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Como o Flamengo escolheu o Tondela como alvo ideal para entrar na Europa

Daniel dos Anjos, atacante do Tondela, em jogo contra o Benfica - Divulgação/Tondela
Daniel dos Anjos, atacante do Tondela, em jogo contra o Benfica Imagem: Divulgação/Tondela

Igor Siqueira e Rodrigo Mattos

Do UOL, no Rio de Janeiro

26/10/2021 04h00

Na estratégia do Flamengo de internacionalização e crescimento de receitas em moeda estrangeira está o foco na compra de um clube no exterior. Entre oportunidades e projeções de futuro, o nome que saiu do funil feito pela diretoria rubro-negra foi o Tondela.

O clube disputa a primeira divisão de Portugal pela sexta temporada seguida e, desde que chegou à elite, não foi rebaixado. O Tondela nunca ficou na metade de cima da tabela, tem atualmente pretensões modestas no cenário nacional, mas o Flamengo viu nele o caminho mais viável para entrar no mercado europeu.

"O Tondela é um clube ambicioso e que está se organizando para alçar voos maiores. Acredito que com muito trabalho, organização e consistência o clube pode sim se tornar um dos grandes de Portugal. Não é uma tarefa fácil, mas sinto que o clube está no caminho certo", disse ao UOL o atacante Daniel dos Anjos, que passou pela base do Flamengo em 2016 e agora defende o Tondela.

Se os planos rubro-negros derem certo em termos de captação de recursos e fechamento do negócio, a meta rubro-negra é atingir a Champions League em sete ou oito anos de atividade em Portugal. O estudo da diretoria analisou o continente como um todo e identificou pontos que podem tornar o investimento atraente. Mas primeiro foi preciso achar o país ideal.

Por que Portugal?

Portugal é um polo de venda de jogadores, o que pode propiciar retorno em valores e volume de vendas para um clube com característica formadora, como o rubro-negro. Segundo o estudo usado pelo Fla, Sporting, Benfica e Porto ocupam as três primeiras posições em lucro líquido com transferências na última década — eles são clubes que compram com preço baixo e vendem por valor muito superior.

A rota Brasil-Portugal, segundo a Fifa, é a mais utilizada no mundo em termos de transferência de jogadores. O Campeonato Português, inclusive, costuma ser ponto intermediário de jogadores antes do salto para as cinco principais ligas do mundo (Inglaterra, Itália, Espanha, Alemanha e França). Ao mesmo tempo, quando se observa o ranking da Uefa, a liga portuguesa não está tão distante, aparecendo em sexto no coeficiente. Ou seja, tem seis vagas em competições organizadas pela Uefa.

O Fla enxerga uma janela de oportunidade para adquirir um clube de meio de tabela com potencial de disputar uma competição continental. No caso de Portugal, há quatro clubes que se desgarraram dos demais (Porto, Benfica, Sporting e Braga). A disputa pelos dois lugares restantes ainda é mais ampla. Para completar o cenário favorável ao futebol português, entra a forte presença brasileira no país, tendo a língua como elemento de aproximação cultural.

Funil dos clubes

Superada a definição do país, o Flamengo inicialmente analisou oito clubes portugueses. Após uma checagem a respeito da infraestrutura, percebeu que seis deles eram adequados. Mas a presença na primeira divisão portuguesa foi outra linha de corte. Restavam dois.

O estádio do Tondela é o João Cardoso, inaugurado em 2008 e que tem capacidade para 5 mil torcedores. A reforma mais recente, segundo o clube, foi em 2015, quando o Tondela subiu para a primeira divisão. Na temporada 2019-2020, a média de público foi 2.403 pessoas. A taxa de ocupação ficou em 48,1%, o oitavo melhor percentual da liga.

Estádio do Tondela, de Portugal - Divulgação/Tondela - Divulgação/Tondela
Estádio do Tondela, de Portugal
Imagem: Divulgação/Tondela

A favor do Tondela pesou a questão geográfica. Há uma concentração muito alta de clubes no Norte de Portugal, na região do Porto, e nos arredores de Lisboa. O Tondela está fora desse roteiro por estar situado na região central do país. Ou seja, há um campo de expansão, apesar de se tratar de uma parte menos povoada de Portugal.

