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Pelo futebol, pai e filho jogadores tiveram de aprender a viver distantes

Ruan e Narciso durante assinatura de contrato  - Arquivo pessoal
Ruan e Narciso durante assinatura de contrato Imagem: Arquivo pessoal

Diego Iwata Lima

De São Paulo

08/08/2021 04h00

A entrevista com Ruan, 17, zagueiro das categorias de base do Palmeiras, já havia começado há alguns minutos, quando Narciso, seu pai, entrou na sala de reunião virtual. Ruan respondia que o futebol entrara na sua vida de modo natural, sem pressão de ninguém. Após a resposta, houve um breve silêncio, cortado por Narciso: "Oi, filho". "Oi, pai". Já fazia algum tempo que eles não se viam. A distância, entretanto, não é nenhuma novidade para os dois.

Narciso também foi zagueiro. Ganhou projeção e encerrou a carreira no Santos, clube em que se destacou a ponto de integrar a forte seleção brasileira que foi a Atlanta, comandada por Zagallo, em 1996, buscar a então inédita medalha de ouro. Voltou com a prata. O ouro só viria 20 anos depois, para ser repetido no último sábado (7).

Ruan jura estar preparado para passar os próximos 20 anos, aproximadamente, longe de casa, em concentrações, viagens e, se seu plano der certo, campeonatos com a seleção brasileira. Ruan tem idade para disputar os Jogos Olímpicos de 2024, em Paris, e superar seu pai

"Meu pai viajava direto. Se eu via meu pai uma vez em três meses, era muito. Ele sempre trabalhou em clubes longe de Santos, como o próprio Palmeiras, e a Penapolense, que ficava a sete horas de viagem", relembra-se. "Estou acostumado desde pequenininho", afirma, sem qualquer sinal de rancor.

"Quando se escolhe essa carreira, a gente sabe que vai abrir mão de aniversário, churrasco família, almoço de fim de semana. Vai ser 20 anos, pelo menos", diz o pai.

Narciso jogou por mais dois anos depois que Ruan nasceu, em 2003. A rotina de ausência do pai a que Ruan se refere já aconteceu na carreira seguinte de Narciso, como treinador, que começou nas categorias de base do Santos, em 2008.

Sergipano, o ex-zagueiro fixou residência no litoral paulista. Mas já em 2011, quando Ruan tinha sete anos, o agora treinador começaria a peregrinar pelo Brasil, justamente por seu estado natal. Entre 2012 e 2013, ele treinou o Sub-20 do Palmeiras. E por um jogo apenas, comandou o time profissional.

"Foi "só" um Palmeiras x Corinthians", diverte-se Narciso. Ele não deu sorte. O time que seria rebaixado perdeu para o arquirrival por 2 a 0.

Escolha aconteceu naturalmente

sub-20  - Arquivo Pessoal  - Arquivo Pessoal
Ruan e Narciso em frente ao portão do CT do Palmeiras
Imagem: Arquivo Pessoal

Ruan sempre quis ser jogador. Nunca pensou em ser outra coisa, não pensou em estudar algo para ter outra carreira. "Para falar a verdade, eu não gosto de estudar, não", revela Ruan, que termina o Ensino Médio neste ano.

Desde pequeno, ele sempre ouviu que o pai era jogador. E com uns cinco anos, começou a ver os vídeos dele em ação. "Sempre tinha bola em casa. Até porque meu irmão também jogava, sempre tinha papo de futebol em casa. Foi naturalmente", conta.

"Porque já era uma coisa que puxa, por eu ser jogador, e o irmão dele também. Tinha esse DNA dentro de casa, a gente respirava futebol, e os filhos costumam querer acompanhar o que o pai é", diz Narciso. Richard, o mais velho, chegou a atuar pela base do Santos, mas teve graves lesões de joelho e precisou parar.

Futebol mudou muito, diz Narciso

O último clube comandado por Narciso foi o XV de Piracicaba. E vendo seus atletas atualmente, mesmo em um clube menor, ele percebe como a vida dos jogadores é muito diferente, para o bem e para o mal.

"Na minha época, não tinha rede social, era um pouco mais tranquilo, tem que ter muito mais cuidado com o que se faz", diz ele. Por outro lado, a tecnologia para o trabalho e o profissionalismo, como diz Narciso, também aumentaram.

"Eu estudava os jogadores adversários, pesquisava, para entender como eles jogavam", conta Narciso. "A gente tem um supervisor, o analista de desempenho, tem tudo na comissão. Quando a gente vai enfrentar uma equipe, a gente já sabe tudo", já diz Ruan.

sub-20 SEP - Fabio Menotti/ Palmeiras  - Fabio Menotti/ Palmeiras
Equipe sub-20 do Palmeiras
Imagem: Fabio Menotti/ Palmeiras

No campo, muita coisa também mudou. Narciso se lembra de que ele era um dos poucos a se aventurar a sair com a bola, por ter certa habilidade. "Mas atacar mesmo, só em escanteio e olhe lá", diz. "Hoje, o zagueiro participa o tempo inteiro do ataque", diz.

Para sorte de Ruan, ele é um zagueiro alto, com 1,90 m, mas também habilidoso e rápido. Fã de Varane, agora jogador do Manchester United, ele se inspira no francês. Mas Narciso também se vê no filho. "Ele tem um pouco das minhas características, sim. Bom passe, boa saída, boa visão de jogo, não fica nervoso com a bola no pé, como eu era", diz orgulhoso.

Parecia que nem estávamos na Olimpíada

Da carreira como jogador, um dos pontos mais altos de Narciso foi a Olimpíada de Atlanta, em 1996. Muito embora, para os jogadores do time de futebol, nem parecesse que eles estavam nos Jogos Olímpicos.

"Era tudo separado, nem ficamos na Vila Olímpica. Era mais um campeonato, como qualquer outro", diz ele, sobre um hábito que a CBF ainda mantém com os times de futebol masculino e feminino. "A gente queria ver o segundo Dream Team, do basquete dos EUA, e não passamos nem perto", conta.

1996 - Folha Imagem/Arquivo - Folha Imagem/Arquivo
Amaral carrega a medalha de bronze dos Jogos de Atlanta em 1996; Brasil disputou a Olimpíada sob comando de Zagallo
Imagem: Folha Imagem/Arquivo

Se não foi possível ver estrelas de outros países, por outro lado, não faltavam astros na seleção brasileira, que teve Dida, Sávio, Rivaldo, Bebeto e um inicialmente reserva Ronaldo, que naquele mesmo ano começaria a ser chamado de Fenômeno.

Já na despedida da entrevista, Narciso fez um agradecimento por ter participado. "É bom fazer esse tipo de coisa, para aproveitar e ver o Ruan. A gente se fala mais por telefone e Whatsapp e quase não se vê. A gente sobe [a Serra] ou ele desce, a cada dez dias, mais ou menos. A mãe dele não aguenta, fica com muita saudade", conta Narciso, entre risos.

Além de se profissionalizar e se firmar no Palmeiras, jogar Paris-2024 é um dos objetivos de Ruan. "Eu falo para ele que hoje ele está na faculdade do futebol ainda. Não pode errar agora, para ter uma carreira promissora", diz o pai. Afinal, se é para passar tanto tempo longe da família, que seja para chegar no topo.