O que exatamente questiona John Textor e como ele passou a desconfiar e tentar provar que há manipulação de resultados no futebol brasileiro? O relatório da empresa Good Game e o depoimento do dono da SAF Botafogo à polícia do Rio, aos quais o UOL teve acesso, respondem.
O que aconteceu
Textor disse à polícia que a anulação do gol do Vasco sobre o Palmeiras, no Brasileirão 2023, despertou nele uma dúvida.
Assim, ele pediu o primeiro relatório da Good Game, empresa que já prestava serviço ao Lyon, na França, clube do qual o norte-americano se tornou dono depois de comprar o futebol do Botafogo.
A Good Game alega que houve um erro na linha para apontar impedimento e anular um gol do Vasco. A comissão de arbitragem da CBF, na época, disse que a decisão da arbitragem foi correta.
Depois, veio o relatório sobre a goleada por 5 a 0 do Palmeiras sobre o São Paulo. O documento da empresa diz que houve comportamento anormal de jogadores tricolores. O São Paulo repudiou e refutou todas as acusações.
O relatório, ao qual o UOL teve acesso, cita: falta de combate, erros de posicionamento e corridas em intensidade mais baixa.
O analista da Good Game cravou a existência de manipulação, com base nesse aspecto comportamental dos atletas. Segundo Textor, esse material é feito com ajuda de inteligência artificial, sendo um "olho que tudo vê" no jogo.
Textor, então, trouxe o assunto à tona, dizendo que havia um benefício ao Palmeiras.
Nossa conclusão, baseada na análise de um vídeo de 1h40, indica, em relação à manipulação de placar, que a partida entre Palmeiras e São Paulo foi manipulada. A manipulação poderia estar ligada com resultado esportivo e/ou apostas esportivas da seguinte forma: derrota do São Paulo, derrota do São Paulo com uma diferença de gols. Pelo menos cinco jogadores do São Paulo estão envolvidos. Trecho do relatório da Good Game
O que a Good Game apontou na goleada do São Paulo?
Situações "anormais":
Palmeiras 1 x 0 São Paulo
Não interceptou - (15) Michel Araújo
Não pressionou - (20) Gabriel Neves
Não marcou - (35) Beraldo
Não interceptou - (38) Caio Paulista
Não interceptou - (35) Beraldo
Atitude deficiente - (4) Diego Costa
Palmeiras 2 x 0 São Paulo
Atitude deficiente - (20) Gabriel Neves
Não marcou - (13) Rafinha
Corrida baixa - (13) Rafinha
Posição deficiente - (23) Rafael
"Potencialmente anormal"
Palmeiras 4 x 0 São Paulo
Não interceptou - (4) Diego Costa
Não interceptou - (35) Beraldo
Baixo tempo de reação - (35) Beraldo
Gol de pênalti
Atitude deficiente - (23) Rafael
Em relação à manipulação do placar: Partida considerada anormal / São Paulo com anormalidades / Árbitro: normal
Reações
Os dirigentes de Palmeiras e São Paulo já rebateram as acusações de Textor publicamente. Com Leila Pereira, o tom ficou até mais ríspido.
O dono da SAF Botafogo mandou o material para a CPI da Manipulação de Jogos e Apostas no Senado, tentou emplacar uma investigação no STJD, negada inicialmente, e também acionou a polícia do Rio.
Por que a origem é o Palmeiras x Vasco
O questionamento na análise da arbitragem no Palmeiras x Vasco diz respeito à anulação do primeiro gol vascaíno.
A decisão, após análise do VAR, foi flagrar impedimento na jogada que resultou em um chute de fora da área dado por Paulinho. Foi um golaço, mas não valeu.
Os analistas da Good Game pontuaram que a marcação no corpo do defensor do Palmeiras está equivocada.
Para tal, a Good Game chega a fazer uma espécie de bonequinho sobre o corpo do jogador palmeirense e traça uma linha para tentar mostrar o desalinhamento.
"A linha no chão está perfeitamente posicionada para identificar a posição do pé direito do jogador do Vasco. Por outro lado, a linha da projeção do ombro no chão está completamente errada."
Em resumo, o relatório diz que seria anatomicamente impossível que o braço do jogador estivesse no mesmo nível do pé direito.
