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Crítico de Shakespeare, Scarpa comemora fase e explica 12 chutes contra CRB

Gustavo Scarpa comemora o gol da vitória do Palmeiras contra o Defensa y Justicia - Cesar Greco/ Ag. Palmeiras
Gustavo Scarpa comemora o gol da vitória do Palmeiras contra o Defensa y Justicia Imagem: Cesar Greco/ Ag. Palmeiras

Diego Iwata Lima

De São Paulo

18/06/2021 04h00

No momento, Gustavo Scarpa, 27, está com dificuldade de prosseguir na leitura de "Todo meu caminho diante de mim", do escritor inglês C. S. Lewis, seu atual livro de cabeceira. É tentador demais não tomar o título do livro como metáfora para o momento do jogador e seu futuro.

Após quase quatro anos, enfim, Scarpa está entregando aquilo que se esperava dele em 2018, quando da sua chegada ao clube paulista. Depois de mais de três anos e meio, também, ele afirma estar finalmente atuando em sua verdadeira posição, como meia de criação, favorecido pelo esquema de Abel, com um volante e dois jogadores na armação.

"Estou variando esquerda, direita e, às vezes, centro. E a confiança é bem maior, depois de tanto tempo no clube, por estar na minha posição. Estou feliz para caramba, e a confiança está voltando", disse o jogador em entrevista ao UOL.

"Joguei de lateral, ponta-direita, ponta-esquerda. E eu não sou o Rony, não sou o Wesley, não tenho velocidade para ser ponta. E quando o time ia mal, sobrava para quem?", diz ele. "Quem sabe de futebol sabe que é muito difícil render em uma posição que não é a sua".

Scarpa é o jogador com mais participações em jogos no ano, com 39 —somadas as partidas da temporada 2020. Contando apenas jogos da temporada 2021, o camisa 14 soma 11 assistências em 25 jogos e 15 participações em gols —colocou quatro bolas na rede—, e também lidera a estatística.

E quanto à leitura, sua grande paixão nas horas vagas, o meia também parece estar em grande fase. Ele revelou ter terminado de ler o enorme "Os Miseráveis", de Victor Hugo, e criticou "Hamlet", de William Shakespeare, cuja história avaliou apenas como "legalzinha".

Futebol de Scarpa, porém, renasceu em posição "aleatória"

A ressurreição de Scarpa no campo, no entanto, começou com o jogador em uma posição "aleatória", como ele costuma dizer. Foi se oferecendo para ser lateral/ala pela esquerda que ele começou a conquistar o técnico Abel Ferreira, na história que já ficou célebre.

Abel separou todos os jogadores por setor, de acordo com o que cada um dizia que fazia em campo. E, na lateral esquerda, percebeu que tinha apenas Matias Viña como opção.

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Gustavo Scarpa comemora o gol pelo Palmeiras contra o Libertad (PAR)
Imagem: Cesar Greco

"O pessoal ficava olhando pra mim e dizendo: ‘vai lá, vai lá, Scarpa’. E eu dizia, não vou, não vou. Até que fui", contou ele, entre risos. "Eu acho que ele fez aquilo mais pensando naquela posição, porque sabia que só tinha o Viña. Aí, ele [Abel] veio me cumprimentar e disse: ‘agora que você se colocou à disposição, vou usar’. E eu falei "Demorou. Se precisar, estamos aí", disse, com seu jeito descontraído.

Scarpa jogou bastante como ala, até que errou contra o Ceará, escorrendo no lance que deu origem ao 0 a 1, em janeiro deste ano —derrota por 2 a 1 no Castelão, pelo Brasileiro de 2020. "Depois desse dia, não joguei mais por ali", concluiu o meia, entre risos.

Foi Abel quem o devolveu ao meio de campo

Partiu de Abel a ideia de recolocar Scarpa para brigar por uma posição no meio-campo. "Eu acho que ele teve esse feeling de que era injusto, porque eu atuei mais fora de posição que qualquer outro jogador, e iria ficar difícil conquistar um lugar no meu setor", acredita. "Foi a melhor notícia, quando ele veio me avisar", relembra-se.

"Eu não me lembro de ter tido uma sequência tão grande como titular", afirma ele, que vem buscando ter um bom entendimento com Raphael Veiga. "Pelo fato de estarmos com dois meias, é esperado um pouco mais de movimentação. O que um faz, o outro faz o contrário. Se um desce para ajudar o volante, o outro sobe para receber", explica.

Scarpa em números: 12 chutes num jogo, 11 assistências na temporada

Os números gerais de Scarpa na temporada são excelentes. Na vitória por 3 a 0 sobre o Juventude, deu dois passes para gol —três, se considerado o escanteio que originou o gol contra de William Matheus. Mas houve um número recente seu que também foi destaque: os 12 chutes contra o CRB, na derrota por 1 a 0, pela da Copa do Brasil.

