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Eliminatórias Europeias

O que a Dinamarca tem? Campanha top na Europa anima 'Brasil dos nórdicos'

Torcida da seleção da Dinamarca saúda o técnico Kasper Hjulmand, de 18 vitórias em 26 jogos - Reprodução/@dbulandshold
Torcida da seleção da Dinamarca saúda o técnico Kasper Hjulmand, de 18 vitórias em 26 jogos Imagem: Reprodução/@dbulandshold

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

19/11/2021 04h00

Classificação e Jogos

Dona da segunda melhor campanha das Eliminatórias Europeias à Copa do Mundo do Qatar, a seleção da Dinamarca é uma das potências do continente no ciclo para 2022. Esta frase pode causar estranhamento de primeira, mas os números e o desempenho recente não mentem.

Semifinalista da Eurocopa — foi eliminada pela vice-campeã Inglaterra na prorrogação, em julho —, a Dinamarca em seguida acumulou nove vitórias e uma única derrota no Grupo F das Eliminatórias, contra Escócia, Israel, Áustria, Ilhas Faroe e Moldávia. Essa derrota solitária foi na segunda-feira (15), quando a classificação já estava selada. Entre todas as seleções, só a Alemanha tem melhor campanha por causa do saldo de gols.

Anders Dehn, jornalista que acompanha o futebol dinamarquês pelo portal esportivo Tipsbladet, reconhece que a empolgação para o Mundial de 2022 é uma realidade no país.

"Há muitos anos que os torcedores dinamarqueses não ficam tão entusiasmados com a seleção. Não acho que as expectativas tenham sido tão altas por muitos anos. Muitos brincam que a Dinamarca vai ganhar a Copa do Mundo, mas acho que a maioria das pessoas vê as quartas de final como mais realistas", disse ao UOL Esporte.

De acordo com Dehn, os torcedores da seleção da Dinamarca se referem à equipe como o "Brasil dos nórdicos" por causa do gosto pelo futebol ofensivo que a diferencia dos vizinhos Noruega e Suécia, por exemplo. Três pontos ajudam a explicar este sucesso recente que anima o país:

Dinamarca - Mads Claus Rasmussen/Ritzau Scanpix/AFP - Mads Claus Rasmussen/Ritzau Scanpix/AFP
Poulsen, Daniel Wass e Andersen comemoram gol da Dinamarca contra Israel, em setembro, pelas Eliminatórias
Imagem: Mads Claus Rasmussen/Ritzau Scanpix/AFP

Organização começa fora de campo

Vivo na Liga Europa e líder disparado do Campeonato Dinamarquês, o Midtjylland tem seis jogadores brasileiros no elenco. Um deles é o zagueiro Juninho, ex-Palmeiras e Bahia. Mesmo em pouco tempo, ele está animado com o que vê no país.

"É um futebol que mescla a juventude com a experiência. Tem muitos jogadores que saem das categorias de base de muita qualidade, alguns atletas de fora, e os clubes são muito bem organizados. Jogamos sempre em gramados perfeitos e com torcedores lotando os estádios."

Juninho - Divulgação - Divulgação
Juninho em ação pelo Midtjylland, da Dinamarca
Imagem: Divulgação

A menção de Juninho aos jovens jogadores do país é feita também por Anders Dehn. Existe trabalho de formação sólido no país, com investimento da DBU (a federação de futebol local) no desenvolvimento de talentos do futebol masculino e feminino, da infância ao alto nível. A partir da categoria sub-13 há centros de treinamento específicos distribuídos regionalmente pelo país de menos de 6 milhões de habitantes.

O futebol de base é muito importante na Dinamarca e também muito estruturado. Os olheiros da DBU estão familiarizados com cada um dos jovens jogadores talentosos do país. Temos apenas 5 a 6 milhões de pessoas, por isso não podemos desperdiçar nenhum jogador talentoso. Já a Liga Dinamarquesa não é tão boa comparada com o resto do mundo quanto a seleção nacional, mas ainda é bastante forte em comparação com o tamanho da Dinamarca. Times como o Midtjylland e o Copenhagen se saem relativamente bem na Europa."

Tudo isso a longo prazo se reflete no sucesso da seleção principal, que o brasileiro Juninho observa de perto: "Estou há pouco tempo aqui na Dinamarca, mas pelo que vi nas partidas e a paixão deles pelo futebol, sem dúvidas devem estar muito felizes e animados com a seleção. Fizeram uma grande Euro, já estão classificados para a Copa do Mundo, então sem dúvidas eles estão muito felizes com esse momento."

Torcida - Divulgação - Divulgação
Torcida do Midtjylland, da Dinamarca. O time com seis brasileiros é líder da liga local
Imagem: Divulgação

Primeiro a defesa, depois o ataque

A Dinamarca já participou de cinco edições da Copa do Mundo. O melhor resultado foi a chegada às quartas de final em 1998. Em 2018, a seleção chegou até as oitavas de final e caiu invicta para a vice-campeã Croácia nos pênaltis — na primeira fase, segurou o empate sem gols com a França, que foi campeã. Aquele time só sofreu dois gols nos quatro jogos da Copa. Em compensação, marcou apenas três.

O time dirigido pelo técnico norueguês Age Hareide era conhecido pela força defensiva, mas a federação de futebol local queria dar outro passo para retomar a ofensividade que marcou os times de 1986 e 1998.

"O ex-jogador Peter Moller foi contratado como diretor de futebol da seleção dinamarquesa e decidiu demitir Hareide mesmo com bons resultados e popularidade. Essa foi uma decisão muito controversa na época, mas acabou por ser um golpe de gênio", contou Anders Dehn.

