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Sal vira protagonista no Brasileiro, mas será que influencia no resultado?

Santos elege sal grosso como melhor em campo em vitória sobre o Grêmio - Reprodução/Twitter
Santos elege sal grosso como melhor em campo em vitória sobre o Grêmio Imagem: Reprodução/Twitter

Ana Flávia Oliveira

Do UOL, em São Paulo

23/10/2021 04h00

Nas últimas semanas o sal grosso se tornou protagonista em jogos da série A do Brasileiro. Na partida entre Santos e Grêmio, um torcedor jogou o sal no VAR e no jogo entre Atlético-GO e Atlético-MG, um funcionário do time goiano espalhou o tempero por todo o campo. No clássico entre São Paulo e Corinthians, o sal grosso foi atirado no túnel do vestiário e nas arquibancadas do Morumbi. Coincidência ou não, os mandantes ganharam as partidas.

Mas será que o sal grosso teve tanta influência assim no resultado?

Figura mítica do futebol brasileiro, pai Robério de Ogum, que foi por anos conselheiro do técnico Vanderlei Luxemburgo, diz que sim -- ele mesmo já diz ter usado sal em trabalhos espirituais em times pelos quais passou.

"Nós fomos jogar contra o Flamengo. Eu estava no Bragantino. Nós chegamos no campo, o que tinha no campo, no vestiário? Tinha uma coisa horrível. Tinham feito um despacho feio. Era no Maracanã. Renato Gaúcho era o ponta direita. A coisa estava feia, mas feia mesmo. O negócio impressionante. Como eu chegava antes, eu falei: 'preciso de sal grosso, pimenta..." Eu peguei aquele sal grosso, mexi a pimenta e joguei dentro do vestiário. Fomos e ganhamos do Flamengo no Maracanã."

No entanto, o médium explica que há uma série de conjunturas para que o tempero atraia boa sorte.

"O sal grosso corta a má intenção, tira a presença da força do inimigo, a presença de espíritos obsessores, tira o mau-olhado e dá força para quem você rezou. Mas ele vai ter todo esse efeito se o outro lado estiver num mau dia, estiver enfraquecido, não tiver bem, porque se sal grosso resolvesse tudo, não haveria problema no mundo. Ele valeria muito caro", explica o médium.

Santista, ele diz que assistia pela TV ao jogo do seu time no último dia 10 e viu quando o torcedor temperou a cabine do VAR. "Danadinho esse cara. Ninguém podia imaginar que ele ia jogar ali e ele jogou." O Santos venceu o Grêmio por 1 a 0, com gol que só foi validado após interferência do VAR. O resultado tirou da zona de rebaixamento o time da Vila Belmiro, que elegeu o sal grosso como o "craque do jogo".

Robério de Ogum também crava que o tempero ajudou na vitória por 2 a 1 do Atlético-GO sobre o Galo, que defendia uma invencibilidade de 18 jogos contra os goianos, que não venciam havia 10 rodadas.

Funcionário do Atlético-GO joga sal grosso no campo antes da partida contra o Atlético-MG - Reprodução/TV Globo - Reprodução/TV Globo
Funcionário do Atlético-GO joga sal grosso no campo antes da partida contra o Atlético-MG
Imagem: Reprodução/TV Globo

Esse sal, com certeza, influenciou no resultado. Quem jogou fez com muita fé. Naquele momento devia ter espíritos ali que quiseram comprar aquela demanda porque se você jogar o sal e não tiver nenhum espírito por perto e Deus não permitir, não vai acontecer nada. Ele jogou na hora certa, soube pedir, soube vibrar, e tinha espíritos ali que entenderam e deram ao time do Atlético-GO uma energia espiritual muito forte."
Pai Robério de Ogum

Maykol Kuramoto, funcionário do Atlético-GO, responsável por temperar o campo, contou ao UOL que a estratégia na hora de esparramar o sal é "ir jogando e orando, pedindo a Deus proteção ao nosso time".

Ele revelou que aquela não tinha sido a primeira vez, mas que costumava jogar o sal na véspera. Como deu certo, já pretende mudar o hábito.

"O dia, fé, orações... Tudo favoreceu", afirmou ele, que se diz um religioso católico, mas que frequenta outras igrejas também. Tudo em nome da fé.

Outra pessoa conhecida por suas superstições e fé, o técnico Cuca estava no banco adversário. Mas, segundo Robério, o treinador do Galo "perdeu a briga espiritual" para Maykol.

