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O que Jesualdo Ferreira deixou para Renyer, joia do Santos

Eder Traskini e Gabriela Brino

Colaboração para o UOL, de Santos

07/08/2020 04h00

Jesualdo Ferreira não é mais treinador do Santos. Mas isso não significa que ele não tenha deixado marcas. Aliás, longe disso. Para Renyer, por exemplo, o nome do treinador será eternizado na sua carreira. Foi graças ao português de 74 anos que o jovem atacante teve sua primeira chance no profissional.

Lá atrás, antes do técnico chegar à Baixada Santista, ele já citava a joia em suas tantas entrevistas. Com 17 anos, o atleta carioca chamou a atenção e cativou o técnico por sua habilidade e ousadia no ataque. Convenceu o português de que ele é o melhor atacante de sua idade no Brasil e o deixou ansioso para conhecê-lo.

E realmente não demorou para esse encontro acontecer. Alguns dias depois de comandar treinos no profissional, Jesualdo mandou o garoto subir e completar a atividade. Brincou logo no primeiro contato: "Então, você é o famoso Renyer?"

Mal sabia o português que antes dessa brincadeira a molecada já havia se reunido em um grupo no WhatsApp para comemorar sua chegada. Assim que os meninos souberam que o lusitano daria mais atenção e chance à base, a resenha e euforia foi grande.

"A gente se empolga, né? Queremos mostrar nosso trabalho, foi positivo pra gente trabalhar bastante, mostra que eles também podem ter essa oportunidade. Veio pra ajudar bastante essa rapaziadinha da base. Teve uma resenha no WhatsApp [risos], "Aí, rapaziada, vamos estar todos juntos alí em cima". Nos empolgamos!", disse em exclusiva ao UOL Esporte.

No vídeo acima, é possível notar que Renyer é alegre e tem energia de sobra, mas não é só na sua vida pessoal. Em campo, ele teve que equilibrar isso. Antes da lesão no joelho direito Jesualdo pegava no pé do jovem de 17 anos com o posicionamento de corpo e pedia para ele desacelerar e não se apavorar. Tocar mais a bola para trás e não se afobar para ir mais à frente.

"Ele [Jesualdo] me ajudou muito e batia nessa tecla comigo de posicionamento, posicionamento de corpo. É que na base eu tinha uma maneira de jogar, aqui eu já mudei completamente. Na base, eu só procurava, sabe, jogar pegando a bola, indo pra cima e tal [risos]. Chamar atenção... aqui tem que ter mais calma, tocar mais a bola, cadenciar mais o jogo. Ele falou "calma, tudo no seu tempo, se você dominar assim, tocar a bola pra trás... não precisa se apavorar pra ir pra frente". Fiquei mais tranquilo com isso", explica.

Agradecimento nas redes

Após a saída de Jesualdo Ferreira, Renyer fez questão de se posicionar nas redes sociais. O atacante agradeceu pela oportunidade e afirmou que jamais esquecerá de quem realizou seu sonho.

"Professor, eu sou apenas agradecimentos ao senhor por este curto período de convivência. Muito obrigado pela confiança depositada em mim, por todos os conselhos e ensinamentos. Nunca esquecerei de quem realizou o meu sonho de estrear com a camisa do Santos!", escreveu.

Receio de perder espaço

Foram três jogos pelo Santos, além de outra convocação na seleção Sub-17 para a coleção. Até que a joia foi surpreendida com uma séria lesão no ligamento cruzado do joelho direito, local delicado e de recuperação longa. No primeiro momento, o susto e o receio de perder espaço no time. Na sequência uma quarentena motivada pelo novo coronavírus.

Com quatro meses de futebol paralisado no Brasil, o jovem teve um tempo confortável para se recuperar com tranquilidade. Hoje, Renyer faz treinos separadamente e já trabalha com bola em campo.

