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Paulista - 2020

Paulistão volta sob tensão por Covid e atletas em risco mesmo com protocolo

Lucas Colombo/AGIF
Imagem: Lucas Colombo/AGIF

Arthur Sandes

Do UOL, em São Paulo

21/07/2020 04h00

O Campeonato Paulista volta amanhã (22), com quatro partidas e uma tensão no ar por causa da Covid-19. A retomada do Estadual em meio à pandemia coloca os atletas em risco e nem mesmo a Federação Paulista de Futebol (FPF) garante 100% de eficácia das orientações que elaborou — ainda que confie no contrário.

Quando os titulares de Corinthians e Palmeiras subirem ao gramado da Arena na noite de amanhã (22), ninguém saberá com certeza se os 22 atletas estarão livres do coronavírus. O mesmo vale para todos os outros 15 jogos previstos para o encerramento da primeira fase do torneio, além das finais. Isto também vale para os jogadores reservas, comissão técnica e qualquer outro envolvido na retomada do Paulistão.

O UOL Esporte apurou que, ontem, em videoconferência com representantes da FPF, alguns médicos de clubes do Paulistão manifestaram insegurança quanto ao retorno dos jogos. O argumento é o de que o ponto de vista médico não foi levado em consideração para a volta nesta semana e que as datas foram debatidas somente entre cartolas, não entre os médicos dos times. A Federação reforça que o retorno contou com 15 votos a favor - apenas o Botafogo-SP foi contra.

A incerteza parte dos próprios testes de Covid-19. Os resultados demoram até três dias para sair, algo comum na pandemia como um todo, mas que no futebol pode culminar em um atleta jogar contaminado, mesmo tendo testado negativo dias antes. Há ainda situações de risco, como na concentração e no deslocamento para ir e voltar dos jogos.

A FPF se dispôs a testar todo o mundo, é verdade, mas nem assim consegue garantir um Estadual livre do coronavírus. Na prática, ninguém seria capaz de fazê-lo neste momento da pandemia em São Paulo.

"Gostaria de dizer que temos 100% de certeza [quanto à proteção dos envolvidos], mas não é verdade", reconhece Moisés Cohen, presidente da Comissão Médica da Federação. "Espero que sejam 90%, 95% ou até 98%. Isso é o que espero, mas não tem como ser mais do que isso."

O que põe os jogadores em risco?

A preocupação se dá por vários fatores. O principal é que o vírus em si continua circulando em São Paulo, e a chance de contaminação nunca cai a zero, por maior que seja a precaução. Na verdade, este risco aumenta quando se participa de uma atividade coletiva, como, por exemplo, um jogo de futebol do Campeonato Paulista.

Outros pontos são menos óbvios: a concentração e o deslocamento para os estádios, por exemplo. A FPF recomenda algumas mudanças de hábito, mas o fato é que a maioria dos atletas segue concentrada em duplas (não em quartos individuais) e continua indo aos jogos aglomerada em um único ônibus — do clube ou disponibilizado pela própria federação.

Além disso, há uma janela de contaminação entre a coleta e o resultado do teste de Covid-19. Alguns clubes paulistas ouvidos pelo UOL fizeram os exames na sexta-feira (17) e souberam do resultado ontem (20); nos casos positivos, o atleta fez dois ou três treinos com os companheiros antes de saber que tinha o vírus. Neste cenário, todos os jogadores viram casos de Covid-19 em potencial.

A FPF arca com os custos do melhor exame de coronavírus que existe (RT-PCR), mas mesmo este exame é uma fotografia de três dias atrás. Os elencos, como se sabe, treinam diariamente. Desta forma, mesmo quem teve resultado negativo ontem (20) pode ter contraído o coronavírus no sábado (18) e entrar em campo amanhã (22) infectado, podendo contaminar mais gente. O Santo André, por exemplo, diagnosticou três jogadores com covid-19 no sábado.

O raciocínio vale para todas as datas restantes no Estadual, e também para qualquer semana com "jogos de quarta e domingo" até o fim da pandemia no Brasil. Se as partidas são tão ou mais frequentes do que os testes RT-PCR, é impossível garantir que o coronavírus não entre em campo.

"Estamos muito tensos", diz médico

O presidente da Comissão Médica da FPF, Moisés Cohen, pondera que os jogadores talvez estejam mais seguros na concentração do que estariam na vida normal, mesmo assim não esconde a inquietude e a "sensação de final de campeonato" com o retorno do Paulistão. "Estamos muito tensos, na expectativa, porque não depende só do protocolo, depende de um grupo todo, do entorno [dos jogadores], todos precisam ter responsabilidade", afirma o médico.

Uma das várias recomendações que a federação incluiu no seu protocolo é a proibição da troca de camisas entre adversários. Não só para proteção dos próprios atletas, mas também pelo exemplo dado à sociedade. Neste sentido, explica Cohen, os jogadores acumulam "uma responsabilidade profissional, de não admitir o risco de contaminar o outro; e também a social, da imagem que passa ao grande público".

Fora de campo e dos detalhes médicos, a imagem passada ao grande público é no mínimo questionável. A retomada do Paulistão acontece enquanto a Covid-19 dispara em todo o interior do Estado de São Paulo, que já tem registrado 416.434 casos e 19.788 mortes por Covid-19, segundo números oficiais divulgados ontem (20).