O que passou na cabeça de Scarpa para que ele chutasse tanto? Até Felipão, seu ex-técnico, em visita ao hotel do Palmeiras em Porto Alegre, antes do confronto com o Juventude, falou do assunto com ele.

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Gustavo Scarpa, jogador do Palmeiras, durante treino nesta quarta na Academia de Futebol
Imagem: Cesar Greco

"Nem me fala [desse jogo]! Tem jogo que eu forço, chuto desengonçado, chuto longe pra caramba. Mas contra o CRB, fluiu. Acho que os caras sabiam que eu não ia fazer [risos]", disse. "Mandei bolas buscando a ‘gaveta’ [o ângulo]. O Felipão foi lá no hotel, fui chegar para cumprimentar, e nem deu tempo. ‘Você quer mandar todas lá na gaveta’, ele falou", conta Scarpa.

"No jogo, o pessoal não reclamou de eu chutar tanto, mas reclamou de eu tentar sempre chutar onde é impossível para o goleiro. Eles diziam: ‘bate só no gol, o goleiro deles não está nem indo na bola’. E eu dizia 'tá, tá'. Mas na hora do chute, eu procurava sempre a gaveta. E eu sei que pega mal, 12 chutes e nenhum gol", resigna-se. "Ao menos converti meu pênalti, o que aliviou um pouco, apesar da eliminação", disse.

Sobre as decisões nos pênaltis perdidas reiteradamente pelo clube, Scarpa não encontra explicação.

"Está estranho isso aí", diz ele, que afirma que, em todo treino, há práticas de cobranças de faltas e pênaltis, da qual ele sempre participa. "E nessa hora, em tudo está difícil, que a gente que se unir", diz ele.

Scarpa está desistindo dos filmes e focando nos livros

Já faz tempo que Scarpa não posta uma de suas resenhas literárias em seu perfil no Instagram. Mas não é por ter parado de ler. Ao contrário, faz pouco tempo que ele terminou "Os Miseráveis", de Victor Hugo, um catatau de mais de 1500 páginas publicado em 1862 —que ele adorou, aliás. O mesmo não se pode dizer da adaptação para o cinema.

"Nossa, o musical me decepcionou muito", diz ele, que está desistindo de ver os filmes baseados nos livros de que gosta. Ele também não gostou das versões para as telas de "O Caçador de Pipas" e "Clube da Luta".

"Eu me tornei o que mais desprezava: aquele que acha os livros muito melhores que os filmes. Antes eu pensava: ‘Para quê ler o livro se dá para ver o filme? Hoje, acho os livros muito melhores", afirma.

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Gustavo Scarpa se movimenta à frente de Montiel durante River Plate x Palmeiras na Libertadores 2020
Imagem: Juan I. Roncoroni ? Pool/Getty Images

Mas nem todos os livros caíram no gosto de Scarpa. "Hamlet", clássico de William Shakespeare, recebeu uma cornetada do meia. "Falavam tanto da história, ela é legalzinha e tal, mas não é tanto assim".

Ele também adorou "Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Márquez, não sem uma ressalva. "O livro é uma puta viagem, mas me perdi ali no meio, com todo mundo com o mesmo nome", diz ele, entre risos.

Cartel para avaliar livros, o jogador tem. Afinal, leu desde a Bíblia, seu primeiro livro levado a sério, a "Crime Castigo", passando por "Irmãos Karamazov", "Metamorfose", "O Médico e o Monstro" e muitos outros clássicos. Livros pelos quais ele começou a se interessar em 2019, com um ex-estagiário da preparação física do Palmeiras chamado Pedro Jatene, que começou a lhe apresentar as obras.

"Uns, ele me deu. Outros, fui pesquisando", conta ele, que deu o pontapé na literatura não-cristã com "Steve Jobs", a biografia do genial criador da Apple. "Ganhei da minha tia e pensei que nunca ia ler um livro tão gigante. Mas um dia me deu um estalo e, quando vi, já tinha acabado", conta.

As telas do cinema e da TV não são as únicas que Scarpa tem deixado de lado. As redes sociais também têm tido menos peso para ele. Em especial no que diz respeito aos comentários de seguidores, função que ele desabilitou.

"Era legal ler quando eu jogava bem, mas muito ruim ler os comentários negativos", conta ele. "[Desabilitar] foi a melhor coisa que eu fiz", diz. "Como tudo na vida, quem faz coisas legais paga por quem faz as ruins. Às vezes, o cara quer elogiar e não consegue", diz ele, que certamente estaria recebendo mais afagos que xingamentos dos palmeirenses atualmente.