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Campeão em 1995 pelo Bota pede calma com SAF: 'muita coisa para acontecer'

Augusto Zaupa, Bernardo Gentile e Vanderlei Lima

Do UOL, em São Paulo e no Rio de Janeiro

29/01/2022 04h00

O Botafogo assinou há cerca de duas semanas o contrato de venda da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) para a Eagle Holdings. A empresa do bilionário norte-americano John Textor irá investir de R$ 350 milhões no clube em três anos e ainda assumirá as dívidas esportivas (cobranças na Fifa, CBF e Ferj). Apesar da euforia dos torcedores alvinegros, o ex-zagueiro Wilson Gottardo, campeão brasileiro em 1995 pelo Fogão, pediu cautela para evitar novas frustrações.

Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Gottardo, 58, evitou afirmar que o Bota está traçando o mesmo caminho de sucesso, tanto admirativamente como em campo, empregados por Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG.

"Não é uma situação confortável, tem muita coisa ainda para acontecer. Eu conheço um pouco da pessoa do presidente do Botafogo [Durcesio Mello], um cara muito bacana, muito sério. Ele tem ótima intenção e humildade ao saber delegar. Tem lá o CEO, que é o Jorge Braga, tem o diretor de futebol [Eduardo Freeland] e tem mais os vice-presidentes. É um trabalho feito a muitas mãos. Porém, você precisa do óleo para lubrificar essa engrenagem e isso se chama dinheiro. Para fazer a captação disso aí, você tem que estar sempre bem colocado, disputando títulos e produzindo talentos na base, e saber vender bem", analisou o ex-defensor, que também chegou a trabalhar como diretor-técnico do time carioca em 2014.

Túlio Maravilha beija a taça do Brasileiro de 1995, conquistada pelo Botafogo - Reprodução Flickr Botafogo - Reprodução Flickr Botafogo
Túlio Maravilha beija a taça do Brasileiro de 1995, conquistada pelo Botafogo
Imagem: Reprodução Flickr Botafogo

"Aí você começa novamente a encher o seu cofre, gastando ainda muito pouco e com muita qualidade. É preciso ter sustentação, tem que ter muito mais do que só organização estrutural, você tem que ter um elenco extenso, forte, que uma peça quando for substituída não perca muito de rendimento. O Botafogo tem que estar muito atento [em 2022]. Achar que já está bom será o maior inimigo", acrescentou.

É preciso ser transparente com a torcida

Além do aporte financeiro de R$ 350 milhões que fechou com a Eagle Holdings, o Botafogo conseguiu, meses antes, o acesso à elite do Brasileirão 2022. Assim como já fez o diretor-executivo Eduardo Freeland, que pediu pés no chão, Wilson Gottardo disse que é preciso ser claro com a torcida, revelando as reais metas para esta temporada.

Rodrigo Fabri disputa lance com Wilson Gottardo em lance de Portuguesa x Botafogo em 1996 - Reprodução/O Estado de S. Paulo - Reprodução/O Estado de S. Paulo
Rodrigo Fabri disputa lance com Wilson Gottardo em lance de Portuguesa x Botafogo em 1996
Imagem: Reprodução/O Estado de S. Paulo

"São decisões que tem que acontecer sem influência externa. Posso citar como exemplo o ex-presidente do Flamengo, o [Eduardo] Bandeira [de Mello]. Ele falou: 'ó, vamos ficar anos sem conquistar nada'. Por sorte, nessa caminhada conquistou uma Copa do Brasil. Era só você observar os comentários dos torcedores. Os caras detestavam o Bandeira por causa disso, eles não querem saber de dívidas, eles [torcedores] querem saber de títulos, e não é certo isso. O Botafogo está no caminho certo e a torcida tem que entender que não é tão simples assim. O discurso tem que ser mantido: 'olha, não vai ser fácil, o ano vai ser assim, as rédeas estão puxadas, estão curtas, vamos tentar investir, vamos tentar promover mais a garotada da base, lapidar mais esses garotos que eles não estão prontos ainda", comentou Gottardo, apontando ainda quais os principais pontos que a diretoria deve foca.

