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Atacante inglês conta como superou violência doméstica, alcoolismo e prisão

Troy Deeney, centroavante e capitão do Watford, falou sobre sua saúde mental - Getty Images
Troy Deeney, centroavante e capitão do Watford, falou sobre sua saúde mental Imagem: Getty Images

Do UOL, em São Paulo

15/10/2020 13h05

O atacante inglês Troy Deeney, 32 anos, contou em longa carta publicada no site The Players Tribune como a terapia está o ajudando a lidar com as dificuldades de sua vida, como violência doméstica, alcoolismo e prisão. O jogador compartilhou seu relato pouco depois do Dia Internacional da Saúde Mental, celebrado no último sábado (10).

Denney, que atualmente defende o Watford, da segunda divisão inglesa, cresceu em Birmingham, na Inglaterra. O jogador teve uma infância difícil marcada pelas prisões de seu pai, considerado por ele como um super herói.

"Quando eu era criança, ele era meu rei, meu super herói - ele era Superman, Godzilla e Batman ao mesmo tempo. Ele era o cara que consertava tudo. Ele era alto, muito musculoso, mas também era, não há outra maneira de dizer, um criminoso", disse.

Era comum, inclusive, o pai dele ser preso. A justificava para os sumiços do pai era que ele estava viajando a trabalho ou tinha saído com os amigos. "Uma vez, quando eu tinha oito anos, eu e meu irmão mais novo, Ellis, estávamos dormindo em nossos beliches quando a porta da frente se abriu. Era papai, e ele estava lutando com dois policiais. Nós pulamos. Enquanto os policiais tentavam prendê-lo, ele nos dizia: 'Não se preocupem, papai está apenas brincando com seus amigos. Voltem a dormir'."

Foi aos 10 anos que Denney percebeu que o pai batia na mãe. O casal chegou a morar em casas separadas, mas as agressões continuaram.

"Quando chegamos [na casa da mãe], meu pai chutou a porta e encontrou minha mãe sentada em uma poltrona. Ele continuou dizendo a ela que ela precisava voltar para casa. Ela disse que não. E toda vez que ela falava, ele a socava. Eu fiquei pulando na frente dele, tentando fazê-lo parar, apenas para levar um soco e cair no chão. Então, eu voltaria e levaria outro soco", afirmou.

"Felizmente, um amigo meu contou o que estava acontecendo, e a mãe dele chamou a polícia. Isso é o que nos salvou. Porque, quem sabe? Meu pai não deu nenhum sinal de parar naquele ponto."

Morte do pai e prisão

Após os episódios traumáticos do pai, o atacante ficou agressivo e começou a se envolver em confusão. Ele também descontava os problemas nas bebidas. Para piorar, o pai dele morreu de câncer, em 2012, quando Denney tinha 23 anos.

"Quando fui vê-lo alguns dias antes de sua morte, ambos sabíamos que provavelmente estávamos tendo nossa última conversa, o que acabou sendo o caso. Era tão estranho ver meu herói parecendo tão fraco. Ele disse: 'Sinto muito pelo que fiz. Lamento não estar por perto para tudo'. Eu apenas falei: 'Não se preocupe com isso. Eu vou cuidar de todos'. Essa foi a única vez que ele pediu desculpas para mim", contou.

Troy Deeney - Jan Kruger/Getty Images - Jan Kruger/Getty Images
Imagem: Jan Kruger/Getty Images

Um dia depois de descobrir que o pai tinha câncer, o jogador se envolveu em uma briga e acabou preso. "Eu não estava em um bom lugar e saí para beber com um bando de amigos em Birmingham. Mais tarde naquela noite, alguém me disse que meu irmão estava brigando. Então eu fui procurá-lo e acabei chutando uma pessoa no rosto. Só posso pedir desculpas e prometer que nunca mais acontecerá."

A mãe de Deeney trabalhava na estação de trem da cidade e viu um jornal com a foto do filho na capa, dizendo que ele havia sido condenado a 10 meses de prisão. Três dias antes de ir para a prisão, o atacante enterrou o pai.

Cinco anos de terapia

A série de problemas e o abuso do álcool fizeram com que Deeney fosse aconselhado a procurar ajuda para cuidar da saúde mental. "No meu caso, passei muito tempo lidando com questões não resolvidas. Eu costumava lidar com elas bebendo. Na verdade, eu costumava pensar que era normal se sentir mal, tipo: 'Será que todo mundo não se sente assim?'. Foi só quando a bebida realmente saiu do controle que as pessoas disseram: 'Troy, você precisa ver alguém'", disse.

Já são cinco anos de terapia desde então. O jogador contou que ainda está em meio a um processo. Algumas coisas ainda o perturbam, mas ter consciência dos problemas "ajuda muito".

"O simples fato de estar ciente de questões como essa ajuda muito. Falar sobre elas também ajuda. A terapia aliviou muito o estresse e removeu muita bagagem. Ainda me culpo por certas coisas, mas estou mais à vontade com quem sou. Eu me acostumei a lidar com as cicatrizes e com o fato de que não vou acertar o tempo todo. Ainda me sinto um pouco deprimido em alguns dias, mas agora que penso sobre a razão de me sentir assim, posso ter certeza de não beber quando isso acontecer. Posso fazer um esforço para malhar naquele dia e aumentar minha adrenalina. E se eu ficar deprimido por algumas horas, estarei bem com isso."

"Espero poder contribuir para isso divulgando a mesma mensagem e dando um exemplo no dia a dia. Acho que as maiores perguntas que podemos fazer com sinceridade são: 'como vai você? Como está o seu dia?'. Se você realmente parar alguém e disser 'você está bem hoje, cara? Como estão as coisas?', isso faz as pessoas pensarem: Oh, ele realmente se importa. Então pergunte de três a cinco pessoas, mesmo que sejam estranhas, se elas estão bem. Você nunca sabe, mas pode realmente mudar a vida de alguém", finalizou.