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Catar está quase pronto: o que esperar da 1º Copa do Mundo em país islâmico

Tiago Leme, de Doha

Da RFI

28/02/2021 15h14

Classificação e Jogos

Faltando menos de dois anos para a Copa do Mundo de 2022, o Catar, eleito como sede em 2010, já apresenta uma infraestrutura de alto nível e quase pronta para receber o maior torneio de futebol de seleções.

Estádios, centros de treinamentos, sistema de transporte e até uma nova cidade foi construída praticamente do zero. Neste ponto, o país do Oriente Médio se mostra preparado. Mas também existem preocupações quanto à organização e críticas internacionais. Será a primeira vez que uma nação árabe de religião islâmica vai sediar o Mundial, e as diferenças culturais geram dúvidas nos turistas.

Dos oito estádios que receberão os jogos, cinco já estão finalizados e os outros três ficarão prontos até o fim deste ano. O Comitê Organizador também já apresentou às federações nacionais as opções de hospedagem e instalações de treinamentos, como a moderna Aspire Academy. Depois de muitas obras realizadas nos últimos anos, a cidade de Doha também apresenta boa estrutura, com destaque para o amplo e novo metrô, que foi inaugurado em 2019, conta com três linhas, 76 km de extensão, 37 estações e chega perto de todos os estádios.

Palco da final da Copa, o Estádio Icônico de Lusail terá capacidade para 80 mil pessoas e está sendo concluído em uma área onde antes não havia quase nada. Uma nova cidade inteira de 35 km2, também com o nome de Lusail, está sendo construída a 20 km de distância de Doha, com zonas residenciais, comerciais, de entretenimento, marina, praia, além do estádio.

Morando no Catar há dez anos, o jogador brasileiro Rodrigo Tabata, que se naturalizou catari e hoje atua pelo Al Sadd, fez elogios à transformação que este pequeno e rico país do Golfo Pérsico passou para receber a Copa.

"A estrutura eu tenho certeza que não será problema nenhum. Tem lugares que eu vou que antes era praticamente deserto e hoje em dia está todo com construções, já estão sendo habitados, coisas novas, hospitais novos, uma qualidade excepcional. Quem vier para essa Copa vai ser inesquecível", disse Tabata, que ainda se impressiona com a agilidade das obras.

"Aqui as coisas acontecem muito rápido. Uma construção gigantesca, eles costumam fazer em três anos. É 24 horas com o pessoal trabalhando, então é uma coisa incrível", contou o jogador.

Disputada entre os dias 21 de novembro e 18 de dezembro de 2022, a competição vai receber torcedores de 32 seleções, pessoas das mais variadas culturas em um país de pequenas dimensões territoriais, com tamanho equivalente à cidade de Manaus.

A expectativa é que cerca de 1,5 milhão de estrangeiros desembarquem para a Copa do Mundo, o que representa mais da metade da população do Catar.

O país já sediou os Mundiais de Clubes de 2019 e de 2020. No primeiro, milhares de rubro-negros viajaram para assistir à derrota do Flamengo para o Liverpool na decisão, mas o número de torcedores foi pequeno em relação ao que se espera para o próximo ano.

Em 2020, o Palmeiras decepcionou, perdeu na semifinal para o Tigres, do México, e o Bayern de Munique foi campeão, mas as fronteiras estavam fechadas para turistas por causa da Covid-19 e apenas residentes puderam ir aos estádios.

Em dezembro de 2021, o Catar vai sediar a Copa Árabe, com 22 seleções da região, que será um grande teste. Mas nada se compara ao tamanho do evento da Fifa em 2022. Por isso, o veterinário brasileiro Silvio Arroyo Filho, que mora com a família em Doha desde 2010, fez um alerta para a situação.

"Acho que a questão de ser uma Copa pequena é uma faca de dois gumes. A parte da torcida se divertir vai ser muito legal, vai ser um contato muito grande de todo mundo. Vai ter uma interação grande, além de você poder assistir a vários jogos no mesmo dia, e isso é um lado positivo", afirmou

"Mas tem também o lado negativo. Por mais estrutura que estejam fazendo, não sei como essa estrutura aqui vai segurar. Principalmente a parte humana, como policiamento, essas coisas. Não sei como eles vão lidar com tanta gente. Isso para mim é um ponto de interrogação, porque eles não estão acostumados a ter tanta gente no país", disse o veterinário.

Sem shorts, ombros de fora ou beijos em público

Para o torcedor que viajar ao Catar, será necessário se adaptar a algumas regras da cultura local. Entre elas estão: restrição de bebidas alcoólicas, roupas adequadas (nada de shorts e saias curtas, decotes ou ombros descobertos), proibição de casais se beijarem em público e homossexualidade considerada como crime, por exemplo. No entanto, já houve avanços, e muitos cataris estão mais tolerantes.

Na Copa do Mundo, será possível comprar cerveja nas Fan Zones criadas pela Fifa e em alguns setores dos estádios. Normalmente, o álcool só pode ser vendido em bares de determinados hotéis internacionais.

Nos últimos dias, após ameaça de boicote de uma dupla de jogadoras alemãs de vôlei de praia, o governo do Catar voltou atrás em uma exigência sobre roupas mais compridas e liberou o uso de biquínis para as atletas durante as partidas da etapa do Circuito Mundial em Doha.

Algumas medidas são motivo de polêmica entre pessoas de outras nacionalidades. Mas o brasileiro Silvio, que conhece bem os costumes muçulmanos, minimizou qualquer problema maior.

"A questão cultural depende muito da educação de cada um. Eu viajo o mundo inteiro, e quando a gente vai em um país, sempre acaba respeitando a cultura do lugar, as pessoas do lugar. A gente está indo no país de alguém, na casa de alguém, então a gente tem que respeitar", afirma.

"Eu acho que existem alguns preconceitos que causam esse problema, mas temos que levar em consideração que estamos na casa deles, é a cultura deles e temos que respeitar. Eu não vejo problema nenhum nisso, de não poder beber na rua, essas coisas. Agora, talvez essa parte de mulher de biquíni, shorts curto, provavelmente alguns cataris podem ficar um pouco mais ofendidos", explicou Silvio.

Pelo menos 6.500 trabalhadores mortos durante as obras

Durante os últimos anos, o Catar sofreu críticas quanto às condições precárias dos trabalhadores que atuam nas obras dos novos estádios da Copa. Esses imigrantes, a maioria de países como Índia, Bangladesh, Nepal, Paquistão e Sri Lanka, estariam sofrendo abusos de direitos humanos.

Na última semana, o jornal britânico "The Guardian" inclusive publicou uma reportagem dizendo que pelo menos 6.500 trabalhadores morreram desde que o país virou sede do torneio.