"Eu moro em Viseu [cidade próxima a Tondela] e lá existe uma comunidade grande de brasileiros. Inclusive podemos perceber isso até mesmo na culinária, pois existem muitas opções de pratos brasileiros. Estou muito adaptado ao país e aos costumes. É um lugar muito bom de morar", disse Daniel dos Anjos, que passou quatro anos no Benfica B antes de desembarcar no clube atual.

O vice-presidente de finanças do Flamengo, Rodrigo Tostes, aproveitou a escala na volta dos Jogos Olímpicos de Tóquio para uma estadia temporária em Portugal. Nela, foi possível visitar in loco o Tondela e outros possíveis alvos. Ele também conversou com proprietários de algumas Sociedades Anônimas Desportivas (SADs) do futebol português.

O que ainda não está fechando é quanto a estrutura empresarial criada pelo Flamengo, com a verba dos investidores, teria que pagar ao atual proprietário do Tondela. Mas os dirigentes sentem que há disponibilidade. Quando apresenta o Tondela a potenciais parceiros no negócio, o Flamengo pontua que o alvo em solo lusitano tem um "forte potencial para ser um dos melhores clubes de Portugal".

O clube tem um projeto em andamento para construção da Academia CDT. O espaço foi concebido do zero e prevê áreas de treinos, jogos e residencial para desenvolvimento da base. O terreno foi comprado, mas o avanço da obra não tem sido tão rápido por conta da burocracia.

"Assim que cheguei ouvi comentários que o clube estaria interessado em ampliar o Centro de Treinamento e formar um grupo sólido para conseguir uma boa classificação na Liga. O clube tem um bom estádio e oferece todas as condições necessárias para nós jogadores. O centro de treinamento é composto por um campo de boa qualidade também. Treinamos no CT e também no estádio, depende muito da programação e da preparação para a partida seguinte. No CT temos uma academia bem equipada, espaço de fisioterapia, departamento médico, entre outros departamentos necessários para dar conforto e qualidade aos atletas", completou Daniel dos Anjos.

Quem é o dono atual

O Tondela se tornou o alvo principal por contar com uma estrutura societária relativamente simples, tendo apenas um acionista (dono) que controla o investimento. Atualmente, 80% do clube pertencem à Tondela Futebol SAD, a sociedade anônima desportiva que tem como dono o espanhol David Belenguer. Ele chegou ao clube em novembro de 2018. Os outros 20% são do Tondela Futebol Clube, presidido por Gilberto Coimbra. A junção das duas partes resulta em uma Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas (SDUQ).

A gestão atual do clube deixa claro que a meta atual é se manter na primeira divisão. Mas eles querem evoluir o máximo que eles puderem. Não designaram um objetivo, mas querem crescer e ver onde chega", disse o lateral-esquerdo Neto Borges, que esteve no Vasco até o primeiro semestre deste ano e está emprestado ao Tondela.

David Belenguer, dono do Tondela SAD - Reprodução - Reprodução
David Belenguer, dono do Tondela SAD
Imagem: Reprodução

Zagueiro mediano formado na base do Real Madrid, o catalão David Belenguer deixou o futebol em 2011, então com 38 anos. O auge da carreira foi defendendo Betis e Getafe.

Depois que deixou os gramados, Belenguer chegou a ser comentarista de TV, fez curso para se treinador e MBA em gestão e administração de entidades esportivas. Ele atuou como assessor de uma empresa de gestão de marcas esportivas e depois fundou empresa própria para administração de clubes de futebol. Ele teve atuação mais intensa tentando fazer uma ponte entre Europa e o mercado chinês, que atualmente vive uma forte desaceleração.

No balanço de 2020-2021, aprovado em julho, o Tondela registrou um superávit de 43,1 mil euros. Na assembleia, o presidente Gilberto Coimbra contou que Belenguer ainda não tinha quitado toda a verba referente à compra dos 80% do clube. O negócio total foi fechado em novembro de 2018 por 6,2 milhões de euros e faltava transferir cerca de metade do valor.

"Todos têm boa relação com a presidência, com o dono do clube. Eles sabem os postos a serem ocupados, o que tem que ser feito. É um clube emergente, que desenvolvendo um crescimento de anos seguidos na primeira divisão. Não vai se comparar aos principais clubes do país. Mas não nos deixa sentindo falta de algo", completou Neto Borges.