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Love lembra o dia em que 'desafiou' Putin e apavorou colegas de time russo

Leo Alvarez

Colaboração para o UOL, em Moscou (Rússia)

18/05/2020 04h00

Há exatos 15 anos, em 18 de maio de 2005, o CSKA Moscou venceu o Sporting por 3 a 1, em Lisboa, para levantar a Copa da Uefa e se tornar o primeiro time russo a vencer um torneio europeu de clubes. Com toque brasileiro: foram três passes assistências de Daniel Carvalho —eleito o melhor em campo— e o gol final anotado por Vágner Love. Um feito histórico e amplamente relatado.

O que talvez poucos se lembrem foi o que aconteceu três dias depois, já de volta à capital russa, quando a delegação do time moscovita se encontrou com o presidente russo Vladimir Putin. Uma reunião em que Love quebrou o protocolo e deixou todos apreensivos ao desafiar o poderoso mandatário para um rápido bate-bola e que acabou eternizado em uma foto que até hoje adorna o memorial de conquistas do CSKA.

A cerimônia de recepção aconteceu em 21 de maio na residência-oficial de Novo Ogaryovo. Um evento restrito a jogadores e membros da comissão técnica. O intérprete que sempre acompanhava os brasileiros acabou barrado. Sem domínio da língua, Love e Carvalho se sentiam como peixes fora d'água durante a conversa entre o técnico Valery Gazaev e Putin.

Love e Putin - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

Ao final do bate-papo e da breve cerimônia, Love resolveu ousar para quebrar o gelo e se divertir. Pegou a bola que todos os atletas haviam assinado, fez algumas embaixadinhas e a atirou na direção de Putin.

"Como estávamos sem o tradutor, a gente não entendia nada. Eu queria fazer alguma coisa para ficar marcado, aproveitar o momento. E foi o que veio na cabeça na hora. A bola estava em cima da taça, peguei e pensei 'vamos ver se este cara sabe bater na bola'. Ele acabou entrando na pilha e fez umas embaixadinhas. Virou algo histórico para mim e para o CSKA", contou Love ao UOL Esporte.

"Eu só fiz aquilo porque não sabia se algum outro jogador teria coragem. Não foi nada em tom de desrespeito, nem nada. Mas os russos ficaram todos apreensivos. Mas Graças a Deus, ele levou na boa. Vou poder para sempre guardar este momento e contar para meus filhos e netos quão importante foi este título que ate o presidente nos recebeu. Isso demonstra como somos respeitados dentro do país", disse o atacante do Corinthians.

Daniel Carvalho também recorda a gargalhadas e reconhece que, à época, não tinha dimensão do que significava aquele momento. "Não tínhamos ideia do que era o Putin para os russos. Aqui no Brasil não temos essa admiração toda. Quando o Vágner pegou a bola, os russos abriram os olhos apavorados, e o Vágner achando graça. Quando o Putin levou na boa a brincadeira e com descontração, saiu o peso das costas da comissão. Eles estavam mesmo apavorados", relembrou.

"Mas foi muito legal e ajudou a descontrair, os outros jogadores aplaudiram. Lembro até que saiu alguma coisa no Jornal Nacional. E eu fiquei com uma foto ao lado do Putin para guardar. Algo que é para poucos", contou.

O encontro entre os jogadores do CSKA e Putin foi amplamente relatado pela imprensa russa e até hoje é lembrado no país. Na página oficial do Kremlin, porém, não há nenhuma referência ao bate-bola, nem fotos deste momento específico. Apenas um relato e transcrição das palavras do presidente. Putin nunca falou publicamente sobre as embaixadinhas.

Em 2018, antes da Copa do Mundo um outro bate-bola de Putin rodou o mundo. Este com o presidente da Fifa Gianni Infantino para promover o torneio.

Love ainda é ídolo na Rússia

Entre indas e vindas ao Brasil para defender Palmeiras e Flamengo, Vágner Love teve vínculo por dez anos com o CSKA (de 2004 a 2014). Conquistou vários títulos nesse tempo: três vezes a liga russa, seis vezes a Copa da Rússia, quatro vezes a Supercopa da Rússia e, claro a Copa da Uefa.

