade de eu vender nada dos meus direitos. Meu negócio vai ser feito diretamente com a proposta da Globo, que é o que temos na mesa. Para mim, a reunião está encerrada."
A fala durou trinta segundos. Todos concordaram e endossaram o acordo. A reunião chegou ao fim.
"Não tenho medo de absolutamente nada e de ninguém. Acho que é por isso que as pessoas me respeitam", afirma a empresária ao UOL sobre sua assertividade.
Esse respeito é complementado por duas frases que se repetem entre as fontes ouvidas pela reportagem e que explicam como Leila Pereira gerencia suas relações.
- "Se atirar uma pedrinha nela, ela devolve um paralelepípedo."
- "Ela dá R$ 1 para não entrar na briga; mas, se entrar, dá R$ 1 milhão para não sair."
Leila não é política. Orientada por sua personalidade autocrata, pensa em negócios. Comporta-se como se fosse dona do Palmeiras. Mas, ao menos até agora, é só presidente e patrocinadora.
Ela insiste que não há conflito de interesse, o que é contestado pela oposição e por parte da torcida e da imprensa.
O que todos reconhecem é que Leila deu sequência à reconstrução esportiva e financeira do Palmeiras iniciada pelos ex-presidentes Paulo Nobre e Maurício Galiotte, seus antecessores.
A empresária renovou por duas vezes o contrato de Abel Ferreira. Ao lado de Oswaldo Brandão, o português é o técnico mais vezes campeão da história do Palmeiras, com dez troféus.
Ela está perto de zerar a dívida do clube com sua empresa, a Crefisa, que chegou a bater em R$ 150 milhões.
Em 2023, o Palmeiras teve o terceiro maior faturamento entre os clubes do país, com R$ 839 milhões. O superávit foi de R$ 8,5 milhões.
Leila enfrentou a WTorre, gestora do Allianz Parque, para cobrar valores que julgava serem do Palmeiras. Em maio, houve repasse pela primeira vez em nove anos.
A empresária diz que ser a única presidente mulher dos 20 clubes da Série A, a nata do futebol brasileiro, não a incomoda.
Na primeira reunião que eu tive, o presidente da Federação Paulista falou: 'Leila, parece que você nasceu aqui.' Leila Pereira
"Eu me senti em casa. Sempre estive muito acostumada com isso [ambientes masculinos e potencialmente machistas]. O mundo corporativo tem muitas mulheres, mas a grande maioria são homens."
Como é negociar com Leila
Diante desse cenário, dá para entender por que Leila se comporta como dona do Palmeiras e, quem sabe, aspire a algo mais no futebol.
Junto do marido, José Roberto Lamacchia, ela é dona de banco, de faculdade, de pet shop e de outras 21 empresas, segundo registro na Junta Comercial.
Leila tem um patrimônio estimado em R$ 8 bilhões, o que faz dela a quarta mulher mais rica do Brasil segundo a lista Forbes.
Executivos de TV ouvidos pelo UOL afirmam que a empresária é excelente negociadora. Vender projetos para Leila nunca foi fácil.
Às vezes, tentavam amolecer seu coração com pautas de cachorrinhos, uma paixão dela, mas, na hora da negociação, Leila é pedra de gelo.
Essa frieza entra em campo nos bastidores do futebol. A quase saída de Dudu, ídolo do Palmeiras, para o Cruzeiro foi um exemplo recente.
O jogador pediu a transferência, mas recuou após o negócio ser fechado. A atitude irritou Leila, que pediu para o jogador cumprir a palavra.
"Nenhum ídolo é maior que o Palmeiras", disse.
Virando cartola
A entrada de Leila na política do Palmeiras começou com Mustafá Contursi, que, em 2016, fez uma manobra e modificou a data da associação dela de 2015 para 1996.
Mustafá foi presidente do Palmeiras por 12 anos e continuou no clube como conselheiro influente. O arranjo feito por ele deu à executiva tempo de clube para se candidatar ao conselho.
Paulo Nobre questionou a decisão em sua gestão, mas Galiotte, seu sucessor, a ratificou. Isso provocou um racha entre eles e deu a Leila condições estatutárias para se eleger conselheira em 2017.
A palavra de Mustafá foi a fiadora da manobra. "Se quiser ter provas, precisa consultar uma mesa branca", respondeu o cartola sobre o caso.
Ironicamente, o próprio Mustafá acabou acusado por Leila de cambismo, venda ilegal de ingressos aos quais tinha direito. O cartola foi julgado e absolvido.
Segundo a oposição, a acusação ocorreu porque Mustafá foi contra a extensão do mandato presidencial de dois para três anos, idealizada na gestão Galiotte.