"O Cuca é um homem de muita fé. Eu nunca trabalhei com ele, mas o vejo muito indeciso. Ele pensa muito. Ele tem uma intuição muito aguçada, que mexe muito com ele. O time foi abalado dentro de campo por essa força espiritual que foi jogada, e o Cuca não conseguiu imanar a mesma força para o time. E essa energia do sal grosso tirou a paz de espírito dos jogadores do Cuca. Eles se perderam espiritualmente. O time espiritualmente não estava bem. Isso pode significar, daqui para frente [um alerta para] o Cuca ter mais atenção com esse time."

O treinador concorda. "Temos que saber administrar o tropeço e ter a responsabilidade maior. Às vezes não entendemos as obras de Deus num primeiro momento, mas tudo tem um motivo na vida. Tenho muita fé que as coisas acontecem para te abrir o olho", disse Cuca, em entrevista coletiva após a partida.

Sai zica? São Paulo coloca sal grosso na saída do vestiário antes de clássico - Reprodução - Reprodução
Sai zica? São Paulo coloca sal grosso na saída do vestiário antes de clássico
Imagem: Reprodução

"Crenças ligadas estão ligadas à história da humanidade"

Com propriedades místicas ou não, o fato é que o sal é usado desde a antiguidade como elemento de boa sorte e para afastar maus espíritos. Há registros de usos espiritualísticos do tempero na civilização egípcia, entre romanos, gregos e hebreus. Na Idade Média, ele era usado contra bruxas e demônios. No quadro "A Última Ceia", Leonardo Da Vinci pintou um saleiro derrubado diante de Judas.

A psicóloga Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, ressalta que as superstições são anteriores às atividades esportivas e estão intimamente ligadas à história da humanidade.

"A gente cria um campo anedótico para essa relevância da superstição, mas desde que o ser humano se tornou produtor de cultura, essa dimensão divina está na vida dos seres humanos. Então, eu tenho que justificar a seca, rezando, eu tenho que justificar o dilúvio, rezando, eu tenho que justificar a doença, rezando...Na mitologia havia o sacrifício aos deuses para ganhar a guerra, para perder a guerra. O que tem de objetivo nisso? Absolutamente nada. Mas é da dimensão simbólica, faz o ser humano pensar e define a condição de humano."

Segundo ela, as crenças e superstições ajudam as pessoas diante das dificuldades. "O comportamento supersticioso está relacionado diretamente à busca de apoio para superar uma dificuldade. É curioso como isso faz parte da cultura de pessoas ou grupos sociais que têm nesse comportamento mágico e às vezes religioso a busca para solução desses problemas. O que está em jogo é a busca desse apaziguamento da tensão gerada pelo inesperado, pelo desconhecido, pelo incontrolável. Mas acima de tudo, a superstição está relacionada a algo não racional. A superstição caminha muito longe da racionalidade", explica Katia.

O esporte é um campo privilegiado de produção de certas atitudes imaginárias. Por quê? Porque está trabalhando com binarismo vitória x derrota. Fica fácil falar ganhou ou perdeu por causa disso."
Katia Rubio

Bianca Cristina do Prado Silva, graduanda na Faculdade de Esporte e Educação na USP e autora do estudo "Entre a superstição e o ritual - elementos para compreensão de gestos repetitivos no esporte", afirma que há duas maneiras para explicar os mecanismos das crenças nas atividades esportivas: a psicológica e a antropológica.

"Na parte mais psicológica, eles [jogadores] pensam [na superstição] por causa da ansiedade ou incerteza que tem antes de um jogo, de uma competição. Então fazer algum ritual, ter algum objeto ou outra atividade [supersticiosa], acalma, fazendo com que a pessoa consiga se concentrar melhor e ter um melhor resultado. E tem o lado que é mais da sociologia e antropologia, que tem a ver com o envolvimento com o lugar e as pessoas que com quem você está. Um jogador que vê treinadores e companheiros de time fazendo determinados rituais vai começar a se questionar: 'se eu fizer também? Não vai me trazer nada de ruim, mas pode me ajudar a melhorar'. Então vai ter a influência das pessoas ao redor, a influência social."

Dentro da lógica do viés antropológico, Bianca prevê que o uso do sal grosso em jogos do Campeonato Brasileiro pode aumentar depois dos exemplos bem-sucedidos de Santos, Atlético-GO e São Paulo.

"Primeiro começou pela crença que é mais simplista e conhecida no Brasil inteiro. A pessoa trouxe para o time dela, para o esporte. No primeiro funcionou. Obviamente ela vai influenciar outras pessoas que estão envolvidas naquele campo, que estão na parte social dele, que ele vai interagir, e vai levar outras pessoas a seguir [o ritual]: 'Por que eu não faria isso? Já tive uma prova concreta que ajudou'. E isso vai influenciar outros. Tem estudos que abordam justamente a questão de jogadores que imitam outros. Tem essa relação de ser influenciado por outras pessoas do time. Eu acredito que com fãs é a mesma coisa."