Copa 90: como uma foto com a mão no peito escancara bagunça na seleção

Bem antes do fatídico jogo pelas oitavas de final da Copa do Mundo de 1990, contra a Argentina, a seleção brasileira já dava indícios de problemas. E eles iam muito além de uma mera questão tática, envolvendo o controverso esquema de 3-5-2 escolhido pelo técnico Sebastião Lazaroni, à época. Era um grupo que, nas palavras de Romário, "reunia mais do que treinava", tamanho o volume de questões mal resolvidas (ou nada resolvidas) ao longo da preparação para o Mundial da Itália. E um dos episódios resume bem o cenário: o ato de colocar a mão no peito em uma foto e cobrir, em protesto, um dos patrocinadores da CBF.

A situação é descrita na série "Copa 90: Lazaroni, Maradona e uma seleção (talvez) injustiçada". O trabalho documental foi produzido por UOL Esporte e MOV.doc, selo de documentários de MOV, a produtora de vídeos do UOL, e está disponível no YouTube. Na foto tirada na Granja Comary, na véspera do embarque para a Itália, a mão no peito era sinônimo de indignação com uma negociação entre CBF, então presidida por Ricardo Teixeira, e jogadores.

A Pepsi assinou um contrato com a entidade que, supostamente, renderia US$ 3 milhões. A marca de refrigerante passou a ter um espaço no uniforme de treino da seleção, no agasalho oficial e em placas de publicidade ao redor dos locais de treinamento (na Granja Comary, por exemplo). Um contrato vigente na época dava conta de que os jogadores da seleção teriam direito a 20% do valor total recebido pela CBF em acordos comerciais como o da Pepsi. A questão foi que os jogadores descobriram, por uma fonte interna da CBF, que o contrato era maior. Logo, eles teriam mais dinheiro a receber.

"Ninguém é mercenário. A gente queria ganhar o que estava no contrato", lembra o ex-zagueiro Ricardo Rocha.

"Não era a questão da grana, porque muita gente já tinha grana, já jogava fora, estava com situação financeira definida", acrescenta o ex-meia Silas.

O técnico Sebastião Lazaroni diz que a frase dizendo que era hora da "foto patriótica" foi proferida por ele, mas em um intuito de organizar o momento na Granja, que reunia toda a delegação da seleção. Os jogadores negam essa versão e reforçam que cobrir a logo da Pepsi foi, sim, um protesto.

Outra questão que martelou ao longo da campanha foi a definição sobre a premiação. O grupo já estava na Itália, durante o Mundial, e ainda tinha discussão sobre esse tema. Chegaram até a colocar na roda de discussão o dinheiro que Lazaroni estava ganhando da Fiat em comerciais lançados por ocasião da Copa.

"Naquela época era o bicho, né. Uns entendiam que a premiação deveria ser dividida só entre os jogadores. A comissão técnica não gostou, com razão. Em 1994, a gente entendeu que todo mundo que estava lá tinha que ganhar igual. Se tivesse acontecido isso em 1990, seria melhor", conta Romário.

"Não houve acordo entre a direção da CBF, atletas e comissão técnica com relação à premiação, se ganhássemos o Mundial. Fato esse pautado em acordos traçados antes da Copa América (1989) que não foram cumpridos adequadamente. E aí gerou uma desconfiança. Com o afastamento do diretor Eurico Miranda, mais ainda, pela pouca convivência com quem comandaria a seleção", lembra Lazaroni, que não quis entrar em detalhes sobre valores ou o teor do acordo descumprido: "Isso aí vai morrer comigo".

A seleção teve ainda debate sobre levar ou não famílias para a Copa do Mundo e discussões sobre escalação — se o time iria ser mudado durante a Copa ou não. Tudo isso está descrito na série documental do UOL.

"Tínhamos um elenco mais forte do que a experiência que tínhamos de seleção. Nos faltou alguma coisa nesse sentido. Até da própria direção da CBF, que era recém-eleita. Eu não sei como se ganha. Mas eu sei como se perde. Não existia muita confiança dos atletas em relação à direção da CBF, que era inexperiente naquele momento. Acho que isso tumultuou um pouco em termos de harmonia. A questão financeira tem que ser resolvida antes da Copa, tudo. Quando, como, de que forma vai receber. Faz parte do futebol e tem que ser discutida, analisada e estar resolvida antes de qualquer competição", afirma Américo Faria, administrador da seleção em 1990, que permaneceria na CBF anos depois, com participação nos títulos de 1994 e 2002.