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Guru (e agora auxiliar) de Guardiola inspirou Sampaoli e nunca foi campeão

Juan Manuel Lillo, espanhol de 54 anos, foi anunciado na última terça (9) como auxiliar técnico do Manchester City  - Divulgação
Juan Manuel Lillo, espanhol de 54 anos, foi anunciado na última terça (9) como auxiliar técnico do Manchester City Imagem: Divulgação

Gabriel Carneiro

Do UOL, em São Paulo

12/06/2020 04h00

O ex-meia brasileiro Jamelli foi comandado pelo técnico espanhol Juan Manuel Lillo no Real Zaragoza, em 2000. Guarda lembranças de alguém revolucionário e bem-humorado.

"Ele tirava sarro de mim porque tenho dupla cidadania, brasileira e italiana. Ele dizia que os italianos são os melhores defensores do mundo e os brasileiros os melhores para atacar. E que eu era italiano para atacar e brasileiro para defender, que devia ser ao contrário", diverte-se.

Vinte anos depois da zoeira, Lillo está no noticiário: ele foi anunciado na última terça-feira (9) como novo auxiliar do Manchester City. Aos 54 anos, ele substitui Mikel Arteta, que se tornou técnico do Arsenal na virada do ano.

Lillo - Divulgação/Qingdao Huanghai - Divulgação/Qingdao Huanghai
Lillo venceu a Segunda Divisão da China em 2019: ele nunca foi campeão na elite
Imagem: Divulgação/Qingdao Huanghai

Para trabalhar com Guardiola, o espanhol pediu demissão do Qingdao Huanghai, em que venceu segunda divisão chinesa em 2019. Antes, tinha trabalhado no Japão, onde comandou o zagueiro brasileiro Dankler: "Sempre comentávamos entre os jogadores que ele tinha características de Guardiola, exigia bastante a posse de bola da equipe, trabalhava muito isso. Éramos o time com mais posse de bola do Campeonato Japonês quando ele estava. Se perdíamos a bola, dois ou três já tinham que dar pressão, jogávamos muito para cima e com intensidade."

Também deixou para trás uma carreira de mais de 35 anos como treinador que teve só duas interrupções, quando aceitou convites para ajudar o argentino Jorge Sampaoli, hoje no Atlético-MG, na seleção do Chile e no Sevilla.

Tanto Guardiola, quanto Sampaoli veem Juanma Lillo como um mentor, uma inspiração. Por que?

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Ascensão precoce

Lillo foi o técnico mais jovem da história a dirigir um time na elite da Espanha, antes dos 30 anos. Ele subiu de divisão três vezes seguidas depois de acumular, desde os 17, experiências em times amadores e regionais e categorias de base. Inclusive, os únicos títulos que ostenta no currículo antes da China são deste momento da carreira. Na elite, nunca venceu.

Mas isso é o de menos, porque desde sempre seus times peitaram os mais ricos e fortes. Depois que chegou à La Liga, começou a rodar, com passagens por Oviedo, Tenerife, Zaragoza, Murcia, Terrassa, Real Sociedad e Almería no país. Na maioria das vezes, suas ideias fora do convencional custaram os empregos, como relembra Jamelli.

Jamelli no Zaragoza - Firo Foto/Getty Images - Firo Foto/Getty Images
Jamelli foi dirigido por Lillo no Zaragoza, em 2000
Imagem: Firo Foto/Getty Images

"Ele era novo na profissão e tinha ideias muito diferentes. Naquela época, começo dos anos 2000, a pré-temporada era muito física, você corria e levantava peso. Ele já colocou treino com bola no primeiro dia, até estranhamos. Era circuito, jogos 2x2, 3x3, 4x4, o que todo mundo faz hoje, ele fazia naquela época. Eram ideias diferentes e revolucionárias e o time estava bem. Mesmo assim, ele ganhou uma fama na imprensa de inventar porque mudava muito o time", conta o brasileiro.

"A demissão do Lillo foi assim: tínhamos uns 18 jogadores de seleção no Zaragoza e ele fazia revezamento de minutos entre todos. Na Copa da Uefa, ganhamos de 4 a 1 do Wisla Krakóvia em casa. Na volta, ele deixou a mim, Acuña e Kily González no banco para revezar. Tomamos 4 a 1 e fomos eliminados nos pênaltis com um time muito melhor. Voltamos muito criticados, aí ele perdeu um jogo para o Valencia e foi demitido."