A empresa diz que a linha deveria estar mais para frente (próxima ao gol), demonstrando ausência de impedimento.
A conclusão da Good Game é que o placar real do jogo deveria ter sido 1 a 1. Ou seja, menos dois pontos para o Palmeiras na classificação.
O que o STJD considerou para rejeitar o inquérito?
Não vejo mínimas possibilidades jurídicas para abertura de inquérito, vez que as razões apresentadas são subjetivas e sem consistência, porque são interpretações unilaterais que não guardam pertinência com a realidade desportiva. José Perdiz, presidente do STJD, em dezembro de 2023
O que Textor disse exatamente à polícia?
Em depoimento no dia 3 de abril, o dono da SAF Botafogo explicou que conheceu a Good Game depois que comprou o Lyon.
À polícia, Textor relatou que "a primeira vez que lhe despertou a confiança de fraudes e manipulação de resultados foi no jogo do Vasco contra o Palmeiras, que o VAR teria traçado uma linha de impedimento equivocadamente".
Ele acrescentou que "passou a buscar evidências técnicas de que estariam ocorrendo essas manipulações". Textor até mostrou aos policiais em seu notebook o replay do gol anulado do Vasco.
O dono da SAF Botafogo disse que "um erro tão grave quanto este não seria possível, indicando que possivelmente seria algo mais grave, algo que poderia ter sido previamente manipulado".
Textor depois mencionou o clássico entre Botafogo e Flamengo. O alvinegro perdeu por 2 a 1. O relatório da Good Game aponta que os dois gols do Fla deveriam ser anulados pelos árbitros.
Na visão dele, houve "três graves erros". Textor disse que o impedimento no primeiro gol do Fla seria "simples ser apitado em qualquer lugar do mundo, até pela existência de uma linha da grande área".
Segundo Textor, "o VAR corrigiria facilmente essa jogada anulando gol, já que o jogador estaria impedido". Ele ainda citou que o árbitro Raphael Claus "teria apressado de maneira atípica o trabalho do VAR afirmando que a jogada teria sido perfeita e que o gol foi válido".
O Palmeiras x São Paulo no depoimento
Com mais relatórios da Good Game pedidos na sequência, o cartola do Botafogo chegou ao jogo Palmeiras 5 x 0 São Paulo.
Segundo o declarante [Textor], de maneira mais bizarra, existiram situações de erro grosseiro de arbitragem, com validação do erro pelo VAR, notadamente numa situação que o juiz marcou um pênalti segundo o declarante inexistente.
"O declarante passou a notar que, rodada após rodada, o Botafogo era prejudicado em jogos, e o Palmeiras era beneficiado", indica o depoimento de Textor.
Quem está na mira é ex-árbitro do Rio
De medida mais prática a respeito do material que Textor levou à polícia do Rio está a investigação direcionada ao ex-árbitro Glauber do Amaral Cunha.
Ele aparece em uma gravação entregue a Textor pelo presidente da Ferj, Rubens Lopes, reclamando de propinas que não teriam sido pagas, em troca de tentativa de manipulação de um jogo do estadual.
Glauber apitou partidas da quarta e da quinta divisões do Rio, mas não está mais no quadro da Ferj.
O Ministério Público do Rio já se mostrou favorável ao mandado de busca e apreensão contra Glauber, seguido de quebra de sigilo de dados. O ex-árbitro já foi à CPI do Senado, mas preferiu manter-se em silêncio.
A Ferj prometeu à Justiça que enviaria todas as súmulas dos jogos com participação de Glauber.
Veja a nota do São Paulo
O São Paulo Futebol Clube mais uma vez é obrigado a vir a público para repudiar e refutar acusações infundadas contra a instituição e, principalmente, contra seus atletas.
O Clube não tolera que afirmações sem provas mais uma vez coloquem em dúvida a lisura e o profissionalismo de seus jogadores e irá seguir trabalhando para que irresponsáveis autores dessas acusações respondam em todas as esferas da Justiça e sejam banidos do futebol.
Por fim, o São Paulo FC espera que o Botafogo, um clube protagonista na história do esporte, resolva suas diferenças e cure feridas esportivas dentro de campo.
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