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Nápoles divide com a Argentina o amor e a dor pela morte de Maradona

Torcedores do Napoli se reúnem em frente ao estádio San Paolo para prestar homenagem a Diego Maradona - EFE/Ciro Fusco
Torcedores do Napoli se reúnem em frente ao estádio San Paolo para prestar homenagem a Diego Maradona
Imagem: EFE/Ciro Fusco

Lyncon Pradella

Colaboração para o UOL, em Florianópolis

29/11/2020 04h00

A morte de Diego Armando Maradona aos 60 anos na última quarta-feira colocou em luto os fãs de futebol, em especial os argentinos. Mas a vida do craque também estava intimamente ligada à cidade de Nápoles, no sul da Itália, onde ele jogou pelo Napoli entre 1984 e 1991. E os napolitanos têm uma idolatria tão grande pelo "Pibe de Oro" quanto a dos argentinos.

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"Em Nápoles, Maradona sempre foi considerado napolitano. O rei de Nápoles era bom e generoso e, mesmo quando fazia coisas erradas, a gente o perdoava", disse Lucia Esposito, jornalista do Libero, periódico da cidade italiana.

Caixão -  EFE/EPA/CIRO FUSCO -  EFE/EPA/CIRO FUSCO
Caixão com a foto de Maradona é colocado em frente a bar na cidade de Nápoles, na Itália
Imagem: EFE/EPA/CIRO FUSCO

Ela também descreveu o sentimento que os locais sentem por "Díos". "Posso explicar o amor de várias maneiras. Primeiro: Maradona realizou o sonho que os napolitanos esperavam há muitos anos. Ele resgatou o Sul e a nossa cidade dos times mais fortes do norte da Itália. Seu jeito tão latino e espontâneo é basicamente muito parecido com o dos napolitanos".

Marco Bellinazzo, jornalista do Il Sole 24 Ore e autor do livro "O Napoli de Maradona" (2012), falou sobre o "resgate do orgulho da cidade" que Maradona trouxe.

"Os napolitanos eram considerados inferiores pelos italianos do Norte. Diego preferiu jogar aqui e nos deu muitas vitórias e alegrias. Ele restaurou o orgulho e a dignidade. É por isso que Nápoles o ama e o amará para sempre", afirmou.

O conflito entre o povo do Sul e do Norte, lembrado por Esposito e Bellinazzo, também foi citado pelo fotógrafo Paolo Vezzoli, que relembrou a Copa de 1990, realizada na Itália.

"Diego era napolitano 'por adoção'. Ele se casou com a cidade. Na Copa do Mundo de 1990, durante a semifinal entre Itália e Argentina, em seu estádio, o San Paolo, os torcedores do Napoli ficaram sentimentalmente divididos entre o apoio à sua seleção nacional e o apoio à Albiceleste de seu ídolo. Maradona deu a um povo oprimido um sentimento de vingança de valor inestimável contra seu próprio país. São dois amores diferentes, o dos argentinos e o dos napolitanos, mas ambos muito fortes".

Luigi Esposito, torcedor fanático do Napoli, não hesitou em opinar. "Acho que Diego é mais importante para nós, napolitanos, do que para os próprios argentinos porque eles tiveram muitos campeões e ainda os têm. Aqui, ele não era só um ídolo do futebol, mas o nosso imperador, aquele que estava à frente de um exército de cor azul pronto e que nunca traiu Nápoles. Maradona é único e permanecerá imortal".

O que dizem os argentinos?

Hernan Amez, jornalista e fundador da famosa Igreja Maradoniana, usa uma boa analogia para falar sobre o amor das torcidas da Argentina e do Napoli por Diego Maradona.

"Comparar o amor da Argentina com o dos torcedores do Napoli é como comparar se você gosta mais da sua mãe ou do seu pai. Os napolitanos deram para Diego um amor tremendo que ele precisava sentir. Sem esse amor, Maradona não teria feito a carreira que fez em Nápoles. O mesmo serve para os argentinos e o nosso país", disse.

Pelo mesmo caminho seguiram os jornalistas Enzo Sengiali, do Amor A La Camiseta e Radio Ensamble, e Diego Macias, do Olé.

"Maradona é quem melhor representou a camisa da Argentina por toda a história, mas o Napoli é uma metáfora de sua vida: um clube pobre, uma equipe que não tinha absolutamente nada e que chegou ao topo e ganhou tudo", afirmou Sengiali.

"O recorte em Nápoles possui muito mais momentos felizes do que tristes. Por outro lado, nós, os argentinos, vivemos, amamos e sofremos com todos os 'maradonas'", completou Macias.

Abraço - Juan Ignacio Ronconori/EFE - Juan Ignacio Ronconori/EFE
Torcedores rivais do River Plate e Boca Juniors se abraçam e dividem luto pela morte de Diego Maradona
Imagem: Juan Ignacio Ronconori/EFE

Na Argentina, Maradona conseguiu unir todas as torcidas. Já entrou para a história uma foto de um abraço cheio de dor entre um torcedor do Boca Juniors, onde o craque foi ídolo, e um fã do River Plate.

"Diego é um dos poucos, diria o único, que une, que não cria fissuras. Mesmo torcendo para o River, o amor por Diego não muda. Sempre amaremos Maradona", desabafou Cesar Frezzini, "hincha" fanático do River Plate. "Tive a oportunidade de visitar a Itália e Nápoles. Lá descobri um amor profundo, muito parecido com o povo argentino. Diego nos representou e soube aprender com o mundo. Nápoles ama isso nele, assim como nós. Isso revolucionou a cidade e a elevou. São amores muito parecidos".

A dor das torcidas de Boca, River, Racing e de todos os times argentinos também é sentida do outro lado do Atlântico. "A torcida do Napoli está com vocês, povo argentino. Nos deixa muito orgulhoso ver como vocês tratam nosso filho, nosso irmão. Temos a mesma paixão, branco e azul. Viva a Argentina, viva Napoli", disse Gennaro Montuori, jornalista e fundador da maior torcida organizada do clube, a Commandos Ultras Curva B (CUCB).