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Narrador Luís Roberto já comandou duelo entre torcidas organizadas na TV

Adriano Wilkson e Daniel Lisboa

Do UOL, em São Paulo

03/12/2021 04h00

Que tal colocar duas torcidas organizadas rivais lado a lado dentro de um pequeno estúdio de TV? E incentivar a competição entre elas?

Parece uma ideia arriscada. Mas a TV Gazeta a levou adiante em maio e junho de 1988, quando transmitiu o "Show de Bola", um campeonato de perguntas e respostas no qual as agremiações participavam de duelos mata-mata a cada semana.

Apresentado por Roberto Avallone, ícone do jornalismo esportivo, e um jovem Luís Roberto, hoje narrador da TV Globo, o programa contou com a participação de Mancha Verde e TUP, do Palmeiras, Independente e Dragões da Real, do São Paulo, Camisa 12 e Fito (Fiel Torcida de Osasco), do Corinthians, e Leões da Fabulosa, da Portuguesa.

Essa e outras histórias você escuta em "Sobre meninos e porcos", a terceira temporada do podcast "UOL Esporte Histórias". Confira o segundo episódio no player acima e nas principais plataformas de áudio.

As semifinais foram disputadas entre TUP e Leões da Fabulosa e Mancha Verde contra Independente. A organizada palmeirense se classificou à final contra a torcida da Lusa, que acabou campeã.

Luis Roberto - Reprodução - Reprodução
Em reprodução de VHS, narrador Luis Roberto apresenta programa "Show de Bola" da TV Gazeta
Imagem: Reprodução

Alguns trechos do "Show de Bola" estão disponíveis no YouTube. Ao assisti-los, a impressão é a de que, ao menos dentro do estúdio, o clima era de brincadeira e respeito às regras. Os representantes de cada agremiação se enfrentavam em duplas. Os apresentadores faziam a pergunta. Quem apertasse primeiro o botão do aparelho, ganhava o direito de tentar acertá-la.

Na disputa entre Mancha Verde e Dragões da Real, por exemplo, Cleo, fundador e presidente da Mancha, foi mais rápido que o adversário são-paulino. E acertou a pergunta sobre quem marcou o gol do Brasil no jogo contra a Espanha pela Copa do Mundo de 1986 (Sócrates).

"Ele [Cleo] participou do programa por conta da agilidade dele. Era um cara extremamente forte, apesar de não aparentar fisicamente. Ele era massa muscular pura, tinha uma velocidade que era impressionante", lembra Paulo Serdan, um dos fundadores e ex-presidente da organizada palmeirense. "O que ele corria, aquele desgraçado. Ele participou por isso, porque que tinha que apertar o botão."

Cleo é até hoje um dos torcedores mais celebrados da torcida e aparece em faixas e bandeiras em todos os jogos do Palmeiras em casa. Mas se Cleo só participou do programa por conta de seus atributos físicos, como ele acertava as perguntas? "O Valter Pelegrini, historiador do Palmeiras, conhecia o Palmeiras de cabeça para baixo. Ia ao programa e ficava sentado na primeira fileira. Quando vinha a pergunta, o Cleo já olhava para o Valter, que dava a resposta", diz Serdan.

Coquetéis molotov fora do ar

Se a paz venceu durante as gravações, do lado de fora do prédio na Avenida Paulista a competição não foi entre quem tinha mais conhecimento sobre futebol. A "Folha de S.Paulo" registra ao menos um incidente relacionado ao programa em sua edição de 28 de junho de 1988.

"PM apreende coquetéis molotov com torcida do São Paulo", diz a manchete da reportagem. A matéria conta que onze artefatos do tipo foram encontrados com torcedores da Independente durante briga com integrantes da Mancha Verde.

"Os caras [da Mancha Verde] invadiram o Morumbi para roubar nosso material. Com a informação de uma pessoa deles, fomos ao sítio do Atibaia [outro torcedor da Mancha] e recuperamos o material. Eles ficaram pilhados com isso", conta Francisco Eugênio Vicentini, um dos líderes da Independente na época, sobre a rivalidade entre as organizadas são-paulina e palmeirense nos anos 80.

É uma foto de Vicentini, conhecido como "Adamastor", que estampa a reportagem da "Folha". "A Mancha Verde chegou a propor uma guerra organizada, uma espécie de guerrilha urbana. Seria proibido matar e permitido apenas bater e aleijar", declarou o são-paulino ao jornal.

Além das disputas entre organizadas, o "Show de Bola" também recebia jogadores dos times e abria espaço para manifestações dos torcedores. Em um dos programas, os integrantes da Mancha Verde usaram uma fita preta no braço em sinal de luto pelos doze anos de fila do Palmeiras.

O protesto foi além, com Cleo pedindo um minuto de silêncio "para a diretoria do Palmeiras". "A nossa bronca vai ficar meio estranha, muitos não vão entender, aqueles que vão entender podem até não gostar", diz o líder palmeirense.

Cleo seria assassinado a tiros poucos meses depois, na noite de 17 de outubro, ao lado do antigo Parque Antarctica.

Sobre meninos e porcos

"Sobre Meninos e Porcos" é a terceira temporada do premiado podcast UOL Esporte Histórias, que conta a história de como as torcidas organizadas saíram da festa e chegaram à violência. O relato é centrado no assassinato de Cleo Sóstenes nos anos 1980, considerado o marco da chegada das armas de fogo às brigas de torcida. Você pode conhecer essa história, que os repórteres Adriano Wilkson e Daniel Lisboa investigam há um ano, em um podcast de seis episódios:

Os podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts e em todas as plataformas de distribuição. Você pode ouvir UOL Esporte Histórias, por exemplo, no Spotify, na Apple Podcasts e no Youtube.