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Baiano conta que ex-presidente da Argentina o defendeu de racismo no Boca

Baiano, lateral brasileiro que defendeu o Boca Juniors em 2005 - Ali Burafi/AFP
Baiano, lateral brasileiro que defendeu o Boca Juniors em 2005 Imagem: Ali Burafi/AFP

Augusto Zaupa e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo

15/05/2022 04h00

Três semanas depois do ato de racismo por parte de um torcedor do Boca Juniors, que acabou detido na Neo Química Arena após imitar um macaco, o Corinthians reencontra o clube argentino nesta terça-feira (17), desta vez em La Bombonera. Um brasileiro que defendeu as cores do clube argentino sabe que o ambiente é hostil por lá: há 17 anos, o ex-lateral direito Baiano sofreu atos de injuria racial dos próprios colegas na equipe de Buenos Aires.

"Estava no céu, mas o que aconteceu dentro do vestiário me decepcionou muito, ao ponto de pedir para pagar para vir embora. Me decepcionou muito porque eles [jogadores] conviviam comigo, sabiam do meu caráter, sabiam o que eu estava fazendo", recordou o ex-jogador de 43 anos, que hoje é auxiliar técnico do sub-15 do Red Bull Bragantino, em entrevista ao UOL Esporte.

"Chegou ao ponto de o Mauricio Macri, presidente na época do Boca Juniors e que já foi até presidente da Argentina, fazer uma reunião com os jogadores mais velhos e pedir para eles me deixarem em paz, mas só piorou a situação", acrescentou o ex-lateral, que também atuou por Palmeiras, Santos, Atlético-MG, Las Palmas-ESP e Vasco, entre outros.

Baiano comemora gol do Boca Juniors - AFP/Daniel Garcia - AFP/Daniel Garcia
Baiano comemora gol do clube argentino
Imagem: AFP/Daniel Garcia

A passagem de Baiano, que atualmente trabalha como auxiliar-técnico do time sub-15 do Red Bull Bragantino, pelo Boca durou cerca de oito meses. Apesar do início promissor no clube Xeneize, a relação entre as partes começou a ruir após o episódio de racismo envolvendo Grafite, hoje comentarista dos canais Globo. Em jogo pela Libertadores de 2005, o zagueiro argentino Leandro Desábato, que estava no Quilmes, foi preso ainda no gramado do estádio do Morumbi por ofender o então atacante do São Paulo. Então, da noite para o dia, a vida de Baiano foi do céu ao inferno.

"Eu estava no céu. O Boca era o melhor clube do mundo naquele momento, estava na frente do Real Madrid, do Barcelona... Era uma geração vencedora, com Palermo, Schiavi, Cristian Traverso, Guillermo Schelotto e Riquelme, todos feras. Estava morando em Puerto Madero com a minha família. De verdade, eu estava no céu. Quando aconteceu o episódio com o Grafite, no Morumbi, eu não tinha nada a ver, só que eu era o único negro brasileiro jogando em 2005 no centenário do Boca."

"No outro dia [ao caso com Grafite], mais de 100 repórteres [estavam no treino do Boca]. Isso me atrapalhou demais. Tive um primeiro tempo maravilhoso, esplendoroso, e um segundo tempo para esquecer, onde eu não consegui suportar a pressão. Era um problema que não era meu. O Grafite, uma semana depois, tirou a queixa [crime contra o Desábato]."

Desábato deixou o estádio no carro da Polícia Civil e só pôde voltar à Argentina dali a 43 horas, após passar duas noites na cadeia e pagar fiança de R$ 10 mil.

"Eu não culpo o Grafite, culpo a mim mesmo por não ter suportado, estava sendo chicoteado por um problema que não era meu dentro do vestiário, pelos próprios jogadores do Boca. Foi uma grande decepção, prefiro deixar lá o que aconteceu no vestiário", desabafou o ex-lateral.

"Não tenho mágoa nenhuma do Grafite. Confesso que, no primeiro momento, eu fiquei muito chateado [por ele ter retirado a queixa crime contra o zagueiro argentino], mas ficou no passado. Só tenho gratidão por ter jogado no Boca, porque as pessoas, quando lembram de mim no Boca, lembram das coisas boas que eu fiz lá: gols, assistências. Isso não vai mudar, Se Deus permitir de ter um encontro com ele [Grafite], pode ter certeza que eu vou falar sobre qualquer coisa, menos isso, porque passou."

Casos de racismo estão se repetindo

A entrevista com Baiano ocorreu justamente na noite de 26 de abril, horas antes do caso de racismo na Neo Química Arena. O torcedor argentino Leonardo Ponzo chegou a ser detido ao imitar um macaco para a torcida do Corinthians. Ele foi liberado sob pagamento de fiança e debochou da detenção "relâmpago" e, ao lado de um colega de arquibancada, voltou a proferir ofensas racistas a corintianos e brasileiros.

Somente nesta edição da Libertadores, outros quatro casos de racismo contra brasileiros foram registrados. O primeiro foi o de um torcedor do River Plate, que atirou uma banana em direção à torcida do Fortaleza, no Monumental de Nuñez, em 13 de abril. Duas semanas depois, torcedores do Estudiantes de La Plata, mais um time argentino, fizeram sons de macacos para os do Red Bull Bragantino. Houve, ainda, registros semelhantes no Equador, na visita do Palmeiras ao Emelec.

Na última segunda-feira (9), em documento enviado às associações nacionais, a Conmebol deixou mais duras as punições previstas em casos de racismo. A mudança regulamentar envolve o artigo 17. Assim, a multa mínima aos clubes em decorrência de atos discriminatórios de torcedores passou dos US$ 30 mil (cerca de R$ 152 mil) para US$ 100 mil (cerca de R$ 507 mil). Além disso, o Comitê Disciplinar da Conmebol pode ainda determinar, segundo a nova redação, que um clube tenha que jogar de portões fechados ou com interdição parcial do seu estádio.

Outros trechos da entrevista com Baiano

Carinho pelo Boca permanece

"Fiz gol no Mineirão, no Morumbi, em grandes estádios. Mas em La Bombonera é diferente, porque o estádio realmente treme, aquela torcida é algo que não tem explicação. A torcida cantando uma música com o teu nome, em outro país. Fui para substituir um grande ídolo do Boca, o Hugo Ibarra, que a torcida não sentiu falta. É algo maravilhoso, esplendoroso... Não tenho palavras para descrever a sensação de alegria de ter vestido a camisa do Boca e ter feito gol ali. Tenho gratidão por ter convivido com Maradona, que estava passando por um momento difícil na vida. Mas quando o homem ia em La Bombonera, tirava a camisa e começava a rodar, aquilo era uma loucura. Pude viver isso, os meus filhos puderam viver isso, e ter esta história para contar é algo assim que emociona. Jogar no centenário do Boca, fazer gol em Libertadores pelo Boca, com Maradona na arquibancada prestigiando, é algo que ninguém apaga."

Relação com Maradona

"Depois dos jogos, ele descia ao vestiário e ele beijava todo mundo. Beijava o Palermo, o goleiro Abbondanzieri. Inclusive, em uma das vezes, ele foi com o Mancuso, ex-volante do Palmeiras [também passou pelo Flamengo]. O Maradona falou para mim que eu era muito bom marcador, que eu era muito bom lateral e desejava toda sorte do mundo na minha carreira. Fiquei muito feliz e o abracei, e ele me abraçou, beijou, eu tirei foto. Na ocasião, foi algo muito sublime. Depois de eu ter feito dois gols na Libertadores, ele desceu [ao vestiário], foi contra o Pachuca-MEX e o Sporting Cristal-PER."