Kasper - REUTERS/Friedemann Vogel - REUTERS/Friedemann Vogel
Kasper Hjulmand dirige a Dinamarca desde 2020
Imagem: REUTERS/Friedemann Vogel

A Dinamarca teve Morten Olsen como técnico entre 2000 e 2015, então a saída de Hareide com só três anos de trabalho causou surpresa. O escolhido foi Kasper Hjulmand, que era comparado no país a Josep Guardiola pelo estilo de jogo do seu time, o Nordsjaelland, pelo qual foi campeão dinamarquês em 2012. Um técnico mais ofensivo para pensar o futebol de outra maneira.

"Esse treinador é top, um dos melhores com quem eu trabalhei no campo e fora dele", comentou o atacante brasileiro Ricardo Bueno, do Juventude. Ele foi comandado por Kasper há sete anos.

Eu estava no Atlético-GO em 2012, acabou meu contrato no fim do Brasileirão e, no início de 2013, fui para a Dinamarca, no Nordsjaelland. O treinador lá era o Kasper, muito bom treinador. Tem conceitos muito bons de jogo, não é à toa que está fazendo essa campanha com a seleção. Além de ser muito bom o trabalho de campo ele é um cara amigo, parceiro, fala a língua do jogador. Ele merece muito o que está vivendo."

Ricardo Bueno - Fernando Alves - Fernando Alves
Ricardo Bueno comemora gol do Juventude contra o Corinthians pelo Brasileirão de 2021
Imagem: Fernando Alves

O trabalho de Kasper Hjulmand começou no ano passado e soma 26 partidas, entre Liga das Nações, amistosos, Eurocopa e Eliminatórias. O aproveitamento é próximo de 72%, com 18 vitórias, dois empates e seis derrotas. São 59 gols marcados e 18 sofridos.

Jogadores e estratégias de jogo

O jogador mais famoso da seleção dinamarquesa é Christian Eriksen, da Inter de Milão. Na primeira rodada da Eurocopa, em junho, ele sofreu uma parada cardíaca durante jogo contra a Finlândia, desmaiou e precisou ser ressuscitado em campo. A Dinamarca jogou o restante da competição para representar seu principal atleta, que planeja o retorno ao futebol profissional na próxima temporada.

"A maneira como o time lidou com a situação com Christian Eriksen tocou muitas pessoas na Dinamarca, e eu acho que o time ganhou ou reconquistou muitos fãs por causa disso", revelou Anders Dehn.

Eriksen - Koen van Weel/AFP - Koen van Weel/AFP
Uefa fez homenagem a Eriksen antes de Inglaterra x Dinamarca, no último mês de julho
Imagem: Koen van Weel/AFP

O jogo coletivo parece ser o segredo da equipe, que tem muitos jogadores com alta minutagem jogando juntos. O zagueiro Simon Kjaer, do Milan, é o atual capitão, defende a seleção desde 2009 e já disputou duas edições da Copa do Mundo (2010 e 2018) e outras duas da Euro (2012 e 2020). Em sua melhor configuração, o time parte de uma base no esquema tático 3-4-3, mas os conceitos são mais importantes que os números.

A Dinamarca aposta muito na pressão da saída de bola do adversário e joga com linhas de marcação altas para retomar a posse de bola o mais perto do gol adversário possível. A maioria dos gols na Euro, por exemplo, foi em jogadas de transição ofensiva. Isso faz com que os alas da linha de quatro do meio se tornem praticamente atacantes quando o time tenta fazer pressão, num 3-2-5. Um deles é Maehle, que joga na Atalanta, quarta colocada do Campeonato Italiano.

Maehle tem associações de jogo muito produtivas com Damsgaard pelo lado esquerdo. O atacante defende a Sampdoria e é protegido do técnico Kasper Hjulmand. Já pela direita, as jogadas costumam passar na defesa por Stryger, da Udinese, e no ataque ou pelo jovem Skov Olsen, do Bologna, ou Braithwaite, do Barcelona. Pelo meio, quem dita o ritmo do time é Hojbjerg, titular do Tottenham nesta temporada, com Poulsen, do RB Leipzig, na função de centroavante.

Braithwaite  - Tim Clayton - Corbis/Corbis via Getty Images - Tim Clayton - Corbis/Corbis via Getty Images
Braithwaite é um jogador contestado no Barcelona, mas importante para a seleção dinamarquesa
Imagem: Tim Clayton - Corbis/Corbis via Getty Images

O time ainda conta com o experiente goleiro Schmeichel (Leicester) e com o zagueiro Christensen (Chelsea). Da Espanha vêm Delaney (Sevilla) e Daniel Wass (Valencia). No França joga Dolberg (Nice), artilheiro da Dinamarca na Eurocopa. Na Holanda, a surpresa Mohamed Daramy (Ajax) também dá as caras. Ou seja, é uma seleção formada por jogadores consolidados na elite do futebol europeu e não mais um time de atletas locais e desconhecidos, nessa globalização que é o futebol da atualidade.

Bem-vindos ao Qatar

Até agora, 13 seleções estão garantidas na Copa do Mundo de 2022. Além do anfitrião Qatar e da Dinamarca, já conquistaram a vaga Alemanha, Argentina, Bélgica, Brasil, Croácia, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Sérvia e Suíça. O sorteio da fase de grupos está marcado para 1º de abril de 2022. O jogo de abertura será em 21 de novembro.

Fora de campo, os dinamarqueses anunciaram que farão boicote comercial à Copa do Mundo por causa das denúncias de violação de direitos humanos dos trabalhadores das obras.