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Brasileirão - 2021

Chuteira de Jô 'envolve' torcida mais distante da Nike em SP: a palmeirense

Jô, do Corinthians, tenta controlar a bola em partida contra o Bahia no Pituaçu - Jhony Pinho/AGIF
Jô, do Corinthians, tenta controlar a bola em partida contra o Bahia no Pituaçu Imagem: Jhony Pinho/AGIF

Igor Siqueira

Do UOL, no Rio de Janeiro

23/06/2021 04h00

O episódio das chuteiras usadas por Jô no empate do Corinthians com o Bahia colocou no mesmo enredo partes que não costumam ter relação tão próxima: a Nike e a torcida do Palmeiras. O atacante foi criticado, multado pela diretoria e teve que pedir desculpas por calçar um par azul-turquesa, com uma tonalidade que pende para o verde, cor do maior rival.

O Corinthians tem contrato com a Nike desde 2003. O Palmeiras, nesse mesmo período, já transitou por Diadora, Adidas e, desde 2019, veste Puma. O efeito dessa relação pode ser vislumbrado em uma pesquisa produzida pela Sport Track, agência que trabalha com inteligência estratégica a partir da captação de dados da indústria do esporte.

O resultado dos dados colhidos entre outubro e novembro de 2020 indica o nível de lembrança e percepção da Nike e outros patrocinadores de clubes nas torcidas dos quatro principais clubes de São Paulo. Além de ser nominada corretamente por corintianos como uma das parceiras do clube, a Nike entra — equivocadamente — no top-10 de marcas citadas por um percentual de são-paulinos e santistas. Mas os palmeirenses entrevistados não cometeram esse deslize.

"A gente olha níveis de lembrança de patrocínio porque você não compra nada, de forma deliberada, que você não conheça ou tenha familiaridade. Isso serve para tudo. Primeiro, vem o que a gente chama de awareness. Depois, vem o desejo, que está atrelado ao produto. Quando a gente analisa material esportivo, é o tamanho da penetração na mente das pessoas", avalia Rafael Plastina, especialista em marketing esportivo e proprietário da Sport Track.

Lembrança de marca dos clubes entre os torcedores dos quatro grandes de São Paulo - Editoria de arte - Editoria de arte
Lembrança de marca dos clubes em SP
Imagem: Editoria de arte

Dentro desse mesmo universo, a pesquisa ainda traça o volume de representatividade das fornecedoras de material esportivo nos hábitos de consumo do torcedor. A Nike lidera com folgas quando o assunto é venda de calçados. Mas o menor percentual de venda de tênis, segundo a pesquisa, se dá com a torcida do Palmeiras. Em relação a chuteiras, o consumo de Nike entre palmeirenses perde para corintianos e são-paulinos. Ao menos supera o desempenho entre os santistas.

"Podemos ver o quanto a lembrança tem a ver com o consumo. A Nike não aparece no top-10 de lembrança da torcida do Palmeiras e fica em terceiro na venda de chuteiras. Na questão da torcida do Santos, há outros elementos, como distribuição, faixa etária, etc. Não temos dados de canais de vendas da Nike em Santos, por exemplo. Mas historicamente é: mais lembrança, mais consumo. Longe da mente, longe do bolso", completa Plastina.

Compra de chuteiras entre os torcedores dos quatro grandes de São Paulo - Editoria de arte - Editoria de arte
Compra de chuteiras entre os torcedores dos quatro grandes de São Paulo
Imagem: Editoria de arte
Compra de tênis entre os torcedores dos quatro grandes de São Paulo - Editoria de arte - Editoria de arte
Compra de tênis entre os torcedores dos quatro grandes de São Paulo
Imagem: Editoria de arte

O cenário não se limita a movimentos da Nike no mercado. A concorrência não é passiva, tanto que o Corinthians e o Red Bull Bragantino são os únicos que vestem a marca norte-americana na Série A do Brasileirão. Se a Puma aterrissou no Palmeiras em 2019, a Adidas chegou ao São Paulo em 2018, mesmo ano que a Umbro voltou ao Santos.

As estratégias no mercado nacional têm distinções. A Puma tem uma relação exclusiva com o Palmeiras em termos de clubes brasileiros, mas fechou contrato recente com Neymar. A Adidas tem o Flamengo como principal parceiro no Brasil. Mas ainda assim, segundo um executivo de marketing ouvido pelo UOL Esporte, ela se posiciona mais nas "trincheiras", assim como a Umbro, para fechar contratos com os clubes da Série A.

"Existe um fenômeno no patrocínio que é o efeito paisagem. Se um patrocínio perdura sem que haja uma novidade, pode trazer uma queda na lembrança. O inverso também é verdade. Com contratos novos, a tendência é que o índice de lembrança seja mais alto", pondera Rafael Plastina.

Chuteira de Jô tem efeito prático?

Procurada pelo UOL Esporte, a Nike não quis comentar. O mesmo aconteceu com a Puma, fornecedora do Palmeiras. Mas pessoas que transitam no mercado de fornecimento de material esportivo não veem na Nike uma tentativa deliberada de forçar Jô a usar a chuteira azul-turquesa. As empresas que firmam contratos individuais com os jogadores costumam apresentar a eles os modelos vindos da matriz, no exterior. No Brasil, há poder de veto dos atletas, considerando o clube no qual estejam.

Os modelos são desenhados pelas instâncias superiores, em lançamentos mundiais, sem qualquer interferência do braço brasileiro das marcas. O veto a determinados pares é comum em cidades com rivalidade acirrada, como São Paulo e Porto Alegre. Chuteiras com detalhes laranja, por exemplo, são descartadas no Grêmio por causa do "parentesco" com o vermelho do Internacional. No próprio Corinthians, detalhes verdes não têm vez há tempos.

Mas a partir do cenário visto nos gráficos, é possível prever que a coluna da pesquisa atrelada à torcida do Palmeiras será afetada pela chuteira azul-turquesa/esverdeada da Nike? Profissionais da indústria do esporte adotam cautela e evitam associação direta.

"Certamente pode chamar a atenção para o fato de ter a cor 'verde', mas ainda acredito que haveria uma resistência por ser um produto que ficou associado ao atacante do time rival, o Corinthians. De qualquer forma, é algo muito individual para gente generalizar. Agora, não há sombra de dúvida de que tomar conhecimento de uma chuteira verde é o primeiro passo para uma compra", pontua Bruno Maia, CEO da 14, agência de conteúdo estratégico.

Fernando Trevisan, administrador especializado em marketing estratégico e em gestão do esporte, vê pouca repercussão do episódio envolvendo Jô entre a torcida do Palmeiras.

"Sinceramente, acho que esse tema fica mais no âmbito do pitoresco mesmo do que gerar algum tipo de impacto para marca", avalia ele.

Já o ex-vice-presidente de marketing do Fluminense, Idel Halfen, que é executivo na Perform Gestão de Resultados, considera que a justificativa de a chuteira ser azul-turquesa já enfraquece a possibilidade de um movimento palmeirense de aproximação ao produto.

"O máximo que a ação da chuteira verde pode causar é uma leve simpatia, isso considerando se grande parte tomou conhecimento e se será frequentemente lembrada sobre o tema. O que não acredito. Afetaria mais se a Nike vendesse camisas verdes. A compra de chuteira envolve muito mais itens de avaliação do que a cor, inclusive quem usa. Você prefere usar a chuteira que o Jô usa ou a que o Neymar usa?", indaga Halfen.