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Contratado pelo Atlético-MG após o tetra, Taffarel deixou o Galo há 23 anos

Taffarel vestiu a camisa do Galo entre 1995 e 1998 antes de acertar com o Galatasaray, da Turquia - Divulgação/Atlético-MG
Taffarel vestiu a camisa do Galo entre 1995 e 1998 antes de acertar com o Galatasaray, da Turquia Imagem: Divulgação/Atlético-MG

Henrique André

Do Uol, em Belo Horizonte

03/05/2021 12h10

Prestes a completar 55 anos de vida, Cláudio André Taffarel coleciona memórias ímpares no mundo da bola. Se no próximo sábado (8) o preparador de goleiros da seleção brasileira estará com a família comemorando mais um aniversário, nesta segunda-feira o dia também amanheceu com ar especial. No mesmo 3 de maio, mas de 1998, o tetracampeão do mundo fazia sua última partida com a camisa do Atlético-MG, clube que o "acolheu" após se tornar herói nacional no Mundial dos Estados Unidos, quatro anos antes.

Com 191 jogos disputados com a camisa do Alvinegro, o gaúcho de Santa Rosa acumulou 105 vitórias, 44 empates e outras 42 derrotas, num período em que o clube vivia enorme crise financeira e ainda treinava na Vila Olímpica (Centro de Treinamentos utilizado antes da construção da Cidade do Galo). Pelo Galo, Taffarel levantou os canecos do Mineiro, em 1995, e das Copas Conmebol e Centenário, ambas em 97. A identificação com a capital mineira foi tamanha, que ele acabou recebendo o título de Cidadão Honorário.

"Depois que eu voltei da Copa do Mundo de 1994, sem muitas explicações, fiquei desempregado. Eu já havia ido ao Mundial com a rescisão do meu contrato com a Reggiana-ITA assinada. Quando acabou a Copa, ninguém me fez oferta e eu acabei ficando em casa. Foi um período muito bom, porque pude ficar com minha filha, e meu filho nasceu três meses depois. O Atlético surgiu no final do ano. O presidente Paulo Cury e o Mazinho me procuraram. Negociaram com minha esposa. Me lembro que era um valor nada alto, diferente de hoje quando um jogador volta da Europa. O clube estava em dificuldade. Recusei uma proposta do Japão, na qual o empresário queria ganhar 40% do que eu ganhasse lá. Eu não aceitei tal situação", conta Taffarel em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.

"Realmente, quando cheguei no Atlético-MG, depois do entusiasmo todo da minha chegada, com aquela recepção dos torcedores, comecei a viver a realidade que o clube se encontrava naquele momento; muito, muito mal mesmo. Salários atrasados, funcionários e jogadores sem receber. Foi um momento muito difícil. Eu, às vezes como capitão, tinha que estar à frente, brigando com presidente, com diretor... Foi uma situação muito desagradável e desgastante. Não tínhamos uma estrutura, um centro de treinamentos; era tudo muito abaixo do necessário. Mas ao mesmo tempo foi um aprendizado. Na dificuldade a gente valoriza mais as coisas. Vi vários jogadores jovens, ótimos, crescerem naquele período. Se eu tivesse jogado no Atlético de hoje, seria mais fácil", acrescenta o ex-goleiro.

Confira outras perguntas da entrevista com Cláudio André Taffarel:

Na sua estreia, o Galo fez um amistoso contra o Flamengo de Romário. Foi uma noite inesquecível? Afinal, o Atlético foi seu segundo clube no Brasil... E, para completar, qual seu momento mais feliz pelo alvinegro?

