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Parceria com Neymar e banco no Flu: a vida de Ganso dez anos após estourar

No banco no Fluminense, Ganso não é nem sombra do que se esperava dele há dez anos - Mailson Santana/Fluminense FC
No banco no Fluminense, Ganso não é nem sombra do que se esperava dele há dez anos Imagem: Mailson Santana/Fluminense FC

Caio Blois

Do UOL, no Rio de Janeiro

17/11/2020 04h00

A Copa do Mundo de 2010 encerrou um ciclo na seleção brasileira. A eliminação nas quartas de final para a Holanda deu fim ao trabalho de Dunga e parecia ser o início da era de novos craques, como Neymar e Ganso, que encantavam o país com a camisa do Santos. Passados dez anos, o camisa 10 do Paris Saint-Germain é um dos maiores jogadores do futebol mundial, enquanto Paulo Henrique Lima amarga a reserva no Fluminense.

A comparação agora é inglória, mas acompanha a carreira do camisa 10 do Tricolor desde o início de sua trajetória. Lado a lado com o craque do PSG desde a base, Ganso chamava a atenção pela classe, técnica, passes perfeitos e visão de jogo de "gênio". Dez anos depois, entretanto, o jogador do Flu é até hoje cobrado pelo imaginário daquilo que poderia ser, mas nunca foi. Não fosse o potencial de craque que parecia ter, talvez o meia tivesse outro tipo de visão sobre seu futebol na atualidade.

Ganso e Neymar formavam a grande dupla do futebol brasileiro no início dos anos 2010 - Ricardo Saibun/Santos FC - Ricardo Saibun/Santos FC
Ganso e Neymar formavam a grande dupla do futebol brasileiro no início dos anos 2010
Imagem: Ricardo Saibun/Santos FC

Muita gente o colocava, inclusive, acima de Neymar. Como Dunga, então técnico da seleção, que colocou o paraense de Ananindeua na lista de suplentes para a Copa na África do Sul, mas deixou Neymar fora. A comoção no país pela convocação para a Copa era maior para o então meia do Santos, melhor jogador do Paulistão e da Copa do Brasil, do que do atacante, que recentemente se tornou o segundo maior artilheiro da seleção.

A sequência de lesões, é bem verdade, pode ser o principal motivo de a realidade do meia ter se afastado tanto de seu companheiro e amigo de Peixe. Antes inseparáveis, os dois mantêm ótima relação, mas não têm mais o mesmo contato diário. Ao retornar ao Brasil, Ganso recebeu uma ligação de Neymar com os melhores desejos e até torcida pelo Flu.

Ganso e Neymar na seleção; dupla vive realidade bem diferente 10 anos depois - Ricardo Mazalan/AP - Ricardo Mazalan/AP
Ganso e Neymar na seleção; dupla vive realidade bem diferente 10 anos depois
Imagem: Ricardo Mazalan/AP

Abraçado pela torcida em sua chegada, o jogador deu bons sinais no início de sua passagem pelo Rio de Janeiro. Com a confiança do técnico Fernando Diniz e muitos jovens em seu entorno, o começo foi promissor: dois gols e duas assistências nos primeiros seis jogos. Se não retomaria o papel de protagonista no futebol brasileiro, ao menos seria um jogador importante para um grande clube do Brasil.

Mas o carrossel do início da temporada rapidamente desandou. A campanha do Fluminense no Brasileirão começou trágica e uma mudança de rumos foi necessária na luta contra o rebaixamento.

Na retomada, Ganso esteve longe do que se esperava, mas foi líder dentro e fora de campo, apesar de suas frustrações. Em reunião reservada com o técnico Marcão, antes auxiliar permanente, abriu espaço e "brigou" pela maior utilização de Nenê, um dos jogadores com quem tem melhor relação — e que estava insatisfeito.

Disputa entre Nenê e Ganso é só esportiva; dupla tem grande amizade no Fluminense - Lucas Mercon/Fluminense FC - Lucas Mercon/Fluminense FC
Disputa entre Nenê e Ganso é só esportiva; dupla tem grande amizade no Fluminense
Imagem: Lucas Mercon/Fluminense FC

Na reta final da competição, os dois se alternavam como titulares e foram importantes para que o Tricolor conseguisse o nada honroso objetivo de se livrar da segunda divisão, além da classificação para a Copa Sul-Americana.