Demissões por "inventar demais" foram marcas ao longo da carreira. Assim como o bom humor e a condução do dia a dia com leveza: "Tínhamos um sueco chamado Gary Sundgren no elenco, todo sério, alto. Numa preleção, o Lillo perguntou: 'onde você se vê jogando no Zaragoza?'. Ele era super sério, falou que pensava em jogar mais de lateral do que de zagueiro. Quando ele acabou de falar, o Lillo responde: 'Te vejo mais no banco de reservas mesmo'. Todo mundo deu risada. Ele tinha muito dessas tiradas."

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"Fora da casinha"

A definição de Jamelli ajuda a explicar a relevância de Lillo no futebol, mesmo sem ser consagrado por um grande título. Nos anos 90 e começo dos anos 2000, ele escalava seus times no (então incompreensível) esquema tático 4-2-3-1, do qual é considerado um dos criadores e teóricos.

A cultura da posse de bola, de recuperar a bola rápido e do jogo curto e vertical teve nele um símbolo. E mais do que isso: ele era figura frequente como comentarista de TV, inclusive na Copa do Mundo de 2002, e expunha ideias de forma simples e didática, a ponto de ganhar seguidores em todo o mundo.

Minha filosofia de futebol é minha forma de vida: você joga como você vive e joga como você sente."

A essência do jogo que ele propunha em campo e na TV foi difundida após Pep Guardiola mencionar que se inspirava nele. Houve aproximação antes e depois de jogos do Campeonato Espanhol, especialmente uma partida em que o então veterano volante pediu para conhecer o técnico adversário, do Oviedo. Anos mais tarde, Pep jogou sob o comando do compatriota no Dorados, do México. Dali nasceu uma relação estreita, apesar de terem sido só dez jogos.

Guardiola e Lillo - Reprodução - Reprodução
Aprendiz e mestre trabalharam como jogador e técnico no Dorados, do México, entre 2004 e 2005
Imagem: Reprodução

Quando Guardiola assumiu o Barcelona B como técnico e começou a colocar em prática seus conceitos, Lillo era uma espécie de auxiliar informal. Ele se tornou assistente de fato, e largou o protagonismo à beira do campo, ao lado de Jorge Sampaoli no fim de 2015, primeiro na seleção chilena e depois no Sevilla. De novo, uma relação iniciada pelo que pensavam de futebol, assim como aconteceu com Marcelo Bielsa, Juan Carlos Osorio e Mauricio Pochettino.

Lillo, por sua vez, foi tutorado por Cesar Luis Menotti, técnico da Argentina campeã mundial de 1978, que dirigia o Atlético de Madri quando ele estudava para ser treinador, aos 22 anos. Uma longa conversa de sete horas sobre futebol é lembrada pelos dois. Assim como o apelido "monstrinho".

Cult até na Colômbia

O treinador espanhol carrega algumas peculiaridades que o fazem ser considerado cult, ou alternativo, no meio do futebol. Ele não comemora com frequência os gols de seus times, por exemplo. Alega que isso é usurpar a festa de quem merece, os jogadores. Também fica sentado quase o tempo inteiro no banco, porque ficar de pé gritando e gesticulando significa que não trabalhou bem na preparação do jogo.

Lillo e Guardiola - AFP - AFP
Ambos já se enfrentaram no Espanhol
Imagem: AFP

Um dos poucos jogos em fez questão de sair do banco para mostrar que era parte do processo foi numa goleada sofrida pelo seu Oviedo por 8 a 0. Para o Barcelona. De Guardiola.

Nos últimos anos, antes de ser convidado para o reencontro com Guardiola, deu uma de andarilho: trabalhou na Colômbia (Millonarios, em 2013, e Atlético Nacional, em 2017), no Japão (Vissel Kobe, em 2018) e na China até aparecer a proposta do City.

No Atlético Nacional, ele substituiu Reinaldo Rueda - que logo depois iria para o Flamengo. Uma entrevista em que falava sobre sua filosofia de jogo viralizou rapidamente, aumentando o culto em torno da figura. Mas duas eliminações em 22 jogos custaram o emprego em seis meses. Depois foi para o Japão comandar Iniesta, David Villa, Podolski e Dankler: "Ficou marcado para mim esse lado comunicativo, de passar ideias de jogo muito bem, de ser exigente e ter um lado explosivo que só ajudava."

Agora, o momento é de acompanhar o "filho".

"Não sou pai biológico do Guardiola, não (risos). Paternidade de carinho, ok. Ele é meu filho, meu irmão mais novo, meu amigo..."