A nova mudança permitiu a Leila suceder Galiotte diretamente na presidência em 2021.
Ela foi a conselheira mais votada da história do clube com uma estratégia que se repetiu quando decidiu ser presidente: uma campanha cheia de festas e presentes, o que gerou críticas da oposição.
Mesmo depois de se tornar presidente, a empresária seguiu a encantar o eleitorado com festas no clube, com direito a show de Michel Teló, pizzadas e até viagens em seu avião para assistir a jogos importantes, como Boca Juniors e Palmeiras, em Buenos Aires, em setembro do ano passado. Tudo bancado por ela.
Esses métodos agradaram a muitos conselheiros e sócios e desagradaram a outros tantos. Cerca de cem conselheiros formam hoje a oposição, mas Leila não dialoga com ela.
Em 2023, a presidente cortou o direito a um ingresso gratuito a conselheiros que questionaram o contrato com a Crefisa e a relação com a Placar Linhas Aéreas.
"Quando eu falo do avião, me chamam de presunçosa. Mas, gente, o avião é de quem? É do Palmeiras? Não. De quem é? É meu, não é nosso."
Convites a eventos oficiais, como a homenagem ao ídolo César Maluco, não foram estendidos formalmente à oposição, apesar de Leila dizer que não havia restrições.
Outro dirigente que era amigo e aliado, mas acabou excluído, é Seraphim del Grande.
O motivo da briga foi uma placa em homenagem ao tio de Lamacchia que Leila colocou no Palmeiras sem a aprovação do conselho.
Seraphim a questionou e ouviu da presidente: "Eu faço o que eu quiser".
A rusga foi tamanha que o caso foi ao COF (Comitê de Orientação e Fiscalização), instância máxima do Palmeiras. A assessoria de Leila diz que a placa foi aprovada pelo órgão.
Hora de agradar ao chefe
A proteção aos aliados existe na mesma medida em que opositores são excluídos.
A regra, para a dirigente, é simples: ou está com ela ou está contra ela, afirmam ao UOL funcionários e conselheiros do Palmeiras.
A ideia vai ao encontro do que Leila espera da equipe com quem trabalha. Não há espaço para aqueles que fazem apenas o necessário.
O Palmeiras é administrado como uma empresa. Com suas peculiaridades, claro, porque aqui você mexe com paixão. Mas aqui só entram profissionais. Nós não temos influência política absolutamente nenhuma. Leila Pereira
O UOL apurou que os funcionários do Palmeiras não veem as cobranças exacerbadas como assédio, mas elas ainda assim despertam um certo receio de questionamento.
O único que questiona a empresária é o diretor de futebol Anderson Barros, mas sempre no tom "veja bem, senhora presidente...".
Eu tenho certeza de que todos os profissionais aqui têm muita confiança em mim. Eles sabem que eu os protejo contra tudo e contra todos. As confusões acontecem do muro para fora.
Leila mantém no Palmeiras o estilo frio adotado em todas as suas empresas.
Na FAM (Faculdade da Américas), assim como na Crefisa, é uma líder assertiva sem tempo a perder, afirma o vice-reitor da universidade, Luís Leoni.
"Leila me ensinou que o 'não' é libertador. É muito bom lidar com uma pessoa assim, sem meias palavras."
"Ela é muito direta, fala o que precisa ser dito. Me dá liberdade para trabalhar. Mas, se eu não entregar, a lapada vem", completa Rodolfo Maia, analista de mídias sociais de Leila.
"Quando você fala a verdade, doa a quem doer, você fica mais leve. Como não tenho tempo a perder, sou direta. Você pode falar tudo o que quiser, com educação, com respeito."
Alianças desfeitas
As alianças não resistem a conflitos. Se nem Mustafá e Nobre escaparam, com a Mancha Verde não seria diferente.
O rompimento com a torcida organizada foi grave. Leila recebeu ameaças de morte, o que a levou a pedir medida protetiva e prometer à mãe que não falaria mais da torcida para evitar retaliações.
A postura é bem distante de quando Leila e Mancha se conheceram. Ela investiu na escola de samba e financiou viagens da torcida.
A relação ruiu quando, eleita presidente, a empresária anunciou Olivério Júnior como diretor de comunicação.
O assessor é ligado ao Corinthians e seus personagens, como o ex-presidente Andrés Sanchez e o ex-chefão da MSI e empresário Kia Joorabchian.
A Mancha pediu a mudança. Leila cedeu, mas o manteve como assessor pessoal. Ainda assim, o episódio contribuiu para o racha.
