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Brasil não enfrenta europeus, mas vê ideias de jogo parecidas na Eurocopa

Em 30 jogos no ciclo para a Copa do Mundo do Qatar, o Brasil só enfrentou um europeu até agora - Wagner Meier/Getty Images
Em 30 jogos no ciclo para a Copa do Mundo do Qatar, o Brasil só enfrentou um europeu até agora Imagem: Wagner Meier/Getty Images

Danilo Lavieri e Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

22/06/2021 04h00

Desde a Copa do Mundo 2018 em que foi eliminado pela Bélgica nas quartas de final, o Brasil só enfrentou uma equipe da Europa: a República Tcheca, há mais de dois anos. É uma junção de calendário inviável e atraso da pandemia que impede esses enfrentamentos e faz o assunto estar sempre quente no dia a dia da seleção: dá para medir o nível do time comandado por Tite para 2022 em relação às seleções europeias sem a possibilidade de enfrentá-las?

Qualquer resposta para esta pergunta é fictícia, fruto de especulação. Mas há observações possíveis ao traçar esse paralelo, e uma delas mostra que o Brasil não enfrenta europeus, mas ao mesmo tempo vê seu jogo refletido em grandes seleções que disputam atualmente a Eurocopa e têm as mesmas ideias, movimentos e princípios táticos, como mostra a seguir o UOL Esporte.

Ataca com cinco

Desde os amistosos do segundo semestre de 2019 que o Brasil começou a trabalhar uma nova forma de atacar seus adversários no esquema tático 2-3-5, em que os dois zagueiros ficam mais recuados, o lateral-direito se alinha com a dupla de volantes e o lateral-esquerdo vira um ponta para que o time ataque com cinco homens, principalmente contra times mais sólidos na defesa. É uma formação que tem dado resultado no contexto local e que é possível identificar em fortes times europeus.

2-3-5 - Reprodução sobre Gabriel Carneiro/UOL - Reprodução sobre Gabriel Carneiro/UOL
Seleção brasileira ataca a Venezuela no esquema 2-3-5 na abertura da Copa América
Imagem: Reprodução sobre Gabriel Carneiro/UOL

O exemplo mais próximo talvez seja o da Itália, que ataca com dois zagueiros [Chiellini e Bonucci], o lateral-direito [Di Lorenzo] alinhado aos volantes Jorginho e Locatelli ou Verratti e o lateral-esquerdo [Spinazzola] solto para criar jogadas junto com Barella e os três atacantes [Insigne, Immobile e Berardi]. Em três jogos foram três vitórias e sete gols marcados neste 2-3-5 que, assim como o Brasil, nasce de um 4-3-3.

Na Itália as movimentações ofensivas são muito constantes, com o time sempre procurando novas opções de passe. O que acontece frequentemente é que Spinazzola pode aparecer tanto como um ala, quanto como um meia central. Se você observar o Brasil 4 x 0 Peru da última quinta-feira, pela Copa América, é justamente numa movimentação fluida de Alex Sandro que sai o primeiro gol brasileiro, aparecendo pelo meio.

Começa pelo zagueiro

O jogo da Itália só acontece assim porque Chiellini e Bonucci são zagueiros com boa qualidade de passe e visão de jogo, o que também é um princípio na seleção brasileira. A ideia de jogo de boa parte das seleções da Eurocopa que não têm o poderio das campeãs mundiais é alinhar-se na defesa com cinco ou quatro marcadores, deixar as linhas muito próximas e negar espaços, o que há muito tempo chamamos de retranca.

Quando o adversário está retrancado é comum que seus zagueiros e volantes fiquem mais com a bola. Daí vem a necessidade de que até eles sejam construtores de jogo. Na Bélgica, por exemplo, os mapas de calor de Vertonghen e Alderweireld mostram um posicionamento quase como laterais, mais avançados. É um time que joga no 3-4-2-1, diferente do Brasil, mas que usa seus zagueiros de um jeito parecido.

