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Há 15 anos, Romário se despedia da seleção e passaria de ídolo a algoz

Marcio Santos, Dunga e Romário antes de uma das partidas de despedida do atacante - Mike Blake/Reuters
Marcio Santos, Dunga e Romário antes de uma das partidas de despedida do atacante Imagem: Mike Blake/Reuters

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

27/04/2020 04h00

Mauro Silva roubou a bola no meio de campo, e enfiou em profundidade. Romário arrancou, indo em segundos da completa letargia à velocidade máxima, do jeito que só ele conseguia fazer, e, com uma finta de corpo, entortou o goleiro Siboldi. Quase sem ângulo, conseguiu tocar para as redes, pela segunda vez na partida. O Maracanã explodiu: o Brasil carimbava seu passaporte para a Copa do Mundo de 94, nos Estados Unidos.

A arrancada contra o Uruguai em 93 foi também o início da arrancada de Romário rumo ao panteão das maiores lendas da história da seleção. A trajetória do atacante com a camisa amarela terminou no dia 27 de abril de 2005, há exatos 15 anos, em amistoso contra a Guatemala - o Baixinho marcou na vitória por 3 a 0. Fora de campo, seguiu carreira política e foi de herói a algoz da Confederação Brasileira de Futebol, se tornando um dos principais expoentes de denúncias de corrupção contra a entidade.

Quando fez os dois gols que classificaram a seleção para a Copa dos Estados Unidos diante do Uruguai em setembro de 93, Romário estava há meses afastado da seleção por desentendimentos com a comissão técnica de Carlos Alberto Parreira e Mario Jorge Lobo Zagallo. Garantiu seu lugar e foi principal jogador na conquista do Mundial, escrevendo o nome história, mas as relações conturbadas fora de campo acabaram por deixá-lo e fora de mais duas Copas.

Foi assim, entre tapas e beijos, durante toda a sua trajetória na seleção: brilho e gols dentro das quatro linhas, polêmicas e indisciplina fora delas. A fantasia sobre o que poderia ter acontecido é quase tão grande quanto a história que de fato ocorreu. Com a aposentadoria, os beijos rarearam, e Romário construiu uma carreira política como deputado e, depois, senador, pautada em denúncias de corrupção contra a CBF, gestora da seleção.

De promessa temperamental a melhor jogador do mundo

Romário e Dunga comemoram o tetra campeonato mundial do Brasil  - Getty Images North America - Getty Images North America
Imagem: Getty Images North America

Romário estreeou pela seleção em 1987, e se apresentou ao mundo nas Olímpiadas de Seul, em 88, com sete gols na conquista da medalha de prata. Uma lesão a poucos meses fez com que não chegasse à Copa de 90 na melhor forma. Reserva, só entrou em campo no confronto contra a Escócia e não balançou as redes.

Mesmo antes de se consagrar com a camisa da seleção, o atacante se envolvia em trocas de farpas e polêmicas que maracavam sua relação com a camisa amarela. Temperamental, nunca hesitou em emitir opiniões e contestar treinadores. Em 92, antes de um amistoso diante da Alemanha, se irritou com o banco de reservas e discutiu com o treinador Carlos Alberto Parreira, falando abertamente que se considerava superior aos titulares Bebeto e Careca.

A postura lhe rendeu um afastamento durante toda a disputa das eliminatórias. Foi convocado para a última rodada após uma lesão de Muller e, com o Brasil correndo risco de ficar fora do Mundial, marcou os dois gols da vitória decisiva sobre o Uruguai no Maracanã. Na Copa dos EUA, foi o principal jogador brasileiro e fez cinco gols na conquista do tetracampeonato - seria seu auge com a amarelinha no ano em que foi o primeiro sul-americano premiado como melhor jogador do mundo.

Indisciplina e desentendimentos minaram trajetória, apesar de clamor popular

Romário teve uma longa carreira, marcando gols no Campeonato Brasileiro até os 40 anos de idade, mas, na seleção, os desentendimentos fora de campo o impediram de repetir ou superar 94 e limitaram sua galeria de momentos históricos. Em 1998, sofreu uma lesão na panturrilha às vésperas da Copa - insistiu que se recuperaria a tempo para, pelo menos, a fase mata-mata da competição, mas o técnico Zagallo e o coordenador Zico optaram por cortá-lo. A possibilidade de um Brasil com Romário e Ronaldo no ataque em um Mundial ficou restrita ao imaginário popular, e a seleção foi derrotada pela anfitriã França na final.