Líder, mas não 'dono do time'

Querido por onde passa, Paulo Henrique é uma pessoa difícil de se compreender. Tão genioso quanto fechado aos holofotes, o meia não gosta de exposição e muitas vezes é mal interpretado por aparecer pouco. Incógnita para a maioria das pessoas que o conhecem de longe, Ganso tem a admiração de seus companheiros, diretoria, comissão técnica e funcionários pela postura e ótimo trato.

Também por isso, o episódio da briga com Oswaldo de Oliveira pegou muita gente de surpresa. A insubordinação gerou duras críticas ao jogador, que acabou multado pelo clube, mas deu moral junto ao elenco, já desgastado e muito insatisfeito com o técnico apesar do pouco tempo. Sua frustração interna somada a de seus companheiros o fez explodir.

Paulo Henrique Ganso, jogador do Fluminense, discute com técnico Oswaldo de Oliveira ao ser substituído - Thiago Ribeiro/AGIF - Thiago Ribeiro/AGIF
Ganso discute com técnico Oswaldo de Oliveira ao ser substituído no Fluminense
Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

No vestiário, momentos depois, um pedido de desculpas foi feito não só ao treinador mas aos colegas. Fato é que, a partir dali, o camisa 10 recebeu a fama de ser "problemático". Em campo, o jogador pode até não render o que se esperava, mas costuma ser elogiado pela ética de trabalho, relação com o grupo e influência positiva aos jovens.

O acordo de cinco anos e seu alto salário no Fluminense pressionam muito mais o clube do que o jogador. Ciente de que não será o líder técnico de outros tempos, o meia de 31 anos trata os jovens com o carinho de um craque veterano, e recebe admiração e gratidão em troca.

Ganso é referência para os "moleques de Xerém" no Fluminense - Lucas Merçon/Fluminense FC - Lucas Merçon/Fluminense FC
Ganso é referência para os "moleques de Xerém" no Fluminense
Imagem: Lucas Merçon/Fluminense FC

Se não é a referência no time de Odair Hellmann, é o camisa 10 o espelho e mentor dos Moleques de Xerém na chegada ao profissional. Outros, como os gringos Michel Araújo e Fernando Pacheco, tiveram em Ganso um amigo e tradutor que facilitou a adaptação no Rio de Janeiro.

Com passagem pelo futebol espanhol, onde atuou pelo Sevilla, o meia ensinou português para a dupla e em troca ganhou dois amigos, algumas garrafas de mate do uruguaio e jantares do peruano. Pedido de Jorge Sampaoli no clube andaluz, acabou virando desafeto do treinador que faz sucesso no Brasil. Nos confrontos contra o argentino, inclusive, Ganso costuma ter uma "motivação a mais".

Frustração prende Ganso a Paulo Henrique

Chamado de "gênio", não só pelos jovens, mas por companheiros mais experientes do clube, Ganso por vezes se vê preso em Paulo Henrique. O craque das enfiadas de bola perfeitas e toques precisos não tem mais um corpo que acompanhe sua mente. Por isso, também, costuma se frustrar muito consigo mesmo — e outras situações.

Contra o Grêmio, no primeiro jogo do returno do Brasileirão, o Fluminense não tinha Nenê, lesionado, nem Yago, que testara positivo para Covid-19 na manhã da partida. A escalação do camisa 10 como titular era apontada como certa por todos. Mas não se concretizou, uma vez que a vaga ficou com Michel Araújo. A situação mexeu com a cabeça do meia, que, apesar de experiente, sente muito psicologicamente o fato de "não ser mais o mesmo".

Ganso convive com as próprias frustrações após não 'estourar' como esperado pelo público - David Normando/Futura Press - David Normando/Futura Press
Ganso convive com as próprias frustrações após não 'estourar' como esperado pelo público
Imagem: David Normando/Futura Press

O caso esteve longe de ser novidade: em outros momentos, como na saída de Fernando Diniz, a briga com Oswaldo de Oliveira e o duro começo de 2020, quando esteve lesionado, mexeram muito com a cabeça de Ganso.