"[Tem que] tentar ir mais longe possível na Copa do Brasil porque paga bem. O Botafogo vai entrar na terceira fase da Copa do Brasil no ano que vem, quase faturando R$ 2 milhões. Agora, o torcedor racional pensar assim eu acho difícil, mas o discurso tem que ser dito, tem que falar e tem que ser duro no falar. Você quer o Botafogo acabe daqui a cinco, seis, dez anos ou você quer o Botafogo maior daqui nesse tempo exatamente? O Botafogo é muito querido lá fora, tem a imagem do Garrincha, Nilton Santos, muita coisa ainda atrai ao Botafogo, chama atenção", acrescentou.

Confira outros trechos da entrevista com Gottardo:

UOL Esporte: Você foi campeão brasileiro pelo Botafogo em 1995, naquela final contra o Santos. Muito ainda se fala sobre as decisões do árbitro Márcio Rezende de Freitas na partida de volta, no Pacaembu. Como é conviver ainda com essa polêmica?

Gottardo: Não tem como contornar isso, é difícil. Cada um tem uma opinião, principalmente o torcedor santista, ele é muito machucado com isso. Eu vejo que no primeiro jogo [vitória do Bota por 2 a 1, no Maracanã] teve uma jogada bem interessante no primeiro tempo, era o terceiro gol do Botafogo e ele [o árbitro Sidrack Marinho dos Santos] não deu a lei da vantagem numa jogada nítida e anulou o terceiro gol. Vai ter sempre um insatisfeito. Agora, não queira tirar o brilho, o valor da conquista do Botafogo. O Botafogo conquistou aquilo de uma maneira quase sobrenatural. Não tinha condições, foi um elenco montado duas, três semanas antes da competição. Fui um dos últimos a chegar porque eu estava no São Paulo emprestado, o Gonçalves e o Donizete vieram do México um pouquinho antes, já tinha o Sérgio Manoel, Túlio [Maravilha], o Leandro Ávila veio do Vasco da Gama, não renovou contrato, o Jamir chegou do Grêmio também estava meio que afastado lá.

Wilson Gottardo    - Reprodução - Reprodução
Wilson Gottardo
Imagem: Reprodução

UOL Esporte: E se em 95 a final fosse contra o Fluminense, que foi eliminado pelo Santos na semifinal?

Gottardo: Eu acho que seria mais difícil para o Botafogo vencer, pelas características do time do Fluminense. O Geovanni é um cracaço, você tinha lá o Marcelo (Passos), Narciso, Jamelli, Robert e tinha um jogador do Santos, que não jogou no segundo jogo. Até falei graças a Deus que ele não jogou, o moreninho que jogava na lateral e jogava de meia também (Wagner). Mas o time do Fluminense que era treinado pelo Joel Santana, era muito consistente. Tinha a famosa frase: os guerreiros das Laranjeiras.

UOL Esporte: O título brasileiro de 95 foi um divisor de águas para o Botafogo? Por que não ganhou mais nada de expressão desde então?

Gottardo: Na dupla Mineira, a situação do Cruzeiro é caótica. Ela foi construída há cinco, seis, dez anos. Então, chegou a conta para pagar. Não bastasse isso, o Atlético-MG cresceu, evoluiu muito, conseguiu um patrocínio absurdo que todo mundo já sabe a origem, o dinheiro e as suas garantias que existem ali pelo patrocinador. Não bastasse a desgraça de um, o outro evoluiu muito estruturalmente. A situação do Botafogo ficou assim também, com muita dificuldade conquistou o título de 95, não foi fácil. A gente tinha pouca condição de trabalhar, mas tinha uma diretoria bacana, tinha um presidente, o [Carlos Augusto] Montenegro. Outro que foi fundamental foi o português Antônio Rodrigues, um português botafoguense, e não vascaíno. Tinha um outro diretor que vinha logo atrás que era o Edson Santana. O Botafogo acabou perdendo espaço ao longo desses anos, enquanto os outros clubes foram se estruturando. Naturalmente, parou um pouco no tempo, sem verba, com falhas de administração.