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Lateral brasileiro luta com depressão e não toma remédio por doping

Danilo Soares, lateral brasileiro do Bochum (ALE), em partida contra o Bayern - Joosep Martinson/Getty Images
Danilo Soares, lateral brasileiro do Bochum (ALE), em partida contra o Bayern Imagem: Joosep Martinson/Getty Images

Eder Traskini

Do UOL, em Santos (SP)

01/07/2022 04h00

A professora pode ter ensinado a coisa mais importante do ano letivo, mas, naquele dia, Danilo não saberia dizer. Sentado no fundo da sala, capuz sobre a cabeça e silêncio nos lábios, o garoto não tinha ânimo para nada. Os amigos do antigo primeiro colegial perceberam a mudança no comportamento, assim como a professora.

Danilo Soares chegou em casa e anunciou para sua mãe: "não quero mais ir para a escola". Ela quis saber o porquê, mas ele não sabia explicar. No dia seguinte, o jovem também se recusou a ir para o treino de futebol. Foi aí que a mãe percebeu que algo, de fato, estava errado com o filho. Era depressão.

"Segundo a psicóloga, deu-se pela separação dos meus pais. Eu não sentia isso, mas a gente não explica o emocional. Meus pais estavam se separando, eu entendia a situação, mas não achava que estava me afetando tanto. Pelo que parece, me afetou", contou Danilo Soares, lateral-esquerdo do Bochum (ALE) em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

Danilo fez acompanhamento psicológico e tomou remédios. Seis meses se passaram até que ele encontrasse forças para retomar os estudos, via supletivo, para recuperar o tempo longe da sala de aula.

"Sabe quando você desliga uma chave? Pra mim foi assim, desligou uma chave e eu perdi a vontade de tudo. Logo depois veio o ataque de pânico, também. Fiquei com medo de várias coisas. Se tinha tiro na televisão, eu ficava assustado e pensava que podia acontecer alguma coisa. Minha mãe saía de carro e eu achava que ela ia morrer, falava pra ela não ir. O remédio te ajuda a ter equilíbrio."

Mesmo após tantos anos, hoje Danilo ainda trata a doença. E a luta é diária.

Danilo Soares com a filha - Joosep Martinson/Getty Images - Joosep Martinson/Getty Images
Imagem: Joosep Martinson/Getty Images

Depois disso, nunca mais tomei remédio, mas já tive senti pânicos repentinos em algumas situações, senti uma tristeza profunda em determinados momentos, em que eu não tinha vontade de fazer nada. É aquilo: tem que trabalhar diariamente sua cabeça, entender o porquê. Às vezes, você se questiona muito: por que vou fazer isso? Não tem necessidade, não quero fazer. Às vezes, você tem que buscar motivação para ficar feliz, hoje em dia para brincar com a minha filha".

Tem situações em que me vejo muito quieto e sinto que estão batendo uns sintomas de depressão. E aí você tem que conversar contigo mesmo: e aí, você vai deixar se abater ou você vai lutar? Na maioria das vezes, depois que eu tive na infância, eu tento lutar. Como eu não posso tomar remédio por causa de doping, então eu tenho que seguir trabalhando a cabeça. O remédio ajuda muito, mas como eu não posso, tem que trabalhar diariamente a cabeça para não deixar voltar. Sigo lutando".

O UOL Esporte, no entanto, conversou com psicólogos de clubes da Série A do Brasileirão que afirmaram que existem remédios eficazes no tratamento da depressão e do transtorno de ansiedade que não são proibidos. Ainda lembraram que o clube poderia entrar com uma solicitação pedindo autorização para os remédios utilizados no tratamento da depressão serem usados sem que o atleta corra o risco de ser punido por doping.

Lesão fez parar por dois anos

Danilo Soares atuava no Ingolstadt, da segunda divisão da Alemanha, quando viu o que começou como uma frieira se tornar uma lesão que o afastou dos gramados por dois anos. O Departamento Médico do clube alemão examinou e diagnosticou uma inflamação. A orientação foi de cortisona e o lateral tomou injeções por um mês durante o fim da temporada, ajudando a garantir o acesso do clube à primeira divisão.

As consequências, porém, foram graves. O dedo em questão se tornou 'morto' e Danilo perdeu o movimento da região. Depois de várias consultas, operou a região e o procedimento colou os ossos de uma forma que fez com que o jogador perdesse a mobilidade do dedo na hora de correr. Resultado: uma nova cirurgia foi necessária.

"Eu tinha contrato com a Nike e fizemos uma palmilha de carbono e uma chuteira com a forma do meu pé, mas eu ainda mancava. Chegou interesse do Hoffenheim e eu fui muito sincero: eu não tenho como dar 100% de mim por causa da lesão. O Ingolstadt ficou chateado por eu não ter aceitado a proposta do Hoffenheim. Fui no médico da seleção alemã e ele me falou que se eu continuasse jogando, eu podia acabar com a minha carreira. Voltei ao clube e os médicos ficaram chateados por eu ter procurado outro médico. Eu fui claro: estou procurando uma solução para que eu possa voltar a jogar. Eles me deixaram treinando separado para tratar e a partir daí fiquei assim até o fim do meu contrato. Ninguém me passou treino físico, eu cheguei a pedir, mas o preparador físico disse que não poderia, pois a ordem vinha de cima", contou Danilo, sem esconder a mágoa com o antigo clube.

Depois da segunda cirurgia, o lateral se transferiu ao Hoffenheim, mas acabou não jogando. Foi aí que Julian Nagelsmann, então comandante do time e hoje técnico do Bayern, conversou com ele. "Ele disse: 'você é um bom jogador, mas você precisa jogar. Você estava machucado e precisa desse ritmo de jogo de novo. Infelizmente, aqui você não vai ter esse tempo de jogo'. Isso me ajudou. Ele foi claro, não ficou me enrolando. Me aconselhou a ir para um time onde eu fosse jogar, não outro time que eu não tivesse tanto tempo de jogo. Guardei isso pra mim e me ajudou na escolha futura", lembrou.

Pouco depois, Danilo acertou com o Bochum, da segunda divisão da Alemanha, e ajudou o clube a retornar à Bundesliga após 11 anos.

Sonho do Galo

Criado em Belo Horizonte, Danilo vem de uma família de cruzeirenses. No entanto, em dado momento da infância, ele pediu autorização para ser do contra.

"Eu fui o único que escolhi ser atleticano. Tentaram me mudar, meu pai me deu uma camisa do Cruzeiro. Cheguei a ser cruzeirense mais novo, mas assistindo a um jogo do Atlético, perguntei se eu tinha poder de escolha e ela disse que sim. Então, falei que queria torcer para o Atlético", lembrou.

O lateral construiu a carreira toda na Europa e conta estar bem adaptado ao continente e estilo de vida de lá. Porém, atuar pelo clube do coração é algo que mexe com seus sentimentos.

"Encerrar a carreira no Atlético é um sonho. Quem sabe. Seria a única coisa que me faria trocar (deixar a Alemanha e voltar ao Brasil). Realizar esse sonho de jogar no clube do coração. Fora isso, muito difícil voltar. Minha esposa gostaria que eu voltasse pela família, ela sente falta. Mas hoje temos duas crianças e isso pesa muito na escolha", afirmou.