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Há 37 anos, torcidas rivais marchavam juntas contra ditadura e por diretas

Adriano Wilkson e Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

06/12/2021 04h00

Quatrocentos mil. Um milhão. Um milhão e meio. Ninguém sabe o número exato de manifestantes que compareceram ao maior dos comícios do movimento Diretas Já, em São Paulo, no dia 16 de abril de 1984. E poucos lembram que, entre a multidão que clamava por democracia, estiveram representantes de torcidas organizadas paulistas. Se hoje essas organizações frequentemente se enfrentam e vivem sob um clima de animosidade, houve um tempo em que elas se juntaram em torno de um objetivo comum: votar para presidente.

"Nós atuamos muito em conjunto com a sociedade. A batucada da Gaviões da Fiel e da Torcida Jovem animava os comícios na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita. A bateria das Diretas Já era a bateria da Torcida Jovem e da Gaviões. Foi uma coisa maravilhosa", conta Cosmo Damião, fundador da maior organizada santista.

Essa é uma das histórias apresentadas em "Sobre meninos e porcos", a terceira temporada do podcast "UOL Esporte Histórias". O programa seriado narra as idas e vindas das torcidas nos anos 80, inclusive o envolvimento delas com a política da época. Confira o segundo episódio no player acima e nas principais plataformas de áudio.

Presidente da Gaviões da Fiel nos anos 80, Ariovaldo Aparecido da Silva também lembra com carinho daquele momento. "A gente fazia as faixas da democracia e levava para a rua com o nosso dinheiro. Pintava as faixas dia e noite."

Os brasileiros precisaram esperar para ver os resultados do movimento. A proposta para voto direto foi rejeitada pelo Congresso Nacional, que elegeu, via colégio eleitoral, Tancredo Neves para a presidência. Era o primeiro presidente civil após duas décadas de ditadura militar. Só em 1989 os eleitores puderam, enfim, escolher livremente o próximo presidente.

Diretas - José Nascimento/Folhapress - José Nascimento/Folhapress
Wladimir, Sócrates, Juca Kfouri e Osmar Santos participam de comício pelas Diretas Já
Imagem: José Nascimento/Folhapress

"Esse povo de hoje não sabe o que era a ditadura", diz Ariovaldo. Ele conta que, além de faixas e baterias, a torcida corintiana se mobilizou para levar apitos e camisetas aos protestos. "Tínhamos que fazer um barulho ensurdecedor, de povo na rua", diz o ex-presidente da Gaviões. "Eu aprendi a fazer silk, pintura de camisetas, e as pessoas começaram a pedir. O Sócrates, a Rita Lee, o Wladimir e o Jair Picerni, que veio para São Paulo ser técnico do Corinthians e dormia no chão do apartamento onde eu fazia as camisetas."

No ano passado, uma parte das torcidas voltou a se unir em protestos contra o governo do presidente Jair Bolsonaro, invocando o passado de luta democrática das organizadas. Em São Paulo, membros da Gaviões e da Mancha Verde, rivais históricos, foram vistos na mesma manifestação na Av. Paulista, embora eles tenham se estranhado no final da passeata.

Foi um clima diferente daquele grande comício em 84, quando, de acordo com os relatos dos presentes, houve harmonia entre os rivais. "Esses anos 80 foram brilhantes para as torcidas organizadas. Anos de politização e de conquistas", diz Cosmo Damião. "Nesse dia, nesse grande comício, havia a Leões da Fabulosa, a TUP, a Mancha e a Independente. Todas as torcidas que existiam na época compareceram, mas o carro-chefe era a Torcida Jovem e a Gaviões. Eu, inclusive, ajudei na organização do comício, com o nosso querido Osmar Santos ali na locução. Foi uma coisa brilhante, inesquecível para esse país."

Sobre meninos - UOL - UOL
Podcast "UOL Esporte Histórias - Sobre Meninos e Porcos" - Episódio 2: E ninguém vai me segurar
Imagem: UOL

"Sobre Meninos e Porcos" é a terceira temporada do premiado podcast UOL Esporte Histórias, que conta a história de como as torcidas organizadas saíram da festa e chegaram à violência. O relato é centrado no assassinato de Cleo Sóstenes em outubro de 1988, considerado o marco da chegada das armas de fogo às brigas de torcida. Você pode conhecer essa história, que os repórteres Adriano Wilkson e Daniel Lisboa investigam há um ano, em um podcast de seis episódios.

1: Respeito é pra quem tem
2: E ninguém vai me segurar
3: Sangue derramado
4. Calibre 38
5. Chumbo de caça
6. Sem saída

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