Uma trégua foi ensaiada no Mundial de Clubes, em 2022. Leila doou R$ 200 mil para o grupo acompanhar o Palmeiras no torneio em Abu Dhabi.
A Mancha Verde diz ter recusado o dinheiro. Leila afirma ter pedido a quantia de volta.
A vida no bairro
Após romper com a torcida, Leila mudou o nome de seu cachorro, que se chamava "Mancha".
Ele é um dos dezesseis cães que ficam na sede da Crefisa, um terreno com três casas grandes no Jardim América, zona oeste de São Paulo.
Os muros da sede subiram à medida que os cargos de Leila no Palmeiras cresciam. Antes, não havia muros. Agora ela precisa de segurança.
"Minha preocupação aumentou depois que eu entrei no futebol. Não tem como ser low profile sendo presidente de um clube grande como o Palmeiras. Tem que se expor. E quando me exponho, tenho que ter um pouco mais de cuidado."
Mesmo assim, ela diz não ter guarda-costas. Quando pode, caminha pelas ruas do bairro em que vive, na zona sul de São Paulo.
Leila mora em um apartamento com cerca de 1.000 m², estimado em R$ 40 milhões.
Ela tem outro em Los Angeles, de tamanho similar, e que comporta sua adega. Leila ama vinhos. Em safras boas, a garrafa de um de seus preferidos, o Château Petrus, pode custar R$ 45 mil.
Antes de virar presidente, era comum vê-la atravessando sua rua paulistana, de braços dados com o marido, para ir à padaria da esquina.
Ela pedia pão na chapa e pingado no copo americano. Simpática, atendia aos palmeirenses que a tietavam.
Eu adoro [ser famosa]. Se não gostasse, não estaria aqui, sabe? Eu tenho toda a paciência, quando saio, para atender os torcedores. Nunca estou cansada. Quando estou, eu fico em casa, não fico exposta. Leila Pereira
Leila frequenta semanalmente o salão de beleza perto de sua casa. Faz os pés por R$ 60 e as mãos por R$ 50. A escova, da qual ela não abre mão, custa R$ 150.
Hoje a empresária anda mais de carro. Ela dirige um Bentley avaliado em mais de R$ 1 milhão para ir à academia e treina de segunda a sexta-feira com seu personal trainer.
A forma física de Leila é elogiada por profissionais e alunos.
"Faço exercício todos os dias. Você vai falar: 'Leila, você encontra tempo?'. Encontro. Quando você é organizada, e eu sou extremamente disciplinada, dá certo".
A empresária inclui na rotina diária o café da manhã no superexclusivo clube Harmonia, do qual ela é sócia desde que se casou com Lamacchia.
Um café com Zé no clube Harmonia
Leila e Lamacchia são figuras discretas no Harmonia. Chegam sempre juntos pela manhã.
Ela é reconhecida pelos funcionários por suas caixinhas. Dá R$ 50 cada vez que um manobrista pega seu carro. No fim do ano, chega a distribuir R$ 20 mil. Outros sócios oferecem no máximo R$ 5.000.
Mas esse não é o único motivo pelo qual os funcionários adoram Leila: ela sabe o nome da faxineira, do porteiro, do manobrista. E isso não se restringe ao Harmonia. É assim no Palmeiras e na Crefisa.
Leila e Lamacchia conversam o tempo todo durante as refeições no Harmonia. Não há espaço para celulares. Ela conta ao UOL que o marido é seu principal confidente.
Não faço terapia. Não preciso. Quando quero desabafar, é com o Zé que falo. Ele é meu maior parceiro. As feministas que fiquem ofendidas, mas eu não tenho dúvida nenhuma de que, se não existisse o José Roberto Lamacchia, não existiria Leila Pereira.
Eles se conheceram quando ela tinha 18 anos, recém-chegada ao Rio para estudar jornalismo contra a vontade do pai, que a queria dona de casa em Cabo Frio, onde viviam.
Lamacchia, então com 38, já era banqueiro e estimulou Leila a fazer outro curso. "Direito é tudo, Leila", teria dito Zé.
Ela fez a segunda faculdade e foi trabalhar com o advogado Manoel Sayon Neto.
Após ganhar experiência na advocacia, Leila foi chamada por Zé para trabalhar na Crefisa.
Hoje, apesar de ouvinte, Zé não se mete nas decisões de Leila no Palmeiras. Ele não quis falar com a reportagem — nos bastidores, reforça que é ela quem deve falar, pois é a presidente.
Não mudei meu sobrenome. Sou Leila Mejdalani Pereira, e vou até o fim como Leila Mejdalani Pereira. E hoje, por incrível que pareça, o meu marido que é conhecido como o 'marido da Leila Pereira'.