Contra a Venezuela, na estreia da Copa América, o posicionamento de Marquinhos foi praticamente como um volante, tanto é que ele deu 80 passes ao longo do jogo — número incomum para jogadores da função, mas frequente em sistemas de jogo que valorizam esse fundamento.

Zaga da seleção - Reprodução/Sofascore - Reprodução/Sofascore
Posicionamentos médios de Marquinhos (E) e Éder Militão (D) na Copa América
Imagem: Reprodução/Sofascore

Atrai e explora o espaço

Um dos principais jogos da Eurocopa até agora foi Portugal 2 x 4 Alemanha, no sábado passado (19). O time alemão também ataca com linha de cinco jogadores, como a Itália ou a Bélgica, mas segue uma orientação de jogo específica que foi demonstrada neste jogo como um padrão: constrói a jogada pela direita, atrai a marcação rival e vira o jogo para o outro lado, onde vai existir espaço e liberdade. Robin Gosens deitou e rolou aquele dia, pesadelo do português Nelson Semedo.

Essa ideia se reflete em uma das alternativas de jogo da seleção brasileira. Se é adversário fechado, 2-3-5; se é adversário que vai tentar alguma pressão na saída de bola a ideia é um esquema-base 4-4-2 que vira 4-2-4 para atacar. Neste caso, o lateral-esquerdo fica mais preso na linha defensiva, o que faz com o que o Brasil tenha mais jogadores na saída de bola.

Gabriel Jesus - Lucas Figueiredo/CBF - Lucas Figueiredo/CBF
Gabriel Jesus durante partida contra o Peru
Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

A ideia é atrair a marcação do adversário e explorar o espaço que é criado quando algum jogador sai para marcar ou tentar o desarme. O gol de Alex Sandro contra o Peru é todo construído pela esquerda do ataque, até que a inversão de bola chega até Gabriel Jesus livre na direita e o camisa 9 dá assistência para o lateral-esquerdo dentro da área.

Liberdade para Neymar

Nos dois jeitos de atacar da seleção uma das únicas coincidências é que Neymar esteja o mais livre possível para circular — exatamente como acontece no PSG. Ele é desde centroavante até meia armador, e não mais um atacante aberto pela esquerda como em boa parte de sua trajetória pela seleção. No segundo gol contra o Peru, por exemplo, Neymar é o camisa 9, o atacante mais avançado do time.

Não é uma lógica muito distante do que Didier Deschamps promove com Mbappé na seleção da França, atual campeã mundial. Contra a Hungria a ideia de jogo passava por ter Griezmann aberto pela direita, com Pogba por perto na sustentação, Benzema como um 9 típico e Rabiot como sustentação pela esquerda, com Mbappé livre para chegar ao centro partindo da esquerda, um posicionamento quase intuitivo. O gol foi numa jogada de linha de fundo dele pela direita, por exemplo.

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Por que não enfrentamos europeus?

Na Europa existe um calendário feito para que as seleções da Uefa se enfrentem constantemente. Liga das Nações, fase classificatória para a Eurocopa, a própria Eurocopa, além das Eliminatórias para a Copa do Mundo. O atraso que a pandemia causou no cronograma de jogos das seleções sul-americanas piorou o cenário e tirou as brechas para amistosos futuros.

Dos 30 jogos no ciclo para a Copa do Mundo do Qatar disputados até agora foram 19 adversários sul-americanos, três da África, três da Ásia, três da América Central, um da América do Norte e só um da Europa. Tite gostaria de diversificar os rivais e incluir mais europeus e briga por isso nos bastidores da Fifa, mas a missão não é fácil. Enquanto isso, o Brasil segue dominante no cenário local.

Nas Eliminatórias, são seis vitórias em seis jogos. Na Copa América, dois resultados positivos em sequência nas duas primeiras rodadas. Amanhã (23) enfrenta a Colômbia às 21h, no estádio Nilton Santos.