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Política, cadeira de rodas e até fidelidade: filme exalta, mas expõe Pelé

Pelé fala sobre o uso político de sua imagem

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

22/02/2021 04h00

De "comportamento do negro submisso" até "símbolo da emancipação brasileira", o documentário "Pelé" que a Netflix lança amanhã (23) leva ao espectador uma série de visões contraditórias sobre o Rei do Futebol, num exercício de exaltação e também de exposição.

O objetivo anunciado pelo filme dirigido pelos britânicos David Tryhorn e Ben Nicholas é de um novo olhar sobre a história de Pelé, da infância até o auge com o tricampeonato da seleção na Copa de 1970. Em quase duas horas a partir de 23 entrevistas é construído um retrato das glórias aos assuntos desconfortáveis, como posicionamento político e dificuldades para andar.

A primeira imagem do documentário após a abertura já é de impacto, porque mostra Pelé caminhando em um salão vazio com auxílio de um andador na direção da cadeira onde se sentaria para conceder uma entrevista. Após sentar-se, ele retira o andador de cena com um movimento brusco antes de alguém buscá-lo. É como se não fosse um objeto com o qual ele quisesse ser identificado.

Mas, neste contexto de exposição de contradições, há outra cena em que as questões físicas viram motivo de alegria — é, aliás, um dos momentos mais icônicos do documentário. Pelé reúne num churrasco os ex-companheiros de Santos Pepe, Mengálvio, Dorval, Manoel Maria e Edu. Ele chega em cadeira de rodas e faz uma manobra de brincadeira para mostrar que está conduzindo bem o objeto. Edu até brinca dizendo que é um "cavalo de pau" e todos riem.

Pelé - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Pelé, de costas, comemora gol da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1970
Imagem: Divulgação/Netflix

Com a câmera aberta, que mostra a mesa do almoço à distância, uma frase de Pelé dá o tom da emoção e representatividade daquela cena com senhores que já foram craques e agora têm movimentos lentos e custosos: "Não come muito para não engordar porque tem jogo amanhã."

A questão física é sempre um tabu na gestão de imagem de Pelé. Ele já fez operações na coluna (2015) e duas vezes no quadril (2012 e 2016), o que atrapalha sua mobilidade. Por ter forçado andar normalmente ainda teve problemas no joelho. Por tudo isso, evita ser visto publicamente com uma imagem de fragilidade.

"Aceitou o regime, conviveu com ele"

"Quando teve a ditadura, mudou alguma coisa para você?".

Não, o futebol continuou igual. Para nós não teve muita diferença. Pelo menos para mim não teve diferença nenhuma."

O uso político da imagem de Pelé, especialmente na época da Ditadura Militar, é um tema recorrente no documentário, como mostra a pergunta de um dos diretores e a resposta do Rei. São assuntos que o personagem do filme não se acostumou a enfrentar ao longo dos anos, mas que desta vez não se omite. O contexto do Brasil dos anos 50, 60 e 70 é o pano de fundo da produção.

Pelé - Divulgação/Netflix - Divulgação/Netflix
Pelé durante filmagem de documentário
Imagem: Divulgação/Netflix

Há opiniões duras, como dos jornalistas Paulo César Vasconcellos e do ex-jogador Paulo Cezar Caju. E há outras mais leves, como do cantor Gilberto Gil e da deputada federal Benedita da Silva. Também há argumentos em sua defesa sobre a falta de posicionamento político, como do jornalista e colunista do UOL Juca Kfouri, que diz que Pelé não tinha garantias que não poderia ser submetido a tortura caso se colocasse contra o regime.

O documentário ainda conta como a pressão dos militares na época fez Pelé desistir de uma importante decisão sobre a seleção brasileira na Copa de 70, entre outros retratos da época.

Pelé chora em dois momentos do documentário - um deles, de avermelhar os olhos e não conseguir continuar falando. Também há momentos de desconcerto, em que ele parece tentar fugir com olhares. Isso acontece quando é questionado sobre fidelidade no casamento com Rose, que durou entre 1966 e 1978. "Honestamente? Era [difícil ser fiel]".

Pelé - Roberto Stuckert/Folhapress - Roberto Stuckert/Folhapress
Pelé levanta a taça da Copa do Mundo de 1970 ao lado do então presidente Médici
Imagem: Roberto Stuckert/Folhapress

SERVIÇO

Nome: "Pelé"
Ano: 2021
Onde ver: Netflix
Estreia: 23/2 (terça), às 5h
Classificação: 12 anos
Direção: David Tryhorn e Ben Nicholas
Duração: 1h48min