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Sentença de Robinho é pública, ao contrário do que atleta e Santos disseram

Robinho tem afirmado que não pode comentar o caso por conta de um suposto segredo de justiça - Marcelo Ferraz/UOL
Robinho tem afirmado que não pode comentar o caso por conta de um suposto segredo de justiça Imagem: Marcelo Ferraz/UOL

Adriano Wilkson e Janaina Cesar

Do UOL, em São Paulo e Milão

22/10/2020 10h01

A sentença que condenou em primeira instância, na Itália, Robinho e um amigo a nove anos de prisão por crime de violência sexual em grupo foi publicada em novembro de 2017 e está disponível para consulta pública desde então. Um novo julgamento, em segunda instância, está marcado para dezembro.

Na semana passada, dois dias antes de virem à tona detalhes da sentença, o Santos publicou uma nota oficial afirmando que "não entraria no mérito da acusação, pois o processo corre em segredo de Justiça na Itália." O próprio Robinho, em entrevista ao UOL Esporte na última sexta-feira (16), afirmou que não poderia comentar as acusações como gostaria por causa de um suposto segredo de Justiça na Itália.

Porém, assim como a sentença da juíza Mariolina Panasiti é pública e acessível desde sua publicação, os processos penais na Itália também são.

A reportagem conversou com três advogados italianos, e todos citaram o artigo 471 do código de procedimento penal da Itália, que garante o acesso público às audiências penais "sob pena de nulidade".

Os especialistas também afirmaram que, na Itália, o segredo de justiça existe até o encerramento da investigação preliminar. Quando essa investigação é concluída e o caso vira um processo, o segredo de justiça é retirado.

No direito penal brasileiro, o sigilo do processo costuma ser conferido pelos juízes a todos os casos envolvendo crimes sexuais, como uma forma de proteção à vítima - e mesmo aos acusados, dado o princípio da presunção da inocência.

Na Itália, a prática é um pouco diferente. "Quando existe a necessidade de proteger a vítima, é possível fazer um pedido ao juiz para que o processo seja realizado a portas fechadas. Isso acontece de imediato nos casos de violência sexual quando a vítima é menor de idade", disse um dos advogados do escritório Arnone e Sicome, localizado em Milão, ouvidos pela reportagem.

Michele Gentiloni, advogado criminalista de um escritório em Roma, lembrou que, caso a testemunha esteja em situação vulnerável, "ela pode solicitar para depor em um ambiente protegido [por exemplo, uma sala onde não possa ser vista ao lado de onde acontece o julgamento], dotado de microfone, para que o juiz possa lhe ouvir".

Audiências do julgamento de Robinho tiveram público

As audiências do caso de Robinho não fugiram à regra da transparência e foram abertas ao público. Jacopo Gnocchi, advogado de defesa da vítima, uma mulher de origem albanesa, diz ter visto algumas pessoas assistindo às audiências. "Provavelmente eram estudantes de direito ou um público casual que passava pelo tribunal", disse.

Os autos do processo são, por norma, entregues apenas às partes envolvidas, afirmou o advogado Gnocchi: "Mesmo quando o processo é público, quem tem acesso aos autos processuais são as partes, isto é, a defesa e a acusação. Mas não é proibido pedir a elas acesso à documentação."

Já a sentença, à qual o UOL Esporte teve acesso, pode ser consultada desde a sua publicação, em 2017. Na ocasião, Robinho jogava pelo Atlético-MG, que sofreu pressão de grupos feministas, mas evitou comentar o caso, alegando se tratar de uma situação pessoal. Condenado, Robinho ainda jogou por dois clubes na Turquia antes de voltar ao Santos, time que o revelou.

Desde o anúncio do reforço, o Santos vem sofrendo críticas por contratar Robinho. Em entrevista na semana passada, antes da revelação de detalhes da sentença, o presidente santista Orlando Rollo afirmou ao "Globoesporte.com" que tinha conseguido o documento, mas ele ainda estaria sendo traduzido.

Ontem (21), em entrevista coletiva, o cartola afirmou que não caberia a ele fazer "juízo de valor" sobre o caso. "Não posso emitir juízo de valor ainda sobre os áudios, apesar de achar o que foi apresentado repugnante, porque a sentença é volumosa, de centenas de laudas. Temos que analisar o processo como um todo, não em partes isoladas." Na verdade, a sentença de condenação tem 28 laudas, e não "centenas".

Em um parecer emitido na terça-feira retrasada (13), na esteira das críticas à negociação com Robinho, o Conselho Fiscal do Santos autorizou o negócio. "Após análise, concluímos que não existe qualquer obstáculo para a contratação", afirma o documento, assinado por cinco conselheiros. No parecer, não há qualquer menção à sentença de condenação na Itália.
Para ter uma cópia do documento, a reportagem fez um pedido simples ao tribunal de Milão explicando as justificativas. Com a autorização judicial, foi preciso apenas pagar uma taxa cobrada pelo tribunal. Se o pedido for simples, a resposta sai em cerca de quatro dias. Se pedido com urgência, o documento pode ser entregue até no mesmo dia.

O Santos também poderia ter feito um percurso ainda mais rápido. O clube poderia ter solicitado uma cópia aos advogados de Robinho, visto que quando a sentença é publicada as partes recebem automaticamente o documento.

Depois que a transcrição das conversas foi revelada pelo "Globoesporte.com" na última sexta, o Santos passou a ser pressionado por patrocinadores para rescindir o contrato com Robinho. O clube preferiu suspender o negócio.

Procurado para comentar o teor desta reportagem, o Santos respondeu com uma frase: "De comum acordo resolvemos suspender o contrato, para que Robinho possa concentrar toda sua energia e atenção em sua defesa."

Marisa Alija, advogada e representante do atacante, preferiu não comentar o assunto.