O marido da Leila já se envolveu em confusão para defender a esposa no Harmonia.
Leila recebeu a TV Globo para uma entrevista no clube. Isso desagradou Seu Fifi, um sócio de longa data e autoproclamado síndico informal do espaço.
Ele ficou constrangido por a dirigente usar o clube daquela maneira e a agrediu verbalmente.
Ao saber disso, Zé se armou para defender Leila: saiu na bengalada com Seu Fifi. Os dois foram suspensos. Lamacchia, por seis meses. Fifi, por mais de um ano.
"Também não tenho dúvida de que ele [Lamacchia] é o maior feminista que eu já conheci. É o maior apoiador de nós, mulheres, de nossa causa."
A virada feminista
Falar sobre feminismo é algo novo para Leila Pereira. A deixa para a mudança ocorreu em outubro de 2023, após uma entrevista coletiva na qual ela se colocou como salvadora do Palmeiras.
A empresária foi duramente criticada por torcedores, ex-jogadores e jornalistas.
O problema do futebol brasileiro é que ninguém suporta ouvir a verdade. Então, quando falo a verdade, sou tida como prepotente. Já vi aquela entrevista diversas vezes e não entendo o porquê de tanto barulho. Onde eu menti? Em nada. Eu não faço média. Eu falo a verdade. Leila Pereira
Depois disso, Leila abraçou publicamente novas causas. Começou a se dizer feminista. Em fevereiro deste ano, deu uma entrevista coletiva só para mulheres.
"Sempre fui uma menina diferente. Nunca tive esse sonho de ter filhos. Sempre quis trabalhar, ser independente. Costumo dizer que acho que eu nasci feminista e não sabia."
Na rotina do clube, no entanto, as coisas são diferentes.
A presidente escolheu 146 homens e 13 mulheres como diretores. Nenhuma das pastas mais importantes é liderada por uma mulher.
Suas duas vice-presidentes, Maria Teresa Bellangero e Neive de Andrade, são "decorativas".
As decisões são tomadas por Leila e pelo executivo contratado para cada área. A exceção é o marketing, que não tem um diretor remunerado por decisão da presidente.
Em seu depoimento à CPI das Apostas, Leila foi questionada por Chico Rodrigues se os torcedores preferem o time ou o cônjuge e ouviu de Jorge Kajuru que "mulher não sabe o que é bola".
"Ora, senador, hoje em dia tem mulher presidente de clube", riu, de forma cortês.
No Senado, distribuiu sorrisos. Nos bastidores, todos a viram como "elegante e educada".
Ela conta que não se incomodou com os parlamentares. Ainda assim, aproveita para alfinetar John Textor, dono da SAF do Botafogo, que acusa o Palmeiras de ser beneficiado por arbitragens.
"[Essas acusações] São uma aberração, um desrespeito, não só ao Palmeiras como aos milhões de torcedores", afirma. "Mas sobre a CPI, me senti muito bem recebida. Até porque não sou uma mulher frágil. Vou para cima também."
Na órbita da CBF
Leila fez a CBF se manifestar sobre os casos Robinho e Daniel Alves. Ela era chefe de delegação em março, durante os amistosos da seleção na Europa.
Ela disse que os casos são "um tapa na cara de todas as mulheres, especialmente o caso do Daniel Alves, que pagou pela liberdade".
"Acho importante me posicionar. Cada caso de impunidade é a semente do crime seguinte", falou ao UOL na ocasião, em Londres.
Leila tem trânsito na cúpula da entidade. "[Ela é ] Acessível, competente e (...) busca estar antenada; perfeita como chefe de delegação", disse o presidente Ednaldo Rodrigues ao UOL.
Nessa função, ela se apresentou aos jornalistas como se fosse desconhecida e brincou com os flamenguistas sobre o Palmeiras.
Assistiu atentamente a todas as entrevistas. Leila disse que, como chefe de delegação, precisava ver e aprender tudo.
A empresária só deixou a concentração quando era previsto na programação. Aproveitou para conversar com todos, da psicóloga ao técnico, Dorival Júnior, passando pelos jogadores.
Ela, no entanto, desconversa ao ser questionada sobre a possibilidade de chegar ao comando da CBF.
Eu vivo o presente. Hoje, quero ser reeleita presidente do Palmeiras. Parece que foi ontem que tomei posse. É uma gestão vitoriosa que me enche de orgulho. Sobre o futuro, bom, deixo o futuro para depois. Leila Pereira
*Colaboraram Thiago Arantes, Igor Siqueira e Pedro Lopes.
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