No total, fez 259 partidas e anotou 124 gols. Em 2008, ele foi o artilheiro do Campeonato Russo. Também é o estrangeiro com o maior número de gols da história da Liga Russa. Foram 85.

"Para a maioria das pessoas aqui na Rússia e para torcedores, sejam eles do CSKA ou não, Vágner Love é o melhor estrangeiro que já passou pela Liga Russa, superando nomes como Hulk, Witsel, Olic. E isso acontece porque ele ficou muito tempo aqui, jogando em alto nível. Os torcedores do CSKA até hoje sonham que ele possa voltar a jogar aqui. Não tenho nenhuma dúvida que é o estrangeiro mais lembrado e admirado de todos os tempos", analisou o jornalista Sevastian Terletskiy, do jornal Izvestia.

Fotos de Vágner Love e capas de jornais de seus tempos áureos no CSKA ainda hoje decoram vários espaços do estádio, a VEB Arena, em Moscou. Frequentemente em seus perfis nas redes sociais, o clube também publica diversos vídeos com gols e melhores momentos do atacante.

"Eu fico muito feliz que ainda existam tantas boas lembranças do meu tempo. Gosto muito deste carinho, ainda recebo mensagens dos torcedores. Quem sabe ainda não volto para jogar mais um ou dois anos para encerrar a minha carreira no CSKA?", disse Love, de 35 anos, ao UOL Esporte.

"Desde que deixei o CSKA eu nunca mais voltei a Moscou e gostaria muito de ter esta possibilidade, principalmente para conhecer o estádio. O presidente sempre prometia que iria construir e cumpriu a promessa. Então seria muito bom ir, quem sabe reencontrar os meus ex-companheiros", afirmou.

Um título depois da queda

O CSKA disputou a edição 2004/05 da Copa da Uefa após ser eliminado na primeura fase da Liga dos Campeões. O time russou ficou em terceiro na chave que tinha Chelsea e o Porto, que avançaram, e o Paris Saint-Germain.

Assim, iniciou sua campanha na Copa da Uefa, entrando direto nos mata-matas. No caminho até a final, eliminou Benfica (POR), Partizan (SER), Auxerre (FRA) e Parma (ITA).

A final contra o Sporting aconteceu justamente na casa do rival, o estádio José de Alvalade, escolhido anos antes pela Uefa como palco da decisão.

O time russo saiu perdendo de 1 a 0, sendo o gol português anotado pelo brasileiro Rogério. No segundo tempo, conseguiu a virada com gols de Aleksei Beretzuski, Zhirkov e do próprio Love.

"Aconteceu de termos de ir jogar no estádio deles e, claro, tinha muito torcedores deles. Nos vaiavam a todos os momentos, mas só tenho as melhores recordações desta final. E consegui fazer o gol que decretou a conquista. Agora que está completando 15 anos, tem bastante gente da Rússia me escrevendo e ligando", disse Love.

Love e Daniel Carvalho não voltaram diretamente para Moscou para celebrar título juntos com os demais companheiros. Ficaram uns dias em Portugal com familiares antes do retorno à capital russa.

"Sinto falta de não conseguir ver como foi a chegada em Moscou e a comemoração. Isso é o que e mais lamento nestes 15 anos. Se pudesse voltar no tempo, gostaria de ter tomado banho, voltado a moscou e comemorado", disse Carvalho.

"Falar em se arrepender é algo muito forte, mesmo porque eu estava com minha mãe em Portugal e foi bom poder comemorar com ela. Vi fotos depois de como foi a chegada e depois, um pouco mais tarde pude sentir o carinho dos torcedores. Então foi tudo ótimo", disse Love.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do que informado anteriormente, o CSKA foi o primeiro time russo a vencer um torneio europeu de clubes e não o primeiro do leste europeu. O erro foi corrigido.