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Medo do PCC leva torcedores organizados a buscar fim de brigas em São Paulo

Adriano Wilkson, Luís Adorno, e Thiago Braga

Do UOL, em São Paulo

16/02/2023 04h00

Uma série de áudios, textos e postagens atribuídos ao Primeiro Comando da Capital (PCC) tomou conta das redes sociais e grupos de WhatsApp de torcidas organizadas de São Paulo ontem (15) e levou torcedores a propor o fim das brigas no futebol paulista.

Nos áudios, torcedores relatam reuniões nas quais integrantes do PCC teriam ordenado o fim da violência no futebol, motivados pela briga entre Mancha Verde e Gaviões da Fiel há uma semana.

Na ocasião, dezenas de palmeirenses fizeram uma emboscada contra um ônibus da Gaviões, deixando vários rivais feridos. Entre eles, de acordo com os relatos, haveria ao menos um corintiano ligado ao grupo criminoso.

Procurados, a Polícia Civil, o Ministério Público e as lideranças das organizadas não confirmaram a ordem do PCC. Jorge Luís, o presidente da Mancha Verde, negou enfaticamente qualquer contato com a organização (veja abaixo).

Mas a mera possibilidade de a ordem do PCC ser verdadeira já provocou medo em muitos torcedores. Eles agora têm a certeza de que não haverá episódios de violência entre as torcidas paulistas ao menos nas próximas semanas.

Corinthians e Palmeiras se enfrentam hoje em Itaquera pelo Campeonato Paulista. O jogo terá torcida única, como ocorre nos clássicos paulistas desde 2016.

O que dizem os torcedores que temem o PCC

Em áudios e textos encaminhados com frequência no WhatsApp das torcidas, pessoas não identificadas relatam uma série de reuniões desde a última sexta-feira entre líderes de torcida e membros do PCC.

Nessas reuniões, a organização, chamada de "partido", teria demonstrado sua irritação com a última briga entre Mancha e Gaviões e ordenado o fim da violência no futebol paulista, já que um dos envolvidos na confusão seria também integrante do PCC.

O PCC é conhecido por dar "salves", ordens que devem ser seguidas por seus membros e mesmo por pessoas de fora da organização. De acordo com um dos áudios, se houver brigas de torcida enquanto o "salve" estiver em vigor, o líder que permitir a violência será punido com morte.

Presidente nega ordem e diz que torcida quer a paz

Em entrevista ao UOL, Jorge Luís, presidente da Mancha há dois anos, afirmou que tem mantido conversas com outros líderes de organizadas e que eles decidiram que já é hora de buscar a paz. Ele classificou como boato a suposta ordem do PCC. Veja o que ele disse:

"Nossa diretoria, entre nós mesmo, se reuniu na nossa sede. Conversamos e estamos pregando a nossos associados que não vamos admitir cenas de selvageria em campo de futebol."

"É um trabalho que a gente iniciou na Mancha e não teve ordem de ninguém."

"Não houve ninguém abaixo de mim, nem vice, nem diretor, nem liderança de bairro, ninguém conversou com crime organizado."

Ontem, a Mancha, a Torcida Jovem, do Santos, e a Independente, do São Paulo, publicaram notas oficiais proibindo seus membros de se envolverem em confusões. Procuradas, a Jovem e a Gaviões preferiram não se pronunciar.

Já a torcida tricolor postou em seu Instagram: "Em reunião entre nossos líderes, diretoria e conselho, foi determinado que não serão tolerados atos de violência ou covardia entre os integrantes das torcidas. ACABARAM AS BRIGAS, sendo passível de punição e exclusão do quadros de associado".

Afinal, o PCC deu ou não deu ordem às torcidas?

É difícil responder a essa pergunta com certeza. Maior organização criminosa do país, o PCC tem integrantes nas periferias das grandes cidades e em muitas organizações populares, como escolas de samba e torcidas organizadas. É plausível que nas brigas de torcida eventualmente estejam envolvidos membros do PCC.

O grupo também dá ordens frequentes a seus membros, os populares "salves". A polícia e o Ministério Público costumam identificar os "salves" quando eles partem de dentro das cadeias, mas nesse caso as autoridades parecem não ter captado nenhuma mensagem diretamente às torcidas.

O delegado Cesar Saad, que investiga as agressões da semana passada, afirmou que irá apurar se os áudios e textos trocados ontem são verdadeiros. Um membro do Ministério Público afirmou que o órgão não recebeu informações oficiais sobre a suposta ordem do PCC, mas que irá investigar o assunto. Até agora, nenhuma prisão foi feita.

A reportagem conversou com dezenas de torcedores, lideranças e pessoas que conhecem a dinâmica das torcidas paulistas ontem. Um torcedor com décadas de experiência em uma das torcidas resumiu o caso assim:

Se essa história do PCC é verdade ou não, é difícil saber. Mas o que é verdade é o efeito que a história está tendo sobre as torcidas. Quem vai brigar agora? Ninguém vai se arriscar a desafiar uma 'ordem do PCC'."