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Documentário criticado por Maradona mostra relação do craque com máfia

Cartaz do filme "Diego Maradona" Imagem: Instagram/Asif Kaádia

Ana Flávia Oliveira

Do Uol, em São Paulo

26/11/2020 11h00

O documentário "Diego Maradona", do diretor Asif Kapadia, ainda inédito no Brasil, conta a história do craque argentino, morto nesta quarta-feira (25), explorando sobretudo a passagem de Maradona pelo Napoli, entre 1984 e 1991, e a aproximação com a máfia italiana Camorra.

Recheado de filmagens caseiras ou de vestiários, pouco conhecidas do público, o filme intercala imagens do ídolo com os integrantes da família Giuliano, uma das mais poderosas da máfia italiana nos anos 80.

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Lançado pela HBO no ano passado, o filme não agradou o personagem principal. "Joguei futebol e ganhei meu dinheiro correndo atrás da bola. Não extorqui ninguém. Se eles querem atrair o público assim, estão equivocados... O título não me agrada, e se o título não me agrada, o filme não me agradará. Não vão vê-lo", disse Maradona à rede Univisión, em maio do ano passado. A sua crítica se refletiu principalmente ao subtítulo do documentário "Rebelde, Herói, Vigarista e Deus".

"Parecia 'Os Intocáveis'"

Asif Kapadia, que também dirigiu os documentários de Ayrton Senna e Amy Winehouse, até mostra a infância pobre de Maradona, traz entrevistas com sua família e o período em que jogou no Barcelona, mas o foco é mesmo a sua passagem pela Itália, onde se aproximou da família Giuliano, do clã Camorra.

"Eles me colocaram em uma moto, fomos a Forcella (um distrito de Nápoles). Quando nós chegamos, a mesa para o jantar já estava posta. Tinha um rapaz perto de mim. Tudo parecia 'Os Intocáveis', Al Capone. Estávamos comendo e Carmine (Alfieri, um dos chefões mais poderosos da máfia italiana) disse: 'qualquer problema que tenha será meu problema', e disse que nos protegia em Nápoles. Para mim era tudo novo. Era como estar em um filme", declarou Maradona.

As drogas e a máfia

O documentário também aborda a relação do astro com as drogas, que promoveu ainda mais a proximidade com a Camorra. "Eu comecei [a usar cocaína] em Barcelona em uma boate. Um pico e parecia que eu era o super-homem. Em Nápoles, as drogas estavam por todos os lados, e eu comecei a usar mais e mais", disse Diego.

Em uma das falas, fica clara a relação entre Diego e o clã. "Diego pedia cocaína ao clã Giuliano, e a cocaína chegava. Mas o problema é que quando você começa a depender da Camorra, você se torna sua prioridade".

Maradona em jantar na casa da família Giuliano, do clã mafioso Gamorra Imagem: Reprodução/documentário Diego Maradona

Diego contou ainda que a Camorra dava-lhe presentes, como relógios de ouro, em troca de participação em inaugurações de negócios do grupo. "Notei que Diego não era mais a pessoa que eu conhecia. Mais e mais, era Maradona. Uma pessoa diferente", disse a ex-esposa Claudia Villafañe. "Comecei a notar que ele procurava meios de escapar de não sei o que, de que coisa, de que lugar".

Passagem pelo Napoli

O filme explora bastante a passagem do astro pelo time italiano. Logo no início, mostra a primeira coletiva de imprensa de Maradona no clube, em julho de 1984. Um jornalista é expulso após questionar o então presidente do clube Corrado Ferlaino se a máfia italiana havia viabilizado financeiramente a contratação de Maradona.

"Essa pergunta é altamente ofensiva. Estou mortificado com o jornalista que fez essa pergunta. Isso é um insulto e eu não vou responder. Estou pedindo que você saia. O Napoli não vai ser insultado com esse tipo de ignorância. Nós fizemos enormes sacrifícios para assinar e não queremos ser ofendidos por ignorantes que pensam que tudo que acontecem aqui tem a ver com a Camorra."

As imagens seguintes mostram a apresentação do astro no estádio San Paolo lotado. Outro trecho dá espaço às conquistas do Napoli sob o comando de Maradona e as festas promovidas nos vestiários, pelos jogadores, e nas ruas, pela torcida.

Entre as imagens de celebrações, uma chama a atenção: uma faixa com a frase "Vocês não sabem o que perderam", pendurada na parede de um cemitério. A celebração pelo título na temporada 1986/1987 durou dois meses, diz o filme. Com o argentino, o Napoli conquistou dois títulos do Campeonato Italiano, uma Copa da Uefa, uma Copa da Itália e uma Supercopa da Itália.