Em sua boate na época, Café do Gol, Romário ironizou o então técnico da seleção, Zagallo, e o coordenador Zico ao colocá-los em fotos na porta do banheiro - Patrícia Santos/Folha Imagem - Patrícia Santos/Folha Imagem
Imagem: Patrícia Santos/Folha Imagem

Durante a competição, o Baixinho cumpriu a promessa e voltou a campo pelo Flamengo, inclusive marcando um gol dias depois da seleção disputar as quartas de final. No Bar Café do Gol, no Rio de Janeiro, do qual era sócio, providenciou caricaturas de Zagallo e Zico no banheiro: o técnico utilizava um vaso sanitário enquanto o coordenador segurava o papel higiênico. O episódio rendeu processos judiciais e um pedido de desculpas que só veio mais de dez anos depois, em 2009.

Em 2001 chegou a ser convocado por Luiz Felipe Scolari para as eliminatórias, mas irritou o treinador ao pedir dispensa da Copa América 2001 por uma cirurgia ocular e atuar em amistosos pelo Vasco. Uma enorme campanha popular, com adesão até do então presidente Fernando Henrique Cardoso não surtiu efeito, e o atacante assistiu à Copa da Coreia e do Japão das cabines da Rede Globo. Desta vez, mesmo sem ele, a seleção levantou a taça.

De ídolo polêmico a político e algoz da CBF

Romário encerrou sua trajetória como jogador da seleção brasileira no dia 27 de abril de 2005, atuando por apenas 38 minutos em um amistoso com ritmo de treino diante da Guatemala. Aos 39 anos, marcou de cabeça um dos gols na vitória por 3 a 0, que marcou também a estreia de Fred, então uma promessa de 21 anos do Cruzeiro. O Baixinho se despediu com 56 gols em 70 partidas, uma Copa do Mundo, uma Copa das Confederações e duas Copas Américas.

A relação com a seleção se transformou - especificamente, com a CBF. Cinco anos depois da despedida, Romário elegeu-se deputado federal pelo Rio da Janeiro, com mandato de 2011 a 2015. Depois, elegeu-se senador, cargo que ocupa atualmente, filiado ao partido PODE. Ao longo de sua carreira política, fez das denúncias de corrupção contra a Confederação uma de suas plataformas.

Romário, no Senado federal - Divulgação/La Liga - Divulgação/La Liga
Imagem: Divulgação/La Liga

Em 2015 participou da CPI do futebol no congresso nacional, e nunca escondeu que considera que a investigação acabou abafada pela atuação de deputados e políticos ligados ao futebol brasileiro. Em 2017, públicou o livro "Um Olho na Bola, Outro no Cartola - o crime organizado no futebol brasileiro", com documentos e relatos sobre a comissão.

"As ações criminosas identificadas pela CPI do Futebol 2015 ocorrem de várias formas, mas todas com alguns elementos em comum: repetem, quase sempre, os mesmos procedimentos, executados pelas mesmas pessoas, como numa quadrilha bem articulada. Semelhantes a outras organizações voltadas para o crime e usando modelos de modernas máfias, a CBF e seus braços operacionais de corrupção estão estruturalmente caracterizados pela divisão de tarefas, com núcleos diretivos, econômicos, financeiro e político, tudo concentrado para o sucesso das empreitadas criminosas. O funcionamento dessa estrutura está didaticamente detalhado e ilustrado no livro", disse, em entrevista à ESPN em 2017.

A relação conturbada com a entidade continua até os dias atuais - no ano passado, Romário faltou a duas festas comemorativas com a presença dos jogadores envolvidos no tetracampeonato de 94. Em janeiro deste ano, entretanto, aceitou participar de uma partida em celebração à conquista, sinalizando a possibilidade de reconciliação.

"Isso aqui não tem nada a ver com a minha relação de senador com a CBF. Aqui está o ex-jogador que fez história com a seleção, está aqui para reviver e, para quem não viu, ver não só o Romário, mas essa geração vitoriosa. É importante fazer esse jogo para mostrar o que foi essa galera de 1994", afirmou ao Fox Sports na ocasião.