Renyer - Fernanda Luz/Fernanda Luz/AGIF - Fernanda Luz/Fernanda Luz/AGIF
Renyer em sua estreia com a camisa do Santos, no fim de janeiro, sob comando de Jesualdo
Imagem: Fernanda Luz/Fernanda Luz/AGIF

"Por um lado [a quarentena] foi boa pra mim, por outro foi ruim. Eu tinha acabado de subir para o profissional, tava jogando, fui pra seleção, mas machuquei. Pensei: 'agora vou perder espaço, agora a situação vai ficar completamente diferente, né?' Têm outros moleques da base que também estão para subir, molecadinha boa. Aí veio a pandemia, ajudou um pouco. Deu uma segurada no futebol, consegui tratar. Deu medo. Conversei muito com minha família, meu irmão, principalmente, me apoiou bastante. Fiquei nervoso e com medo no começo", conta.

"Ouvi "calma, no futebol é assim mesmo". Foi passando, fui começar o tratamento, fui ficando mais tranquilo. Eu venho todos os dias de manhã fazer fisioterapia. Me indicavam trabalhos para fazer à tarde, em casa. Me ajudando. Fui melhorando rápido. Hoje, consigo fazer algumas coisas que no começo eu não conseguia. Consigo correr, consigo chutar uma bola! Ainda não [sem expectativa de retorno]", complementa.

Se não fossem os lanchinhos...

Depois de ter passado no sonhado teste do Santos para o futebol de campo, aos 9 anos, Renyer e sua mãe, dona Leuzinete, tiveram que organizar suas vidas para começarem a viver na Baixada Santista. A falta de dinheiro fez com que a costureira vendesse suas máquinas para arrecadar um bom valor que sustentasse a família, mas não durou muito.

Sem ter de onde tirar, a família começou a encarar a fome. Renyer recebia os cuidados e a alimentação do clube e essa foi a saída que o menino encontrou. Além do café da manhã, almoço e janta, o Santos oferecia um lanchinho após a última refeição para quem sentisse fome mais tarde. Em vez de jantar, Renyer levava para casa e entregava a sua mãe. Essa era a janta da dona Leuzinete.

"Quando viemos [do Rio de Janeiro] pra cá, ela teve que vender as máquinas. Teve que vender pra também suprir o que estava faltando em casa. Rendeu bastante esse dinheirinho. Não tínhamos muito dinheiro e tínhamos que se virar lá em casa. No segundo ano, as coisas foram ficando mais calmas, fizemos amizade, recebendo um salariozinho [risos]. No comecinho, pra ir treinar, não tinha dinheiro, tinha que ir à pé pra ir na Vila. Dinheiro pra comer. Minha mãe ficava sem comer e eu tomava café, almoçava e jantava na Vila. E à noite, eles davam alguns lanchinhos para quem sentisse fome mais tarde. Esse lanche eu dava pra minha mãe. A gente foi se virando aos poucos. No ano seguinte, foi mais tranquilo graças a Deus", conta.

Dias de luta, dias de glória

Hoje no time profissional e na reta final de recuperação da lesão, Renyer se prepara para ficar à disposição do novo treinador. Segundo apurou o UOL Esporte, a contratação de Cuca está avançada e deve se concretizar nos próximos dias. E apesar de já ter acumulado três jogos no Santos, ainda não caiu a ficha do atacante.

Renyer ainda se impressiona de estar em campo ao lado de Sánchez e Soteldo, por exemplo. Fica deslumbrado com a técnica dos mais experientes. A adaptação no time profissional está sendo leve, com dicas e brincadeiras. Para quem pensa que a joia procura apenas os atletas com mais conhecimento, se engana. Ele vai atrás de quase todos com a ideia de buscar aprendizado. O menino é esperto.

"Os caras todos jogando, Sánchez pela seleção uruguaia. Fico impressionado, a ficha ainda não caiu, sabe? Você tá ali do lado do cara, do nada você pensa "Oxi, vi esse cara na televisão e agora estou aqui, o que está acontecendo?". Todos brincam muito com a gente. Pará também brinca bastante. Todo mundo ali na resenha junto. Eu procuro tirar um pouco da dica de cada um. Tiro um pouco dali, outro daqui, junto tudo, dá um negócio bom, né? Sou esperto!", afirma.

Enquanto Renyer segue colhendo suas referências, o torcedor segura a ansiedade para vê-lo em campo após a recuperação. E o Brasileirão está logo ali.

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