"Era impossível. Eles tinham tanta esperança, e Diego deu isso a eles. Foi como se ele se transformasse em um salvador. Ele se transformou em um deus ou em São Genaro, patrono da cidade", declarou Claudia Villafañe, após o primeiro título napolitano sob a batuta do marido.

Os torcedores estavam realmente diante de Deus. "Você não pode falar mal do Maradona. Se você fala mal do Maradona, você está criticando Deus. E Deus você não critica porque ele está acima de tudo", declarou um torcedor do Napoli. Diante de tanta idolatria, o filme mostra o assédio dos torcedores. "Não podia sair de casa. Sair de casa causava tumulto, ir ao teatro, cinema, fazer compras...", disse Maradona.

Os títulos e o sucesso do astro também parecem ser fatores que ajudam a explicar a piora no vício em cocaína. "A afeição se tornou um incômodo. O psicológico dele foi afetado. Ele ainda se sentia como um garoto da Vila Fioritto, um menino de merda, vindo da favela", disse o treinador pessoal de Maradona, Fernando Signori.

Copa do Mundo de 1986

Maradona com a Copa em 1986 Imagem: Reprodução/Arquivo AFA

A maior conquista da carreira de Diego Armando Maradona, a Copa do Mundo de 1986, também tem espaço no documentário e, claro, a partida contra a Inglaterra, que eternizou "La mano de Díos" não podia ficar fora. Afinal, argentinos e ingleses ainda tinham uma grande rivalidade por causa da Guerra das Malvinas, de quatro anos antes.

"Nós, como argentinos, não sabíamos das questões militares. Disseram que nós estávamos ganhando. Mas, na verdade, a Inglaterra estava ganhando de 20 a zero. Foi duro. A sensação [no jogo] era igual a outra guerra", disse Maradona.

"Eu sabia que era minha mão. Não era meu plano, mas a jogada aconteceu tão rápido que o bandeirinha não viu eu colocar a mão, e o arbitro estava me olhando e disse 'gol'. Foi uma sensação linda e uma revanche simbólica contra os ingleses", contou Maradona sobre o lance que entrou para a história como "A mão de Deus".

"Se alguém quiser explicar todo o mito Maradona, consegue na partida contra a Inglaterra. Naqueles dois gols, o primeiro com a mão e o segundo driblando todos os oponentes, está toda a explicação por que ele é amado e odiado. Um pouco de enganação, mas também muita genialidade", afirma o jornalista esportivo Daniel Arcucci.

Filho fora do casamento

Na volta a Nápoles, uma bomba na vida de Maradona, também explorado no documentário. Cristiana Sinagra afirmava ser mãe de um filho o ídolo argentino. À época, estava casado com a namorada da adolescência, Claudia Villafañe, então grávida da primeira filha do casal.

"Eu conheci Diego um ano depois que ele chegou a Nápoles. Eu era amiga de Maria, sua irmã que vivia perto de mim em Nápoles. Eu tinha 21 anos e ele 25. Ele era muito simpático, afetuoso. Eu ficava muito na sua casa. Foi uma surpresa quando fiquei grávida", declarou Cristiana, que colocou o nome do filho de Diego Armando Junior.

"Eu intimamente sabia que tinha um filho em Nápoles, mas naquele momento isso não me incomodava. Eu não me importava", declarou Maradona.

Queda após Copa da Itália

O documentário também aborda o início da queda de popularidade de Maradona após a Copa da Itália, em 1990. Os argentinos desclassificaram os italianos na semifinal. O jogo da Argentina contra a Itália foi no estádio San Paolo, do Napoli. E Diego pediu o apoio da torcida napolitana contra a seleção do país, que ficou dividida. Após a queda dos donos da casa ante a seleção argentina, Maradona se tornou a pessoa mais odiada da Itália.

Perdendo a final para a Alemanha, Maradona voltou a Napoli, foi acusado e preso por tráfico de drogas, relacionado ao clã Camorra. O vício do astro estava exposto. Era o início da queda do ídolo.

O filme faz bem em mostrar as contradições do astro argentino, da idolatria em Nápoles às relações com as drogas e a máfia italiana, da genialidade em campo às relações extraconjugais e toda essa dicotomia pode ser resumida em uma declaração do treinador pessoal, Fernando Signori.

"Diego era um menino que tinha inseguranças, um garoto maravilhoso. Maradona era um personagem que ele teve que inventar para poder estar à altura das exigências do futebol e da imprensa. Maradona não podia se permitir nenhuma fraqueza. Um dia lhe disse que com Diego iria até o fim do mundo, mas com Maradona não daria um passo. Ele me respondeu: 'Sim, mas se não fosse por Maradona, eu ainda estaria na Villa Fiorito' [periferia de Buenos Aires]."

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