A minha estreia foi impressionante e inesquecível. A Copa terminou em julho e eu fiquei até janeiro sem jogar. A chegada em BH e aquela recepção da torcida me deixaram muito empolgado. Me lembro que um repórter me perguntou quanto tempo levaria para entrar em forma e eu disse que em uma semana; tudo pela alegria de voltar a jogar e de estar num ambiente em que fui recebido de maneira carinhosa. O Mineirão era um palco impressionante. Eu já estava desacostumado com aquela vibração do torcedor, pois na Europa o pessoal não é tão vibrante como no Brasil. Começou aquela onda do 'El El El, sai que é tua Taffarel' e aquilo se intensificou bastante. Ganhamos aquele jogo do Flamengo (3 a 2), mas o que mais valeu foi aquela emoção. Tive outros momentos muito marcantes no Atlético. Fica complicado eleger um. Foi maravilhoso.

Hoje, a exigência de jogar com os pés tem colocado grandes goleiros no banco de reservas. Como você enxerga este cenário, principalmente por, desde a sua época, ter esta qualidade como um de seus diferenciais?

Nos dias de hoje, no futebol moderno, não se pode perder a posição por não saber jogar com os pés. Isso é uma coisa que não se pode admitir ou aceitar. O grande goleiro é completo e preparado para todas as situações. Mesmo antes de ter esta atualização de que ele participe mais e que o time saia jogando de trás, ele já tinha que saber jogar com os pés, com passe e domínio bons. Isso é um alerta para os jovens para que treinem bastante e aprimorem. Na minha época eu gostava de jogar com os pés, dar balãozinho, de participar fora da área...

O Atlético-MG tem um projeto de ser o principal clube da América do Sul. Para isso, tem apostado na montagem de um grande elenco e na construção do estádio próprio. Você viveu o finalzinho da chamada "Selegalo" (1994/95). Qual conselho daria para que o fiasco daquela equipe não se repita agora?

O Atlético querer ser uma referência (na América do Sul) vai acontecer aos poucos. Acho que aquele erro do passado de chamar um monte de jogador para montar uma seleção não faz parte do futebol atual. Por méritos, por ter se estruturado muito bem, o clube está contratando muito bem. Espero que a dívida não cresça e que o resultado destas contratações seja o melhor possível. Este é o futuro. Hoje, o clube tem que estar bem estruturado financeiramente, com projetos a longo prazo, com uma gestão muito boa. Acho que nisso estão preocupados. Depois, em campo, é reflexo. É um passo muito importante que o Atlético está dando. Tem um vizinho aí que passa por um grande problema. Não é legal um clube como o Cruzeiro passar por isso, mas mostra que uma má gestão pode acontecer quando se coloca pessoas que não estão ali pelos interesses do clube, mas sim pessoais.

Ídolo da torcida, assim como você, Victor pendurou as chuteiras recentemente. Daria um conselho a ele para essa nova fase da vida profissional? Ele se tornou gerente de futebol...

Taffarel: O Victor não precisa de conselho. Ele chegou no Atlético e fez um ótimo trabalho em campo. Agora, tem esta possibilidade de continuar trabalhando no clube. Com certeza está gostando muito da cidade, do ambiente de BH. Isso aconteceu comigo também. Para mim, minha casa era Belo Horizonte e não mais Porto Alegre. Justamente porque as pessoas te deixam muito à vontade. Acredito que ele tenha o mesmo sentimento. O Victor sempre foi muito ponderado, inteligente e bom parceiro. Acho interessante este trabalho dele e desejo muito sucesso.

Você trabalhou com o Rogério Maia, atual preparador de goleiros do Galo. Antes dele ser contratado, seu nome foi ventilado para ocupar a função. Seria um objetivo pessoal retornar ao Galo um dia para exercer o cargo?

O Maia é meu grande parceiro e um grande treinador de goleiros. Ele é muito experiente e rodou por muitos clubes, além de ser professor da CBF Academy e ter um conhecimento muito grande. O Atlético contratou um baita de um profissional. Na época, alguém falou do meu nome, mas não tem dúvidas que se eu fosse o escolhido, iria tranquilamente. Voltar a ter aquela sensação de trabalhar no clube seria uma coisa muito boa. Não era o momento de retornar. Sempre converso com o Maia e ele me fala muito bem dos goleiros do Atlético. Isso já é o suficiente para mim.