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Palmeirense pediu Libertadores com gol de Deyverson no Muro das Lamentações

Brasileiro pediu gol de Deyverson no muro das lamentações - Arquivo pessoal
Brasileiro pediu gol de Deyverson no muro das lamentações Imagem: Arquivo pessoal

Aurélio Araújo

Colaboração com o UOL, de São Paulo

16/12/2021 04h00

Apaixonado pelo Palmeiras, Gabriel Horesh Holzhacker mora em Israel há mais de duas décadas. Quando o clube chegou à final da Libertadores de 2021 diante do Flamengo, ele não teve dúvida: foi até o Muro das Lamentações e escreveu ali seu desejo num papelzinho, deixado nas frestas do muro. Pediu, naturalmente, o título, mas foi além. Queria um gol de um herói improvável: Deyverson.

O Muro das Lamentações fica em Jerusalém, cidade onde reside, e é o lugar mais sagrado em que judeus podem fazer suas orações. Também chamado de Muro Ocidental, é um traço remanescente do Templo de Herodes, que foi destruído pelos romanos em 70 d.C., exceto por essa parte.

É comum que judeus do mundo todo visitem o muro, tão importante para a história do seu povo. Muitos deixam suas orações escritas em bilhetinhos como o do palmeirense, que são colocados entre os blocos que compõem a muralha.

"Eu não sou religioso, sou 100% secular", explica o torcedor ao UOL Esporte sobre o que o motivou a ir até o muro. "Mas eu queria tentar, né, pô. Sabia que prejudicar não ia."

Deyverson foi escolhido por uma superstição. "O Palmeiras tem uma tradição de que quem marca os gols dos títulos são os jogadores mais improváveis", diz, citando como exemplos Betinho, na Copa do Brasil de 2012, e Breno Lopes, na Libertadores de 2020.

"Então, eu escrevi lá: eu peço que o Palmeiras vença jogando um futebol bonito e convincente. Mas, se não der certo, 1 a 0 com gol do Deyverson está bom também", ri.

Mas só orar não era o bastante para o fanático pelo Palmeiras. Ele precisava também ir até o Estádio Centenário, em Montevidéu, no Uruguai, ver a final. Queria assistir de perto caso o pedido se concretizasse - nem que, para isso, tivesse que deixar em Israel a mulher e três filhos pequenos, de 5, 3 e 1 ano de idade.

"Quando o Deyverson entrou, ele [o treinador Abel Ferreira] tirou o Raphael Veiga, a torcida enlouqueceu, né. Como você tira o seu melhor jogador de ataque, que já tinha feito o primeiro gol? E não é como se tivesse saído lesionado, foi opção do técnico", relembra Holzhacker.

Ainda assim, ele estava confiante no pedido que havia feito. Cinco minutos após a entrada de Deyverson, Andreas Pereira, do Flamengo, se enrolou de forma inexplicável com a bola. "Foi estranho. Eu não acredito em Deus, mas aquilo estava escrito", prossegue o torcedor, que viu ao vivo o atacante palmeirense roubar a bola e, em suas palavras, dar um chute "péssimo, fraco e em cima do goleiro", mas que bastou.

Assim, a concretização do gol conferiu ares místicos ao seu pedido no Muro das Lamentações, um mês antes. O torcedor conta que, na comemoração, as pessoas ao seu redor apontaram para ele e disseram: "você é o profeta da Terra Santa!"

Uma paixão à distância

A paixão de Holzhacker, hoje com 34 anos, foi herdada do pai. Enquanto morou no Brasil, na infância, foi muito ao estádio e lembra com carinho, por exemplo, de estar no Morumbi na final da Copa do Brasil de 1998, quando o Palmeiras levou o título sobre o Cruzeiro.

Mas antes que pudesse ver o clube conquistar a sua primeira Libertadores, no ano seguinte, veio a mudança para o Oriente Médio, algo que ocorreu por questões familiares. "Para os judeus, mudar para Israel é sempre algo que está em pauta", explica.

