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Por que clubes-empresa se saem melhor em meio à crise financeira no Brasil

Thiago Fernandes

Do UOL, em São Paulo

10/04/2021 04h00Atualizada em 12/04/2021 10h57

Os clubes tratados como empresa no Brasil têm encontrado mais facilidade para superar os problemas financeiros em meio à pandemia do novo coronavírus. O UOL Esporte conversou com diretores de diferentes divisões e cidades para explicar como eles têm se organizado durante a recessão econômica por causa da covid-19, que traz limitações ao futebol desde maço de 2020.

O Botafogo-SP, que disputa a Série A1 do Campeonato Paulista, é uma sociedade anônima e tem se organizado para honrar compromissos em meio à pandemia do novo coronavírus. O diretor de futebol do clube, Paulo Pelaipe, explica que há patrocinadores e investidores ajudando a manter as contas em dia.

"O Botafogo tem patrocinadores, investidores da SA que honram os compromissos. Na folha do mês de março, foi paga no quinto dia útil de abril. Todos os compromissos da SA estão em dia. Nós planejamos o ano inteiro. A verba orçamentária, os projetos todos estão sendo cumpridos. A gente não desvia valores. Aqui não tem jeitinho, foi votado gastar X no futebol por mês, nós vamos gastar X. Não dá para gastar R$ 200 mil, R$ 300 mil a mais", afirmou ao UOL Esporte.

"Isso é votado, aprovado e rigorosamente cumprido. É uma diferente muito grande do que vejo em relação aos clubes tradicionais, com R$ 90 milhões de déficit em uma temporada. Isso é um absurdo, não há quem resista. A gente trabalha dentro de um planejamento financeiro, e os investidores cumprem tudo aquilo que é ajustado e acertado. Isso é importante", acrescentou.

Marcus Vinícius se responsabiliza pela gestão do FC Cascavel, líder isolado da atual edição do Campeonato Paranaense. A campanha de destaque, para o gestor, é fruto do bom trabalho feito pela diretoria.

"É um clube empresa, relativamente jovem e com uma gestão profissional, organizada e responsável. No ano passado, há mais ou menos um ano, algumas medidas foram tomadas. A gente teve dois meses de redução salarial no início de pandemia. Quando vimos que as coisas demorariam mais tempo para voltar ao normal, o clube teve que adotar medidas de redução de gastos, algo normal, para poder manter os compromissos em dias. Houve um planejamento refeito. A gente teve que suspender as categorias de base naquele momento. A gente relatou um plano, teve que reduzir os gastos na base. Diante do bom projeto que o clube apresenta, com estrutura de CT", explicou o dirigente ao UOL Esporte.

"A gente tem ainda a Copa do Brasil. Vamos enfrentar o Avaí agora na segunda fase. Isso, de alguma forma, diante de todo cenário de insegurança do futebol, a gente criou formas de readequação salarial e dos gastos. Essas medidas, porque a gente teve também perda de receita de público e de patrocínio. Infelizmente, tivemos que suspender as atividades de base, mas a gente consegue pagar os salários rigorosamente em dia e ainda mantém desempenho", comentou.

Na terceira posição da Série A3 do Paulista, o Nacional-SP segue os passos de FC Cascavel e Botafogo-SP. O clube trata com seriedade o trabalho feito na gestão e aposta na adimplência dos compromissos para render em campo.

"A gente trata esse assunto de forma muito séria, porque a gente vê todas as dificuldades que a sociedade está passando. Tivemos uma reunião entre investidores e patrocinadores e mostramos que seria importantíssimo manter os salários e contas em dia para não transformar em bola de neve. Todo mundo foi muito solícito. Estamos inovando e tentando inovar, vamos lançar camisa do Nacional, estamos reformando o restaurante do clube para buscar novas fontes de renda para evitar atraso em compromissos", comentou o gestor Glauber Berti ao UOL Esporte.

"O nosso objetivo é chegar ao final da Série A3 já classificado para a Série A2. Isso gera receita para o futuro. Esse resultado dentro de campo nos gera uma renda diferente para o ano que vem. O trabalho foi voltado para isso, colocamos jovens para jogar. A ideia é que esses jovens nos ajudem a colher frutos para o futuro do clube, para sempre manter as questões financeiras em dia", acrescentou.

Vice-presidente do Cuiabá, Cristiano Dresch explicou o que foi feito na equipe que vai disputar pela primeira vez a Série A em 2021 em um modelo já sacramentado de clube-empresa.

"Continuamos profissionalizando todos nossos setores, tornando alguns departamentos mais organizados, como nas áreas contábil, jurídica e administrativa. E temos muito orgulho em dizer que nunca atrasamos um só salário. Temos investido pesado, do nosso bolso, mas com enorme responsabilidade, cobrindo todos os déficits possíveis. Tudo o que prometemos aos profissionais que aqui chegam e trabalham, nós cumprimos, e acredito que isso seja um diferencial positivo e importante a nosso favor", apontou.

Advogado e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pedro Trengrouse também se manifesta sobre a situação: "Vejo a transformação dos clubes em empresas como um caminho extremamente positivo. Esse modelo é a chave para o desenvolvimento e crescimento do futebol brasileiro, pois pode trazer mais investimento aos clubes que se organizarem neste sentido. O Brasil precisa virar a página deste modelo associativo que trouxe o futebol até aqui, mas agora engessa seu desenvolvimento. O futebol profissional hoje é negócio de bilhões e não pode continuar sendo administrado em estruturas criadas para contar tostões. Onde tudo é de todos, nada é de ninguém. Numa estrutura empresarial o patrimônio dos sócios responde pelas falhas da gestão. Esse é o maior incentivo para eficiência".