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Crise do São Paulo ultrapassa quatro linhas com dívida, demissões e tensão

Muricy Ramalho, coordenador técnico do São Paulo, se reúne com o elenco - Rubens Chiri / saopaulofc.net
Muricy Ramalho, coordenador técnico do São Paulo, se reúne com o elenco Imagem: Rubens Chiri / saopaulofc.net

Pedro Lopes e Thiago Fernandes

Do UOL, em São Paulo

22/01/2021 04h00

Depois de liderar o Brasileirão por 12 rodadas, o São Paulo entrou de cabeça em uma crise ao ser goleado pelo Internacional por 5 a 1, na última quarta-feira (20), no Morumbi, cedendo a ponta da competição. Para além da derrocada são-paulina em campo, o time está cercado por uma série de problemas fora das quatro linhas, como dívidas com os jogadores e uma transição conturbada entre diretorias nos bastidores.

O ex-presidente Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, deixou o São Paulo no último dia 31 de dezembro. Julio Casares assumiu no primeiro dia de 2021, deu continuidade ao trabalho de Fernando Diniz e garantiu a permanência de Raí até fevereiro como executivo de futebol. Mas, numa ampla reforma administrativa no clube, promoveu as saídas de Diego Lugano da diretoria de relações internacionais e Alexandre Pássaro do futebol. O conselheiro Carlos Belmonte passou a atuar como homem-forte do futebol.

Pássaro era, há anos, o homem forte de fato do futebol tricolor. Advogado de formação, foi quem conduziu a negociação de acordos de redução de pagamentos de salários e diretos de imagem durante pandemia da covid-19. Quando o clube não teve caixa para honrar os compromissos do acordo e atrasou pagamentos para o elenco, foi o dirigente responsável pela interlocução, detalhando a situação a vários atletas e empresários. O São Paulo afirma que não há valores atrasados ou dívidas com jogadores fora do combinado no acordo do ano passado. A reportagem mantém a informação de que parte do acertado não foi cumprida.

Embora tivesse uma avaliação mista de seu trabalho e enfrentasse detratores dentro do próprio São Paulo, Pássaro era um dos principais elos entre o campo e os escritórios do Morumbi. Tinha a confiança dos jogadores — quando deixou o clube, mais de dez atletas que passaram pelo clube foram às redes sociais e se manifestaram em despedida. Em entrevista coletiva ontem (21), Daniel Alves lamentou a demissão.

"A única pessoa que gostaria que tivesse continuado também é o Pássaro. Não gostaria que saísse neste momento. Ele tomou porrada para caramba, como a gente tomou, e no momento que a gente poderia ter algo, ele teve que nos deixar. Eu, particularmente, gostaria que continuasse com a gente. As decisões foram tomadas e a gente tem que respeitar", disse o jogador.

O UOL Esporte apurou que Daniel não está sozinho na opinião. Mais do que lamentar a saída, diversas fontes ouvidas pela reportagem relatam um vácuo na relação entre CT e diretoria com a saída de Pássaro e a transição entre gestões. Três pessoas diferentes afirmam que, na virada do ano, o clube deixou de depositar valores relativos a algumas pendências financeiras com alguns atletas. Jogadores e empresários ficaram sem saber como proceder. Raí também tem data marcada para deixar o clube (ao final do Brasileirão). Mesmo dentre os que defendiam a saída de Pássaro, há o discurso de que ela deveria ter sido promovida só após o fim do campeonato.

Internamente, pessoas ligadas à cúpula do São Paulo afirmam que a saída do dirigente passou justamente pelo acumulo de dívidas e estouros orçamentários na gestão anterior do ex-presidente Leco. O argumento é de que a atuação de Pássaro à frente das negociações de contenção de dívidas não era razão para interferir no processo natural de troca de comando do futebol no início de uma nova gestão. Para a direção, o time de futebol há que ser profissional e manter o mesmo desempenho mesmo sob direção de outras pessoas.

O São Paulo tem dívidas com quase todos os atletas. O clube afirma que todo valor devido é dentro dos moldes do acordo de redução salarial firmado no ano passado, mas o UOL Esporte apurou que parte dele vem sendo, desde o 2019, descumprida. Os salários em carteira estão em dia dentro do combinado, mas parte dos direitos de imagem e outras pendências que já deveriam ter sido quitadas não foram pagas.

Diretoria do SPFC - Rubens Chiri/saopaulofc.net - Rubens Chiri/saopaulofc.net
O diretor adjunto Fernando Chapecó, o ex-gerente Alexandre Pássaro e o diretor-executivo de futebol Raí
Imagem: Rubens Chiri/saopaulofc.net

Clima de incerteza para Diniz e ruídos de reformulação

As demissões de Pássaro e Lugano aliadas à promessa de campanha de Casares de "reestruturar a Barra Funda" geraram um clima de incerteza no Centro de Treinamento. Funcionários de diferentes escalões do clube já dizem ter sido informados de que uma grande reformulação deve acontecer a partir de fevereiro e temem que seus dias estejam contados.

"Estaremos avaliando tudo o que acontece no futebol, não faremos movimentos bruscos, que atrapalhem o elenco, mas faremos o que tem que ser feito. Eu preciso realizar o que o sócio, o torcedor e os conselheiros aprovaram, que é o plano de gestão que passa por meritocracia e reestruturação profunda da Barra Funda. Respeitando as pessoas e os profissionais, mas dizendo que o São Paulo precisa mudar", disse Casares, em dezembro do ano passado.