Ainda assim, garante que conseguiu acompanhar aquele título: o pai ainda viajava para o Brasil e trazia de volta VHS com vitórias importantes da campanha, como a semifinal contra o River Plate e a final contra o Deportivo Cali.

Acompanhar o Palmeiras de tão longe não é fácil e já foi bem mais difícil, na época em que a internet não tinha informações do mundo inteiro, como hoje. Mas Holzhacker nunca deixou de seguir seu time de coração, acordando de madrugada para ver ou ouvir as partidas.

"Tenho vivido o Palmeiras intensamente nos últimos 22 anos", resume. Nesse tempo, visitou o Brasil algumas vezes, cuidadosamente planejando viagens para coincidir com partidas que pudesse ver no estádio, como a final da Copa do Brasil de 2012 e a semifinal da Libertadores de 2018.

"Se me perguntam sobre o que eu tenho saudades do Brasil, é o Palmeiras. É o que falta na minha vida aqui."

Deixando mulher e filhos por um sonho

Faltava realizar um sonho: ver uma final de Libertadores com o Palmeiras direto do estádio, algo que não pôde fazer em 99 e 2000. Em janeiro de 2021, ainda pela edição do ano anterior, o clube alviverde chegou lá, diante do Santos. Mas aquela final foi fechada para torcedores comuns e o Brasil ainda estava afundado no drama da pandemia.

Israel é um país que levou mais a sério o lockdown e, por isso mesmo, foi até difícil se reunir para assistir ao jogo com os amigos do Porco Hebreu, grupo de torcedores alviverdes em terras israelenses. Numa tentativa de deixar Jerusalém para ir a outra cidade ver o jogo, Gabriel Horesh Holzhacker foi parado por um policial e teve de inventar que estava indo para o hospital para que fosse liberado.

Nem mesmo puderam fazer muito barulho na final contra o Santos, já que os vizinhos poderiam denunciar os palmeirenses se desconfiassem de uma aglomeração ilegal. "Se já foi difícil fazer um encontro aqui em Israel para aquela final, viajar nem pensar."

Quis o destino, porém, que o clube chegasse à final também da edição de 2021. Mesmo com filhos pequenos, ele diz que sempre preparou a mulher para o fato de que, quando tivesse a chance de ver o Palmeiras numa final da Libertadores, ele largaria tudo que estivesse fazendo. "Quando passamos pelo Atlético [na semifinal], ela mesmo já virou para mim e falou: 'bom, então você vai, né?'"

Esporte e transformação social

Holzhacker também é um dos fundadores de uma ONG que estimula a interação entre crianças árabes e judias por meio do futebol, batizada de Gol da Igualdade. A instituição foi tema de uma matéria do "Fantástico" em 2016, o que motivou um convite da comunidade judaica de São Paulo e da CBF para que as crianças do projeto visitassem o Brasil.

A visita aconteceu durante as Olimpíadas daquele ano, realizadas no Brasil, e o palmeirense, é claro, deu um jeito de que a turma visitasse o Allianz Parque, estádio do clube, e visse um jogo do time da casa contra o Vitória, pelo Campeonato Brasileiro de 2016.

"Se você for analisar a sociedade israelense, o principal ponto de coexistência entre judeus e árabes é o futebol. Nas escolas, por exemplo, são poucas em que eles estudam juntos", diz Holzhacker, que é advogado de formação, mas que deixou o direito de lado para se dedicar ao esporte e ao ativismo social.

"Mas muito do que instiga o ódio é a ignorância, a falta de conhecimento. A partir do momento em que um menino judeu joga futebol com um menino árabe, ele vê que no final é a mesma coisa. Todos querem ganhar, todos choram se perdem, todos gostam do Cristiano Ronaldo, do Messi e do Neymar. Aí você vê que a diferença não é tão grande assim."