Débitos fazem meia não se manifestar em pandemia

Feliz no Rio de Janeiro e gozando da confiança de seus pares, entretanto, o meia rechaçou convites como o de Rogério Ceni, então técnico do Fortaleza, para mudar de ares. O alto contrato com o Flu seria um empecilho, mas o novo treinador do Flamengo estava disposto a montar o time em torno do meia, seu amigo pessoal e um dos maiores entusiastas de seu futebol.

A conversa ao telefone não se concretizou em proposta, e Ganso ficou no Tricolor. Não sem antes causar certa polêmica por não se manifestar. Em junho, o elenco do Fluminense foi o primeiro a se colocar contrário ao retorno do futebol em meio à pandemia do novo coronavírus. Enquanto a Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) recebia o apoio dos rivais Flamengo e Vasco para retomar o Campeonato Carioca, os tricolores se opuseram dentro e fora de campo.

Em junho, todos os jogadores do Flu se manifestaram nas redes sociais com um texto alinhado entre lideranças do elenco e diretoria. Dos atletas do grupo profissional, apenas Ganso não replicou a publicação em suas contas, o que chamou a atenção.

Com débitos referentes ao período da antiga administração, o camisa 10 pediu para não participar das negociações, apesar de ser um dos jogadores mais experientes e uma referência no grupo, por já ter aberto mão de valores em outros momentos.

Brincalhão, Ganso é muito querido por elenco do Fluminense; Dodi é um de seus melhores amigos - Lucas Mercon/Fluminense FC - Lucas Mercon/Fluminense FC
Brincalhão, Ganso é muito querido por elenco do Fluminense; Dodi é um de seus melhores amigos
Imagem: Lucas Mercon/Fluminense FC

Antes, fez questão de procurar o assistente técnico Marco Salgado, o diretor-executivo Paulo Angioni e até o presidente Mário Bittencourt para dar "satisfação" do motivo, bem como alinhar sua posição com o grupo de jogadores, afirmando que independente do seu caso individual, apoiaria e faria coro para a decisão da maioria.

A não postagem, entretanto, não caiu bem para todos no clube, justamente pela postura que Paulo Henrique Ganso costuma ter no vestiário — onde mantém protagonismo a despeito da reserva.

Mudança de papel e elogios da comissão

Ganso não fez grande 2019 pelo Fluminense, mas terminou o Campeonato Brasileiro às boas com torcida e diretoria após arrancada no fim da competição que colocou a equipe na Sul-Americana. Atuando em sua posição com um meio de campo mais equilibrado, o jogador cresceu junto com o time na reta final e fechou o ano como titular, status que mudaria com Odair Hellmann.

O início de 2020 previa uma preparação física específica para o camisa 10, que teria mais tempo de pré-temporada após sofrer algumas lesões. A ideia era realizar um fortalecimento muscular para dar mais segurança ao jogador, que convive com problemas nos dois joelhos há anos.

No tempo em que ficou fora, entretanto, Paulo Henrique Ganso viu Nenê renascer. O camisa 77 fez cinco gols em seis jogos e gerou uma cena simbólica: ao retornar aos gramados, reverenciou o veterano de 39 anos, a quem substituiu no clássico contra o Botafogo, onde o meia anotou dois golaços.

Ganso reverenciou Nenê contra o Botafogo, "passagem de bastão" no Fluminense - Mailson Santana/Fluminense FC - Mailson Santana/Fluminense FC
Ganso reverenciou Nenê contra o Botafogo, "passagem de bastão" no Fluminense
Imagem: Mailson Santana/Fluminense FC

A dupla não se deu conta, mas aquele era o momento da passagem de bastão. No time de Odair, construído com três homens no meio de campo para dar sustentação aos avanços dos pontas e laterais, Nenê relegaria Ganso ao banco de reservas. Enquanto o camisa 77 é o artilheiro do time em 2020 com 19 gols, o 10 é apenas o 20º do elenco em minutos na temporada.

Apesar da pouca utilização, Ganso recebe muitos elogios do treinador, do auxiliar Maurício Dulac e da comissão técnica permanente do clube quando é assunto. O jogador é querido por todos de Laranjeiras ao CT Carlos Castilho, e não representa um problema esportivo para o Fluminense — talvez apenas financeiro, já que possui mais três anos de um gordo contrato e tem um papel pequeno no time.

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