Fontes ouvidas pelo UOL Esporte —muitas delas favoráveis à planejada reestruturação do CT da Barra Funda— fazem críticas ao fato de o assunto ter entrado no radar de funcionários e no ambiente do CT com o clube em plena disputa do título brasileiro.

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O ruído chega também à comissão técnica. Embora a nova diretoria tenha demonstrado apoio público a Fernando Diniz, a reportagem apurou que o técnico sabe, há meses, que sua chance de permanência passa pela conquista do título brasileiro. O comandante são-paulino conviveu e ainda convive com duas sombras de dois ídolos históricos são-paulinos: ao longo do ano passado, diversos veículos de imprensa noticiaram repetidamente que Rogério Ceni era o nome favorito para substituí-lo.

Neste ano, ele ganhou a companhia de Muricy Ramalho, que assumiu o posto de coordenador técnico. Depois da goleada de quarta diante do Internacional, diversos torcedores nas redes sociais clamavam para que Muricy assumisse o clube na reta final do Brasileiro. O agora coordenador afirma ter uma cláusula contratual que o impediria de ser treinador.

    Erros extracampo causam desfalques; goleadas trazem a crise

    Tchê Tchê expulso - Diogo Reis/AGIF - Diogo Reis/AGIF
    Tchê Tchê é expulso durante Red Bull Bragantino x São Paulo, jogo do Brasileirão 2020
    Imagem: Diogo Reis/AGIF

    O São Paulo sofreu o primeiro golpe em sua confiança ao ser eliminado da Copa do Brasil diante do Grêmio no dia 30 de dezembro, um dia antes de Leco deixar a presidência. Com mais uma queda no currículo, o time comandado por Fernando Diniz tinha a oportunidade de se recuperar diante do Red Bull Bragantino, em Bragança Paulista. Horas de antes do jogo, dois desfalques foram anunciados: Arboleda e Juanfran. Ambos vinham em boa fase, e eram apontados como peças importantes no fortalecimento da defesa são-paulina.

    Como revelado pelo UOL Esporte, ambas as ausências passaram por fatores extracampo e decisões do novo comando do futebol. Arboleda foi tirado do jogo por se atrasar na reapresentação; Juanfran ficou fora por uma divergência financeira com o clube e atraso no registro de seu contrato. Os substitutos Igor Vinicius e Diego Costa decepcionaram, o São Paulo foi goleado e Fernando Diniz protagonizou a briga com Tchê Tchê.

    A discussão foi um golpe duro para o volante e para o técnico, que viveram dias com a relação estremecida. Diniz se desculpou com o jogador, sua família e demais atletas, enquanto Tchê Tchê não quis falar sobre. A diretoria optou por não intervir publicamente ou tratar do assunto. Uma nova derrota no clássico diante do Santos, que usou um time reserva, abalou ainda mais a confiança do time e deflagrou de vez a crise.

    Conversas e exposição em meio a bastidores conturbados

    Muricy e Casares - Divulgação/São Paulo - Divulgação/São Paulo
    Muricy Ramalho sacramenta volta ao São Paulo em gestão de Julio Casares
    Imagem: Divulgação/São Paulo

    Sem reagir dentro de campo, o São Paulo perdeu a liderança do Brasileiro de forma vexatória ao levar o placar de 5 a 1 do Inter. Em reação ao processo de crise, a nova diretoria, com Muricy, lançou mão de cobranças públicas aos jogadores, com o conteúdo amplamente divulgado.

    A primeira conversa foi comandada por Muricy no dia 12 de janeiro. O São Paulo divulgou um trecho do discurso do ex-treinador, no qual ressaltava a necessidade de o time demonstrar mais vontade do que o adversário. "Para ganhar tem que querer mais que os caras. Não pode ser igual aos caras", dizia o vídeo.

    Com a perda da liderança, o tom subiu. Na manhã de ontem, o presidente Julio Casares cancelou uma reunião de rotina do Conselho de Administração do Clube para tratar com Muricy, Carlos Belmonte, Chapecó e Nelson Marques —os três últimos conselheiros que atuam no futebol— da permanência de Diniz. Do encontro, saiu uma cobrança pública, ressaltando a presença de Muricy e demandando do time e do técnico uma mudança de postura.

    "Foi uma derrota muito dura, mas ainda estamos na disputa. Temos totais condições de nos recuperar. Ninguém aqui está achando que não aconteceu nada, claro que não. Estamos tão chateados quantos os torcedores. Por isso precisamos nos recuperar. E isso passa pela mudança de postura", afirmou Casares em entrevista à colunista do UOL Esporte, Marília Ruiz.

    Muricy foi bem recebido pelo grupo e é admirado por jogadores. As conversas são processos normais, ainda mais depois de derrotas contundentes como a de quarta-feira. Pessoas ligadas a diferentes atletas, entretanto, citam incômodo com o detalhamento público das cobranças em torno justamente de "postura" ou vontade dos jogadores, que convivem desde o ano passado com dívidas, atrasos em pagamentos e salários reduzidos, sem qualquer reclamação ou manifestação pública.

    A sete rodadas do fim do Brasileiro, o São Paulo, então, enfrenta não só a concorrência de Internacional, Flamengo e Atlético-MG. Mas também as dívidas financeiras acumuladas pela gestão passada e o convívio com incertezas e cobranças públicas causadas pela transição de poder. Fora a queda de rendimento dentro de campo e perda da confiança diante da pressão gerada pelo jejum de oito anos sem conquista do clube. É um cenário de crise que pode tirar do Morumbi o título brasileiro. O São Paulo tem a primeira chance para reverter esse processo no sábado, às 19h, diante do Coritiba, no Morumbi.

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